150 anos da imigração

Italiano fez estudos essenciais para povoamento do interior do Brasil

A serviço da Coroa Portuguesa, Francesco Tosi Colombina produziu alguns dos primeiros mapas do interior do Brasil e ajudou a abrir estradas e erguer prédios públicos

Por Renato Alves
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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Mais de 200 anos antes de receber a nova capital do país, durante a gestão do mineiro Juscelino Kubitschek, a região Centro-Oeste foi desbravada por um italiano. Engenheiro militar, geógrafo e cartógrafo, o genovês Francesco Tosi Colombina apresentou aos europeus, por meio de mapas, relatórios e desenhos, as belezas e riquezas do interior brasileiro. Seus estudos serviram a integrantes de expedições designadas para fazer levantamentos que resultaram na construção de Brasília, inaugurada em 1960. 

 

Antes de desembarcar na América portuguesa, Tosi Colombina, que nasceu em 1701, foi tenente da Guarda Real da Prússia – o principal Estado do império alemão –, tendo participado de duas campanhas militares na Itália. Ele também lecionou geografia na Academia Militar da Corte alemã. Então engenheiro, geógrafo e cartógrafo com certo renome na Europa, acabou contratado pelo Reino de Portugal para atuar no centro do Brasil, onde desembarcou em 1723. Profissionais italianos dessas áreas eram tidos como os melhores à época.

 

Tosi Colombina foi incumbido de ensinar os novos avanços da cartografia, iniciativa financiada pelo ouro extraído nas Minas Gerais, depois em Mato Grosso e Goiás. A corrida pelo ouro já havia ajudado a povoar o interior do Brasil, com gente saída de todos os cantos do país, de Portugal e outras colônias mundo afora. Mas a administração portuguesa queria estruturar as novas capitanias de Goiás e Mato Grosso, para consolidar o território obtido pelo Tratado de Madri em troca da Colônia de Sacramento (Uruguai) e das Filipinas. 

 

Tosi Colombina ajudou a mapear caminhos, construir prédios públicos e fortificações

 

Tosi Colombina ficou no Brasil até 1756. Em pouco mais de uma década de missões pelo Brasil, o genovês de ascendência lombarda explorou ainda a Região Sul. Ele dirigiu a expedição que marcou a descoberta portuguesa do rio Tibagi e da Serra de Apucarana, no Paraná, tendo inclusive sugerido como ocupar o território e pacificar os indígenas de forma menos violenta que a dos bandeirantes paulistas. 

 

Posteriormente, em 1749, viajou do interior de São Paulo até Vila Boa de Goiás, – atual Cidade de Goiás, a primeira capital do Estado, hoje considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco pelo casario e ruas de pedras centenárias. Lá passou a auxiliar Dom Marcos José de Noronha e Brito, sexto Conde dos Arcos e primeiro capitão-general (1749-1755) da recém-criada Capitania de Goiás, na abertura e mapeamento de caminhos, além da construção de prédios públicos, fortificações, e o que mais fosse necessário.

 

 

Prospecto do centro de Vila Boa de Goiás (atual Cidade de Goiás), feito por Francesco Tosi Colombina
 

 

Em Vila Boa de Goiás, ele deixou três plantas urbanas e desenhos das fachadas das construções do centro histórico. Construções e cenários que continuam quase como nos tempos da incursão do italiano, sendo atrações turísticas da cidade que também é conhecida como Goiás Velho e foi tombada pela Unesco em 2001. São elas:

  • o Largo do Rosário, incluindo a Residência do General e a Igreja da Lapa;
  • a Praça do Jardim, incluindo a Rua Direita e a Igreja do Rosário;
  • o centro da cidade, mostrando o Rio Vermelho e no fundo a Serra Dourada. 

 

 

Historiadores dizem que italiano fez o primeiro mapa do Centro-Oeste

 

Como era costume naquele período, Tosi Colombina viajou em lombo de burro durante os dois anos de sua missão na Capitania de Goiás. Além de possibilitar o transporte de ouro e mercadorias, as precárias estradas de terra do século XVIII levavam os viajantes a um Brasil quase inexplorado, muito diferente do já bastante ocupado litoral. Nas estradas, a paisagem mostrava a dimensão e a riqueza das terras sob domínio português. 

 

 

Prospecto do centro de Vila Boa de Goiás (atual Cidade de Goiás), feito por Francesco Tosi Colombina

 

 

Historiadores dizem que essa jornada gerou o “Mapa da Capitania de Goyaz e Capitanias Circunvizinhas”, que ele teria começado a desenhar em 1749 e concluído em 6 de abril de 1751. O mapa mostra com detalhes os caminhos de Goiás, os arraiais e, principalmente, os rios. “Retrata o epicentro das nascentes dos maiores sistemas hidrográficos brasileiros”, como destacou o historiador italiano Riccardo Fontana.

 

Também analista político e econômico, Fontana publicou, em 2004, o mais completo estudo sobre a vida e obra de Tosi Colombina. No livro, que leva o nome do explorador italiano, Fontana evidenciou a importância dos mapas de regiões brasileiras desenhados pelo compatriota. O do Centro-Oeste é o primeiro dos limites de Goiás, Mato Grosso, Pará, Maranhão, Pernambuco e do sul do país.

 

Mapa de italiano serviria para plano centenário para transferência da capital 

 

O mapa foi feito oficialmente para servir de base técnica ao Tratado de Madri, em que portugueses e espanhóis delimitaram seus territórios na América do Sul. Mas o documento elaborado pelo italiano também fazia parte de um plano secreto do Marquês de Pombal, que durante 26 anos comandou a política e a economia portuguesas. 

 

Pombal pretendia levar a capital do litoral para o interior do país. Tornaria o Rio de Janeiro uma capital temporária, até que fosse erguida uma cidade nova no interior do Brasil, cujo destino era ser não apenas a sede da colônia, mas a do Reino de Portugal. No entanto, esse plano só seria concluído mais de 200 anos depois, com a construção de Brasília, uma cidade de traços modernistas, pensada como símbolo de um país novo, livre e promissor. 

 

Tosi Colombina desenhou rotas que ligavam Cuiabá ao porto de Santos

 

Enquanto o marquês tinha o interesse de manter a hegemonia portuguesa na corrida para dominar o mundo, Tosi Colombina pretendia facilitar o transporte de minérios e pedras preciosas de Cuiabá ao porto de Santos. Ele e alguns sócios queriam explorar uma estrada para carroças que cruzasse o atual Centro-Oeste até o litoral paulista. Não por acaso, o mapa do cartógrafo traz informações e rotas, tanto terrestres como pluviais, do centro do Brasil. 

 

Tosi Colombina recebeu como prêmio a licença para explorar, por 10 anos, a estrada para carroças que seria construída de São Paulo ao Planalto Central, passando por Vila Boa de Goiás e indo a Natividade, alcançando várias minas de ouro, além de uma sesmaria de três léguas de comprimento para plantação de pastos e instalação de pontos de apoio. Mas a estrada não foi aberta. “Esse projeto não se concretizou por falta de capital e pelas dificuldades técnicas e logísticas então encontradas”, observou Fontana.

 

O historiador ressaltou que não interessava ao governo português facilitar meios de transporte devido ao contrabando de ouro e diamante já então praticado em larga escala nas vastas regiões mapeadas por Tosi Colombina. Fontana acreditava ainda que a estrada pensada pelo desbravador italiano ficou só no papel por motivos políticos e diplomáticos. O historiador sustenta que, a partir de 1750, tornou-se prioritária a exploração sistemática das minas de ouro e de diamantes em Minas Gerais. 

 

Tosi Colombina deixou o Brasil para comandar construções na Ilha da Madeira

 

Francesco Tosi Colombina fez um terceiro levantamento geográfico, de São Paulo ao Rio da Prata. Mas teve que deixar a região às pressas, em 1974, por causa da Guerra dos Guaranis (1753-1756), em que espanhóis e portugueses expulsaram os guaranis protegidos nas missões dos padres jesuítas. 

 

Como engenheiro militar, o governo colonial enviou Tosi Colombina a Portugal, onde, em 5 de abril de 1756, aos 55 anos, recebeu patente para tratar da construção do Porto do Funchal, na Ilha da Madeira, tendo tomado posse desta patente em 6 de maio de 1756 e iniciado as obras no início ou meado do ano seguinte. Ele participou da construção do Forte de São José.

 

As últimas notícias de Tosi são de 1769, quando ele enviou ao Conde de Ega, vice-rei da Índia, relatório sobre as tropas que comandava na Índia portuguesa. Por falta de registros bibliográficos, não se sabe quando o desbravador morreu. Também não foram encontradas imagens dele. O Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa registra 17 cartas e relatórios oficiais que confirmam a importância do papel de Tosi Colombina no Brasil. No Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, por sua ligação a esse estado, é Patrono da Cadeira número 44.

 

Paracatu foi cogitada como capital do Brasil

 

Transferir a capital do litoral para o centro do país não foi uma ideia de Juscelino Kubitschek. Ela levou ao menos 170 anos em gestação, desde a primeira menção durante a Inconfidência Mineira (1789) – Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960, dia de Tiradentes. 

 

A nova capital poderia ter sido São João Del Rei (MG), como queria Tiradentes; na comarca de Paracatu (MG), como indicou José Bonifácio; Belo Horizonte (MG), Campinas (SP) ou Petrópolis (RJ) como debateram os constituintes de 1934, e ainda Goiânia, como preferia Café Filho. Por pouco, o lugar escolhido para Brasília não ficou no triângulo mineiro – como preferia, inicialmente, JK.

 

Confira abaixo as principais propostas de interiorização da capital e o que foi feito até a construção de Brasília:

 

  • Em 1823, logo após a Independência, o ministro e deputado José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) propôs à Assembleia Constituinte a interiorização da capital. Para ele, uma nova cidade no Planalto Central — a ser batizada de Petrópole (em homenagem a dom Pedro I) ou Brasília — permitiria um melhor controle sobre o imenso território brasileiro e impediria que ele se esfarelasse em pequenas nações naquele conturbado momento pós-Independência.
  • No reinado de dom Pedro II, a campanha por uma capital no centro do Império renasceu encabeçada por Francisco Adolfo de Varnhagen, o historiador mais renomado da época. Para ele, a permanência do governo no Rio significava a continuidade do atraso colonial, e a entrada do Brasil na modernidade dependia dessa transferência como marco simbólico.
  • O próprio Varnhagen se embrenhou pelos sertões do Planalto Central em 1877 para procurar a localização mais apropriada. Após a expedição, ele sugeriu que se erguesse a cidade de Imperatória (nome em homenagem ao imperador dom Pedro II) entre as lagoas Formosa, Feia e Mestre d’Armas — a grande área dentro da qual hoje se situa Brasília e abrange a cidade-satélite de Planaltina e parte da atual Formosa (GO).
  • Na República, o artigo 3º da Constituição Federal de 1891 determinou a demarcação do território para construção da futura capital do Brasil. Em 1892, o então presidente Floriano Peixoto instituiu a Comissão Exploradora do Planalto Central. Chefiada pelo astrônomo e geógrafo belga Louis Ferdinand Cruls, integravam a equipe pesquisadores, geólogos, geógrafos, botânicos, naturalistas, engenheiros e médicos, entre outros. 
  • De 1892 a 1894, eles fizeram estudos científicos até então inéditos no Centro-Oeste, mapeando aspectos climáticos e topográficos, além de estudar a fauna, a flora, os cursos de rios e o modo de vida dos habitantes. Cruls voltou à região no segundo semestre de 1894 para concluir alguns estudos e definir a região exata de Brasília dentro dos 14,4 mil km2 demarcados pela comissão.
  • Cinquenta anos mais tarde, o trabalho de Cruls foi ratificado pela comissão de técnicos nomeada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, sob coordenação do general Djalma Polli Coelho. Em 1948, Dutra encaminhou o relatório dessa comissão para a Câmara dos Deputados. Os parlamentares estendem o “quadrilátero Cruls” a Unaí (MG) e a Anápolis e Goiânia (GO). No fim do ano seguinte, depois de tramitar nas duas casas legislativas, o projeto de mudança foi aprovado no Senado.
  • Em 1953, segundo período de Getúlio Vargas na Presidência da República, o Palácio do Catete, sede do Poder Executivo, foi autorizado pelo Congresso a fazer “estudos definitivos” para localização da nova capital. Mais uma vez, o trabalho da missão Cruls é respaldado por nova comissão constituída, que seguiu trabalhando, mesmo após o suicídio de Getúlio, em 1954.
  • Essa comissão, que no período de Café Filho na presidência (1954-1955), teve à frente o marechal José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, contratou estudos com base em fotos aéreas feitas pela empresa norte-americana de consultoria Donald Belcher & Associate, para escolher o sítio da nova capital.
  • Cinco áreas foram avaliadas pela consultoria. Entre elas o Sítio Castanho, já demarcado pela missão Cruls. A esse sítio, formado por áreas que pertenciam à antiga Planaltina e banhado pelos rios Paranoá, Bananal e Gama, seria somado o Sítio Verde que acrescia as cabeceiras do rio São Bartolomeu. Os dois sítios eram cortados pela estrada Planaltina-Anápolis e formavam a área atual do DF.
  • Eleito presidente, JK ordenou o início da construção de Brasília em 1957, inaugurando a cidade em 21 de abril de 1960, com seus principais prédios prontos.

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