Lorena*, 39, percebeu em 2024, durante uma separação litigiosa, que tinha deixado sua vida profissional de lado durante anos para se dedicar a cuidar dos filhos e do marido. Forçada a trabalhar fora para garantir o sustento enquanto a pensão não era estipulada pela Justiça, enquanto mantinha todos os afazeres domésticos, ela acabou “colapsando”, tendo sido diagnosticada com depressão e burnout durante o processo. “Quando aquela estrutura familiar ruiu, eu percebi que tudo o que eu fiz por anos não tinha valor nenhum, inclusive judicial. Não tinha direito a nada pelo tempo que eu dediquei. Não era nem considerado um trabalho”, conta. “Foi aí que cheguei ao ponto de querer morrer, de planejar como me mataria. Olhava para minha vida, para as dívidas, e pensava que não tinha mais solução, que as coisas nunca mais iam melhorar”, lembra.
Ela representa a segunda categoria que mais tirou a própria vida em Minas Gerais, com 383 registros desde 2022. O número representou 5,9% de todos os 6.458 autoextermínios registrados no Estado no período de menos de quatro anos. Em entrevista a O TEMPO, a dona de casa diz acreditar que o índice está diretamente ligado ao trabalho doméstico.
“É muito desgastante você cuidar de uma casa, pois é um trabalho infinito. Toda semana tudo se repete e, quando você é a única pessoa responsável, a sua vida vira aquilo. Também existe um isolamento muito grande dessas mulheres. A gente não têm uma vida social, você não convive com outras pessoas, nunca têm um tempo livre. Uma coisa que me doía muito era chegar ao fim do dia e perceber que eu não tinha feito nada para mim, só pelos outros. Sofria ao perceber que eu passava dias sem conversar olho no olho com nenhum outro adulto, a não ser por mensagem”, desabafa Lorena.
Solange Medeiros, Coordenadora Institucional do Movimento de Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, também destaca que a carga horária da categoria é de “24h por dia”. “Para além das várias horas que passamos trabalhando dentro de casa, durante o dia, quando estamos no período de maternidade, com filhos pequenos, temos também a carga da madrugada. Eu falo por mim, tive três filhos, um em cada ano. Nessa época, eu dormia de meia em meia hora e, no dia seguinte, continuava levando a vida. Isso sem falar que a realidade, hoje, é que as donas de casa em sua grande maioria ainda trabalham fora de casa e, quando chegam cansadas, ainda precisam fazer os afazeres domésticos”, pondera.
Essa maior carga horária que incide sobre as mulheres, citadas por Lorena e Solange, é confirmada por dados. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022 as mulheres dedicavam 9,6 horas a mais do que os homens aos afazeres domésticos e/ou cuidados de pessoas. Além disso, essas atividades faziam parte da realidade de 92,1% das mulheres com 14 anos ou mais, enquanto, entre os homens, esse número cai para 80,8%.
Segundo pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), se fosse computado, o trabalho doméstico executado pelas mulheres elevaria em 8,5% o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Já o levantamento feito pelo Instituto Locomotiva, com base em dados do IBGE, indica que, se o trabalho doméstico fosse remunerado no Brasil, as mulheres ganhariam cerca de R$ 834 a mais todos os meses.
A psicóloga, psicanalista, doutora e mestra em estudos psicanalíticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Elisa de Santa Cecília Massa, acredita que a solução para o problema do alto índice de suicídios entre as donas de casa em Minas passa pela implantação de políticas públicas mais amplas e duradouras, desde campanhas de conscientização para toda a sociedade até ações de cuidado direcionadas para estas mulheres.
“O Estado deveria prover às donas de casa uma retaguarda que permita que essas atividades não fiquem tão concentradas em uma pessoa só. Isso tem a ver com o funcionamento de creches e escolas, com a disponibilidade de opções de lazer, que possam fazer com que esse cuidado da família seja amparado pelo Estado, e não somente sob responsabilidade de uma mulher”, argumenta a psicóloga.
Entretanto, segundo a especialista, é preciso ir ainda mais longe. “A longo prazo é importante pensar no papel da educação voltada para essa conscientização desde a infância. Essa concepção da igualdade de gênero precisa estar ali como uma pauta do cuidado e da educação das crianças, tanto dentro de casa quanto na escola e outros espaços de formação dos pequenos”, conclui a especialista.
A psicóloga e psicanalista Elisa de Santa Cecília Massa destaca que a sobrecarga dos afazeres domésticos também carrega um reflexo do machismo estrutural da nossa sociedade. “Essas tarefas são quase que automaticamente atribuídas a essas mulheres, não apenas nos contextos rurais, mas, também, nas grandes cidades. Muitas vezes, as mulheres ainda são impedidas de exercer outros ofícios para além do trabalho doméstico. Esse índice (de suicídio) certamente tem uma marca de um sexismo presente na sociedade”, afirma.
“Mas o suicídio é um fenômeno muito complexo, que tem muitos fatores envolvidos em sua causalidade, por isso é muito importante considerar todos esses fatores sociais também, e não apenas a individualidade de cada pessoa”, pondera a especialista.
No caso de Lorena, felizmente ela percebeu a tempo que era preciso pedir ajuda. Porém, segundo a dona de casa, isso não se resume somente a buscar tratamento psicológico e psiquiátrico. “Eu já fazia terapia, passei a tomar medicamentos, mas, o principal, foi aprender a pedir ajuda no dia a dia, nas coisas pequenas da rotina. Entendi que não precisava fazer tudo sozinha. Tinha uma ideia errada que isso era ser uma mulher forte”, diz.
*Nomes fictícios