“Antes eu trabalhava, ia para o centro, passeava, ocupava meu tempo. Agora, estou presa aqui dentro dessa casa”. A frase é da servidora pública aposentada Rita*, de 75 anos, moradora de Belo Horizonte, que, apesar de aceitar que está deprimida, não faz nenhum acompanhamento médico por considerar que, com as limitações devido à saúde frágil e dividindo a casa somente com outros três idosos, buscar ajuda seria “difícil demais”. Essa realidade, que atinge ela e outros idosos de Minas Gerais, coloca os aposentados no top 3 das categorias que mais tiraram a própria vida no Estado, representando 5,5% de todos os óbitos por esta causa nos últimos quatro anos, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
Diferentemente do caso dos trabalhadores rurais e das donas de casa, segundo o psicólogo e professor Thales Coutinho, já existe uma grande literatura acerca do suicídio entre os idosos. “É um dado preocupante no mundo todo, e isso é muito preocupante para as famílias. Isso muitas vezes está ligado à solidão, que é um fator importante no comportamento suicida, não só no envelhecimento, mas em qualquer faixa etária. Entretanto, pela ordem natural das coisas, é mais provável que o idoso já tenha um menor número de amigos, por causa do falecimento. Alguns já perderam o companheiro, e os filhos, netos, acabam abandonando, ou visitam com frequência menor. Portanto, o risco de entrar em solidão nessa faixa etária é muito alto”, argumenta.
Rita conta que a depressão dela foi agravada pela pandemia de Covid-19, após, em janeiro de 2020, acabar contraindo o vírus. Com problemas cardíacos e diabetes, ela precisou ser hospitalizada e, após 14 dias em cima de uma cama, deixou a unidade de saúde. Apesar da alegria da família por ela ter vencido a doença, para ela, o percurso não tem sido fácil. Desde então, a vida dela nunca mais foi a mesma. “Hoje sou dependente do oxigênio. Sair é uma dificuldade tremenda, pois tenho que ir com o balão de oxigênio”, diz.
O professor de psicologia, destaca ainda que, no caso dos idosos, o suicídio nem sempre acontece das formas mais convencionais. “Muitas vezes, o suicídio nessa idade se manifesta não necessariamente com um autoextermínio direto, mas, por exemplo, quando param de fazer o uso de uma medicação vital, que acaba fazendo com que tenham complicações e morram por causa disso, o que também é muito sério e grave”, completa Coutinho.
Aposentada pelo Estado, Rita também reclama da dificuldade para conseguir atendimento médico. “Pelo Ipsemg é tudo muito difícil. Eu nem tento conseguir tratamento psicológico mais, pois até mesmo para conseguir exames de coração, que eu sou cardíaca, quando tento marcar a moça só fala que não tem data para especialidade que eu preciso e pede pra ligar depois de uns dias. E assim vou empurrando. Se com cardiologista é assim, imagina psicólogo, psiquiatra. Nunca vão achar vaga”, reclama a idosa.
O momento de transição entre a vida de trabalho diário e a aposentadoria demanda uma preparação, segundo o psicólogo Thales Coutinho, para se evitar crises de identidade. “Isso precisa ser trabalhado com antecedência, pois é uma pancada forte que a vida te dá. Se a pessoa não tiver uma resiliência bem construída, ela pode ser nocauteada por isso”, garante.
Foi o caso de Rita, que se aposentou pelo Estado e, logo em seguida, perdeu o marido para um infarto e, alguns anos depois, a filha adotiva para um câncer. “Quando eu me aposentei e perdi eles, passei a me sentir inútil. Ficava só procurando coisas para ocupar o meu tempo, preencher o meu dia. Quando minha sobrinha teve filho, me ofereci para cuidar dele até ele ir para a escolinha. Me agarrei ao menino como se estivesse agarrando em um barco para não me afogar. Mas agora ele cresceu, e foi para a escola integral”, lamenta Rita.
Túlio*, de 57 anos, também teve o psicológico afetado pela aposentadoria. No caso dele, a doença chegou de forma abrupta há cerca de 3 anos, após ele cair na rua e machucar a perna. Foi em função do incidente que ele descobriu uma trombose que o levou a aposentar por invalidez. “Era o provedor da casa e, doente assim, não consegue mais. Para andar da sala para o banheiro, precisa de muleta. Acabou se sentindo inútil”, conta a esposa dele, Antônia*, de 55.
Assim como no caso de Rita, a depressão de Túlio acabou sendo agravada por uma sequência de grandes perdas. A filha de 24 anos sucumbiu por um câncer raro e, 45 dias depois, a mãe morreu de Covid. “A mente dele foi de mal a pior. Entrou em um quadro depressivo muito grande”, conta. “Mas até para buscar ajuda é muito difícil, a locomoção para a consulta, tudo, já que não consegue ficar muito tempo em pé”, continua a mulher.
Para Antônia, existe uma falha muito grande no acompanhamento da saúde dos aposentados. “Ele era um homem muito ativo, trabalhava demais e, de repente, viu a vida mudar completamente. Não ganha um salário digno e não tem um acompanhamento correto. Quanto tentamos o atendimento psicológico, a espera é muito grande, demora muito para fazer exames, consultas. Isso acaba fazendo com que a pessoa nem procure ajuda”, garante a esposa do aposentado.
Coutinho pontua que existem vários programas de educação para as pessoas se prepararem para aposentadoria. “Ela vai entender outras atividades que poderá fazer, outros interesses que, muitas vezes, ela não teve condições de alimentar ao longo da vida prévia, por conta do trabalho. Portanto, existe uma preparação para suavizar essa transição e evitar que sofram esse baque. Mas, o mais importante, é trabalhar para se evitar a solidão, que é tóxica em qualquer fase da vida”, conclui o psicólogo.
*Nomes fictícios