“Por que o agricultor não tem valor?”. A pergunta foi feita por Paula*, de 56 anos, agricultora familiar de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, durante uma entrevista sobre a saúde mental dos trabalhadores rurais. O questionamento desesperançoso reflete em um número preocupante da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), que traz os trabalhadores rurais no topo do ranking sombrio das categorias que mais tiraram a própria vida. Nos últimos 15 anos, foram 2.339 trabalhadores agropecuários que se mataram, número que representa quase 10% de todas as 23.757 mortes por autoextermínio no Estado desde 2010.
Em tratamento nos últimos anos para o que classificou como “depressão gravíssima”, a agricultora explica que o problema foi agravado pela dificuldade de se vender os produtos da horta, consequência do medo da população acerca da contaminação pelos metais pesados que vazaram da barragem da Vale que se rompeu em 2019 e matou 272 pessoas. Entretanto, segundo a trabalhadora, as dificuldades não se restringem aos trabalhadores do agro da cidade que foi a mais afetada pela lama.
Filha de agricultores, ela também tem irmãos que atuam no cultivo em outras cidades de Minas Gerais, sendo que, segundo Paula, os problemas enfrentados por ela também são compartilhados pelo restante da família. “Eles (irmãos) plantam lá na fazenda, que não tem nada a ver com Brumadinho, e também enfrentam muita dificuldade para vender. Não conseguimos chegar no consumidor final. Se vendermos, por exemplo, umas cebolas por R$ 0,50 para um atravessador, tudo amarradinho, saindo direto da horta, ele vai revender por mais de R$ 3. Isso sem falar na forma de pagamento, que tem uns que pagam direitinho, mas outros pedem 60 dias, dão cheques que voltam. O agricultor sofre muito. O governo tinha que olhar mais para a gente. Hoje, o Estado só ajuda os agricultores grandes”, reclama.
Segundo o Painel Epidemiológico de Violência da pasta governamental, 6.458 pessoas tiraram a própria vida nos últimos quatro anos em Minas, sendo 5.004 (77,4%) delas do sexo masculino. O número representa uma média de 150 suicídios por mês, ou cinco a cada dia, desde 2022, ano que foi o pico de casos de autoextermínios desde o começo da pandemia de Covid-19. Também neste período mais recente, a categoria com maior número de mortes foi a de trabalhadores rurais, com 9,4% dos casos.
Com uma taxa de 8,45 suicídios a cada 100 mil habitantes em 2021, conforme dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, Minas Gerais se tornou, em 2021, o Estado do Sudeste com o pior índice, ultrapassando o Espírito Santo (6,49). A taxa mineira também está acima da média do Brasil, que é de 7,5, e se aproxima da média global (9,2). Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 727 mil pessoas tiram as próprias vidas todos os anos no planeta, sendo que 73% dos suicídios globais ocorrem em países de baixa e média renda. Entretanto, o número de pessoas afetadas pelo problema é ainda maior, já que a organização estima que, para cada morte por suicídio, ocorrem outras vinte tentativas. Além disso, em média cinco a seis pessoas próximas das vítimas sofrem com consequências emocionais, sociais e econômicas da condição.
Para o psicólogo Thales Coutinho, o preconceito existente no meio rural com relação ao tratamento da saúde mental também pode influenciar no alto índice de suicídio entre estes trabalhadores. “A ida ao psicólogo ou psiquiatra já é uma decisão estigmatizada nas grandes metrópoles, mas, na zona rural, esse estigma com esse cuidado é ainda maior. O preconceito ou a represália social contra quem busca suporte de saúde mental acaba agravando esses problemas, até que ele chega em um nível insustentável, em que a pessoa começa a ter a idealização suicida”, pondera.
A maior facilidade em acessar venenos, largamente utilizados no controle de pragas nos cultivos, também pode ter influência no dado.
Em entrevista a O TEMPO, o superintendente regional do trabalho em Minas Gerais, Carlos Calazans, acredita que o índice preocupante entre os trabalhadores rurais pode ter relação com o aumento no uso de agrotóxicos no país. Ele destaca que o Estado brasileiro com maiores taxas de suicídio (12,5 a cada 100 mil habitantes), o Rio Grande do Sul, é marcado pela indústria do fumo, uma das que mais utiliza os defensivos agrícolas.
“Existem diversos estudos que, ao longo dos últimos anos, relacionam o uso de agrotóxicos com a depressão e o suicídio. Além disso, os trabalhadores rurais são uma categoria que trabalha muito isolada, e a interação com os colegas é muito importante para a saúde mental dos trabalhadores”, argumentou. “Durante cinco, seis, 10 anos, a pessoa fica lidando com os agrotóxicos e esse veneno impregna na pessoa, principalmente no cérebro. Isso contamina a capacidade de percepção, a tristeza e a depressão. Os agentes químicos do agrotóxico têm levado as pessoas ao suicídio. É uma coisa impressionante”, completa o superintendente.
Um destes estudos, nomeado de “Prevenção de Doenças por Ambientes Saudáveis - Exposição a Pesticidas Altamente Perigosos: Uma Grande Preocupação para a Saúde Pública”, publicado pela Organização Mundial da Saúde, em 2010, já alertava para os perigos dos agrotóxicos que podem provocar efeitos nocivos à saúde que variam de acordo com o princípio ativo, a dose absorvida, a forma de exposição e as características individuais da pessoa exposta. Segundo o levantamento, entre as consequências já estudadas na medicina estão alergias, distúrbios gastrointestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos, neoplasias, mortes acidentais e suicídios, conforme também mostrou um relatório publicado pelo Ministério da Saúde em 2016.
“O uso de agrotóxicos é mais forte no agronegócio, né? Eles falam que não conseguem colher se não aplicar veneno. E a gente sabe que o veneno contamina a pele, não sabemos nem para onde isso vai depois”, diz a trabalhadora rural Paula*.
*Nomes fictícios