A cirurgia convencional aberta de hérnia da parede abdominal foi considerada durante anos como o único procedimento médico para correção da condição. No entanto, com o advento da tecnologia, nas últimas décadas, surgiram duas novas técnicas: videolaparoscópica e robótica. Ambas são feitas de forma minimamente invasiva — com incisões menores em comparação ao método tradicional. No entanto, as abordagens mais modernas representam pequena parte do número de operações no Brasil.
Dados do sistema DataSUS, acessados em 19 de fevereiro de 2025 e divulgados pela Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH), mostram que, em 2024, o total de cirurgias de hérnias da parede abdominal realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi 349.968. Em 2023, o índice ficou em 335.730. Somados os dois anos, foram 685.698 procedimentos feitos, sendo que apenas 4.358 deles foram executados por meio de técnicas menos invasivas, o que representa cerca de 0,64% do tmontante.
Conforme a SBH, a cirurgia videolaparoscópica é realizada por meio de pequenas incisões abdominais, com o auxílio de uma micro câmera e pinças. Essa abordagem oferece ao paciente recuperação mais precoce, cicatrizes mais discretas e menor risco de infecção da ferida operatória. Já a robótica é executada com a ajuda de um robô. Esse método é indicado principalmente para hérnias grandes ou recidivadas — que retornam após o procedimento.
“A incorporação de tecnologias na cirurgia de hérnias foi uma evolução nas últimas duas décadas. As novas técnicas mudaram de maneira muito significativa duas coisas: o índice de recidiva — que vem caindo — e o conforto no pós-operatório. Então, sempre que você sai da cirurgia aberta e vai para a minimamente invasiva, você tem ganhos de conforto na recuperação do paciente,” explica Gustavo Soares, cirurgião-geral e presidente da SBH.
Em 2019, quando estava indo realizar uma cirurgia para retirar a vesícula, a jornalista Natália Mansur, de 40 anos, foi avisada pelo seu médico de que havia a possibilidade de ela ter uma hérnia umbilical. “Ele me solicitou o ultrassom, que confirmou o diagnóstico. Então, aproveitei e fiz os dois procedimentos de uma vez por via laparoscópica. Minha experiência foi bem tranquila. Tive poucas dores e, em 15 dias, já havia retomado quase todas as minhas atividades rotineiras,” recorda.
O procedimento cirúrgico tradicional de hérnia consiste em fazer um corte numa área determinada para reposicionar o órgão no seu devido lugar (cavidade abdominal) e realizar o fechamento do defeito (buraco ou anel herniário). Essa intervenção pode ser feita por meio da colocação de uma tela — uma prótese que lembra um pedaço de tecido — e de sutura (pontos) para fortalecer a região.
“A gente tem que criar um reforço desses tecidos, e não simplesmente fechar o defeito com pontos. As telas são feitas de um termoplástico específico para uso médico. Elas são extremamente seguras e principalmente as mais modernas têm um comportamento biológico muito benigno, permitindo uma boa integração com o organismo. É raríssimo algum tipo de problema relacionado à prótese. Mas o procedimento deve ser feito de maneira adequada, justamente para evitar a recidiva,” destaca o presidente da SBH.
De acordo com Gustavo, a desvantagem das abordagens mais modernas em relação à convencional é que elas normalmente têm maior custo e demandam um cirurgião com capacitação técnica mais avançada. “O número de procedimentos minimamente invasivos ainda é muito pequeno no Brasil. Uma das bandeiras da SBH é justamente criar condições para que esse indicador aumente. O SUS, em alguns centros, faz a videolaparoscópica, mas a regra do sistema público ainda é a cirurgia aberta.”
Sobre qual procedimento é mais adequado para o paciente, o professor adjunto e Coordenador da Cirurgia Geral do Hospital Universitário da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Paulo Roberto Lima Carreiro, afirma que a definição depende de uma série de questões. “Nós temos que considerar o nível de treinamento do cirurgião, a disponibilidade de equipamentos, os custos, dentre outras coisas. O ideal é individualizar o tratamento para os pacientes, pois cada um vai ter uma melhor indicação.”
O professor destaca ainda que o importante, independentemente da via de acesso, é alcançar o objetivo do procedimento, que é a redução do conteúdo herniário e o reforço da parede abdominal. “E a gente consegue fazer isso muito bem por qualquer uma das técnicas,” finaliza.
Com o objetivo de informar e conscientizar as pessoas sobre as hérnias da parede abdominal, a Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) atua em um Projeto de Lei para oficializar o Dia Nacional de Conscientização sobre as Hérnias da Parede Abdominal, a ser celebrado em 19 de junho. “Ter esta data no calendário oficial aumenta a possibilidade do direcionamento de verbas públicas, como emendas parlamentares, para os pacientes afetados pelas hérnias, além de permitir maior conscientização da população,” ressalta Gustavo Soares, presidente da SBH.
A respeito das cirurgias de hérnias no sistema público, Gustavo diz que o cenário tem melhorado nos últimos anos, mas ainda é insuficiente para uma situação confortável. “Temos promovido mutirões em parcerias com hospitais, municípios e Estados, como uma forma de tentar enfrentar o problema do tempo de espera. Com essas ações, temos levado tratamento adequado para um grande número de pacientes, com alta tecnologia, além de deixar um legado na região com difusão de conhecimento e técnicas para cirurgiões locais,” finaliza.