SAÚDE

Por que a hérnia na virilha é uma das doenças que mais afastam brasileiros do trabalho?

Em 2024, condição — mais comum em homens — foi responsável por 56.106 concessões de benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença)

 

Reconhecida como a cirurgia de hérnia da parede abdominal mais frequente no Brasil, a inguinal — na região da virilha — figurou nos dois últimos anos no top 15 das doenças que mais afastaram brasileiros do trabalho. Em 2024, o procedimento foi responsável por 56.106 concessões de benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), aparecendo em 13ª colocação no ranking. Já em 2023 ocupou o 12º lugar, com 51.856 requerimentos de licença laboral. Os números foram repassados à reportagem pelo Ministério da Previdência Social.

Ainda conforme a pasta, o total de afastamentos por hérnia inguinal foi em ambos os anos o dobro dos pedidos autorizados para hérnia umbilical, o segundo tipo mais comum da doença — 27.497 e 25.630, na linha decrescente de tempo. Conforme a Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH), a condição que afeta a virilha representa cerca de 75% dos casos patológicos, sendo que 20% dos homens devem apresentá-la ao longo da vida, assim como 3% das mulheres.

Segundo a SBH, a suspensão temporária das atividades laborais pode acontecer em situações consideradas graves. “Hérnias grandes e volumosas, que provocam dor incapacitante em pacientes que trabalham levantando peso, por exemplo, podem ter a indicação de afastamento. Mas a avaliação precisa ser feita de forma individualizada e de acordo com cada caso.”

Os dois tipos de hérnias citados são percebidos no abdômen. Nesta região, ainda podem surgir as hérnias epigástrica e incisional, que quando somadas, afetam entre 20% e 25% dos adultos, o que representa, em média, 28 milhões de brasileiros. “É um problema que impacta um número muito grande de pessoas. A prevalência é muito alta. Para se ter ideia, das 300 milhões de cirurgias realizadas por ano no mundo, 20 milhões são de hérnias,” enfatiza o cirurgião-geral e presidente da SBH, Gustavo Soares.

De acordo com o médico, por se tratar de um deformação na parede abdominal, a hérnia tem dois sintomas característicos: dor local por compressão dessa estrutura que está “herniando”— saindo do lugar certo e indo para o errado — e percepção de caroço ou de um abaulamento nesta região. “Por ser um defeito, o tratamento é sempre cirúrgico para reforço e reconstrução dessa parede.”

A relação com o esforço físico

Durante mais de duas décadas, Paulo Nascimento Gomes, de 37 anos, conviveu com uma hérnia inguinal. Aos 12 anos, o morador de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de BH, sofreu um acidente. Depois disso, ele notou o surgimento de uma espécie de caroço na região da virilha, mas como era pequeno e não o incomodava, o artífice seguiu a vida normalmente. No entanto, com o passar do tempo, o “caroço” foi aumentando de tamanho e começou a doer. “Eu tomava remédio, resolvia na hora, mas depois voltava. Até que um dia a dor foi tão intensa que tive que correr para o hospital. Imediatamente, o médico solicitou um exame complementar, e em seguida, a cirurgia.”

Em janeiro deste ano, Paulo realizou o procedimento para correção da hérnia na Santa Casa BH. Ele foi operado por meio da cirurgia aberta convencional. “Quando acordei, já tinha terminado. Recebi alta 24 horas depois, e já saí caminhando do hospital. Fiquei cerca de 20 dias de repouso absoluto em casa, fazendo apenas movimentos leves e tomando os medicamentos recomendados pelo médico. Quase três meses depois, voltei a trabalhar, porém com algumas restrições temporárias, como a de não carregar peso,” conta.

O paciente relembra que um dos momentos em que a dor mais o incomodava era principalmente quando ficava muito tempo de pé ou pegava peso. “Na época, eu tinha um bar, e por isso precisava carregar fardos de bebidas durante o dia. À noite, quando ia para casa descansar, a região da virilha doía bastante.”

Apesar do que grande parte das pessoas pensam, o presidente da SBH, Gustavo Soares, revela que o esforço físico não é a razão exclusiva da hérnia, mas sim o momento em que se descobre a doença. “A principal causa que a gente acredita hoje é que a condição está muito mais ligada a uma predisposição genética, uma questão hereditária relacionada à conformação anatômica ou ao tipo de colágeno que a pessoa produz. Isso é importante porque muita coisa que mudou no pós-operatório é decorrente dessa compreensão de que o exercício físico não é necessariamente o vilão.”

Complexidade e critérios

O professor adjunto e coordenador da Cirurgia Geral do Hospital Universitário da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Paulo Roberto Lima Carreiro, afirma que cirurgias como a de Paulo são consideradas relativamente simples. “São as que operamos com mais frequência, que requerem internação de no máximo um dia, ou dependendo da estrutura, o paciente pode ter alta na mesma data de entrada no hospital. É um procedimento que chamamos de baixa complexidade, desde que o cirurgião tenha conhecimento e treinamento adequado, e que o paciente tenha uma avaliação clínica pré-operatória bem feita. Já as hérnias incisionais e outros tipos exigem um tratamento mais complicado.”

O cirurgião chama atenção para a importância do critério na indicação do procedimento para não se fazer cirurgias desnecessárias. “Uma grande questão hoje é que alguns pacientes fazem o ultrassom e recebem o laudo de hérnia. Mas aí quando você vai examiná-lo, ele não tem a condição. É preciso muito cuidado, porque o diagnóstico dessa doença, na maioria das vezes, é clínico. Se o especialista não a identifica e a pessoa não tem nenhuma repercussão, então ela não deve ser operada,” salienta.