“Eu mesmo fui chamado para trabalhar em uma mineradora, porque também sou motorista. Se eu quisesse, eu estava trabalhando lá. Eu não quis (a vaga) por causa do artesanato; sempre fui muito focado no artesanato. E aqui é mais tranquilo, porque, quando nós não estamos fabricando, a gente está aqui na estrada atendendo os clientes”. Às margens da BR-367, uma das principais que cortam o Vale do Jequitinhonha, o artesão José Wilson Batista, de 56 anos, trabalha diariamente, há 20 anos, vendendo produtos feitos com barro, água e argila no trecho entre Itinga e Itaobim.
Na loja construída às margens da BR, ele vende pratos, panelas, jarros, copos, itens de decoração e tábuas. Durante a comercialização dos produtos feitos manualmente, José Wilson acompanha a passagem de centenas de veículos por dia, dentre eles caminhões de mineradoras ou de empresas ligadas ao setor que atuam na extração de lítio na região.
“Se eu fosse trabalhar de motorista nessas empresas, eu acho que o salário era até melhor um pouquinho. Me falaram que era um pouco mais de R$ 4.000 e tinha também outras coisas por fora. Mas eu prefiro ganhar um pouquinho menos aqui; de vez em quando fazemos umas feirinhas em outras cidades e dá para ganhar mais um dinheiro também”, detalha ele, morador do distrito de Taubaté, em Itaobim.
O trabalho com as peças de artesanato, além de garantir o sustento, é uma maneira de manter viva a cultura do Jequitinhonha, de acordo com o artesão. “É uma tradição que não acaba. Isso vem do meu bisavô, do meu avô. Meu pai também trabalhava com o artesanato, mas Deus já levou ele, e a gente não quer deixar acabar. Se nós que estamos mais velhos sairmos para trabalhar nas outras áreas, com o tempo vai acabando, porque os mais novos não são muito apegados”, completa.
O artesão relata que, mesmo com o intenso fluxo dos trabalhadores das empresas na região, a movimentação se mantém estável. José Wilson, no entanto, crava que melhorias na BR-367 garantiram um movimento maior de turistas na loja. “Antigamente, a entrada era horrível, buraco em cima de buraco. Os clientes de outras regiões não vinham nem aqui comprar. Aí agora, que surgiu o lítio – não sei se foi por causa disso que arrumaram essa estrada toda –, deu uma melhoradinha. Os turistas, quando estão indo para a praia, param muito aqui nos feriados prolongados, nas férias”, ilustra ele, que se situa em uma das rotas de acesso à Bahia.
O cenário é confirmado por Saliene Pereira Neres, de 47 anos. A mulher também vende produtos às margens da BR-367 entre Itaobim e Itinga. “O movimento aqui é mais nas férias de julho e dezembro, em algum feriado. Nessas datas a gente consegue vender mais”, relata ela. Saliene diz que o avanço da mineração de lítio não ofusca as características do Jequitinhonha no artesanato.
“O nosso trabalho aqui é desde a infância e foi passando de geração em geração. Hoje eu não faço todas as peças, mas faço a maioria. Então, a nossa tradição aqui não se apaga. As pessoas não esquecem, porque nosso trabalho é bem vistoso”, conta Saliene sobre o trabalho com argila feito com quatro irmãos.
Confira o especial completo sobre a exploração do lítio em Minas Gerais
A coordenadora do Polo Jequitinhonha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria das Dores Pimentel Nogueira, ou Marizinha, que atua há três décadas na região, defende que a identidade do Jequitinhonha não pode ser resumida à exploração mineral. “O Vale do Jequitinhonha não é o Vale do Lítio. É o lugar do Brasil com a maior identidade regional da população. Esse sentimento de pertencimento da população é muito bonito. Alguns elementos são importantes para essa definição. Um deles é o rio. Outro é a cultura, com um movimento cultural muito forte. Outro são os saberes ancestrais, que são preservados na região”.
No Mercado Municipal de Araçuaí é possível encontrar diversos produtos cultivados por pequenos produtores da região - Foto: Fred Magno/O Tempo
No Mercado Municipal de Araçuaí, produtos cultivados na zona rural da cidade seguem com demanda pela população local. O agricultor Valmir Macedo, de 58 anos, vende pimenta, rapadura, mel, cocada, pé de moleque, doces de mamão e de amendoim, além de farinha de mandioca.
Com uma banca no centro de compras há 14 anos, ele afirma que a movimentação já foi melhor. “Do tempo todo que eu estou aqui, no início era muito bom, tinha muitas vendas. Agora caiu muito o movimento, e temos muito pouco incentivo”, lamenta. Segundo ele, o crescimento da mineração na região não pode colocar as outras atividades econômicas de lado.
“Tem que ter uma mudança para o bem, né? Para ver se melhora o movimento do mercado. E não chegar aqui só para explorar, aí é ruim”, completa. Questionado, o prefeito de Araçuaí, Tadeu Barbosa de Oliveira (PSD), garante que a administração municipal tem trabalhado para diversificar a economia da cidade e não depender exclusivamente de recursos da mineração.
Oliveira frisa que, historicamente, o comércio e a agropecuária são os motores econômicos do município. “Mas hoje também temos um destaque na parte de fruticultura, principalmente na de bananicultura. Nós já temos uma grande quantidade de hectares cultivados com bananas de qualidade e estamos iniciando agora a parte até de exportação. Então o nosso caminho, ele tem essa diversificação, né? Logicamente, não se compara à questão da proposta do que é a mineração para o município”, argumenta.