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Avanço da mineração de lítio no Jequitinhonha aumenta demanda hospitalar em 30%

Araçuaí, cidade referência na região e onde estão instaladas as principais mineradoras, tem apenas um hospital para atender sete municípios

 
Por Gabriel Rodrigues, Nubya Oliveira e Simon Nascimento
Publicado em 23 de junho de 2025 | 07:47

Apesar das cifras bilionárias aportadas pelas empresas em reservas de lítio, a população do Vale do Jequitinhonha ainda não recebe, na prática, uma melhor infraestrutura nos serviços públicos. Em Araçuaí, cidade-polo na região, o Hospital São Vicente de Paulo atende a população araçuaiense e moradores de outros seis municípios: Coronel Murta, Virgem da Lapa, Itinga, Berilo, Jenipapo de Minas e Francisco Badaró. Ao todo, a demanda supera 125 mil pessoas, para uma oferta de 83 leitos, entre clínicos, cirúrgicos de média complexidade, obstetrícia, ginecologia e pediatria. Há uma ala de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em fase final de construção e regularização. Até que isso seja feito, pacientes em quadro grave são encaminhados para Diamantina, em um trajeto que, de ambulância, supera três horas.

Marcos Antônio Costa, presidente da associação filantrópica que preside o hospital, contabiliza que, com o avanço da atividade de mineração na região, a demanda por atendimentos subiu 30% desde 2019. A projeção é que cerca de 2.000 pessoas tenham chegado à região nos últimos anos, pressionando ainda mais a demanda por atendimentos no pronto-socorro, no setor de internações e na procura por consultas. “Se você passar aqui na segunda-feira, tem mais de 50 pessoas esperando consulta para pegar atestado, com alguma coriza, febre, mal-estar”, diz o diretor.

Apesar da demanda extra, ele relata que a unidade não conta com o apoio de todas as mineradoras. “A única empresa que é nossa parceira é a CBL, que tem um convênio com o hospital desde 2006 e que hoje aporta R$ 63,5 mil mensalmente. A Sigma fez uma doação esporádica, de aproximadamente R$ 100 mil, no final de 2023, depois de muita luta, mas só isso”, disse Costa. O gestor afirma que tenta a construção de um convênio com a empresa, mas que nunca houve um retorno. 

“E no decorrer da situação você vai ficando triste. Porque, de tudo falado, nada é cumprido, entende? Você vê a operação deles, a empresa exportando carretas e carretas de minério, e o hospital só com a demanda aumentando e sem uma contrapartida. Só que o hospital é o mais importante para eles, porque, se acontecer algum acidente lá, a porta de entrada é aqui. Se o paciente não se estabilizar aqui, ele não pega um avião para ir para os grandes centros, não. Temos que cuidar onde podemos salvar a vida deles, porque, se tiver um acidente de uma circunstância maior, com 20 ou 30 feridos gravemente, não tem como atender aqui. Não temos operação para isso, não”, lamenta.

Confira o especial completo sobre a exploração do lítio em Minas Gerais 

Prefeito de Araçuai afirma que modelo de gestão do hospital da cidade é insuficiente - Foto: Fred Magno / O TEMPO 

O hospital opera com recursos da União e do Estado, que repassam R$ 500 mil mensalmente. A Prefeitura de Araçuaí deveria injetar o mesmo valor, mas repassa cerca de R$ 120 mil por mês, sendo R$ 63,5 mil em dinheiro e o restante na cessão de dois médicos. Para fechar a conta, a gestão recorre a emendas parlamentares. Questionado, o prefeito de Araçuaí, Tadeu Barbosa de Oliveira (PSD), argumenta que a estrutura hospitalar da cidade é deficiente há “muitos anos”. 

“Posso falar isso com toda a certeza, porque fui diretor do hospital durante cinco anos. Eu conheço as mazelas, as dificuldades e o potencial do hospital. Nós temos, sim, um gargalo muito grande”, assume o chefe do Executivo municipal. Segundo ele, a saída para enfrentar os problemas passa pela construção de uma nova unidade. “É uma associação, e eu não vejo, sinceramente, a condição de que isso prospere como associação. Eu acho que o que a gente deve caminhar é para que o Estado crie aqui, em Araçuaí, um hospital regionalizado. Porque Araçuaí está a 300 km de raio de atendimento. Nós estamos a 300 km de Diamantina, 300 km de Montes Claros e 240 km de Teófilo Otoni. Então, é uma área de vazio assistencial muito grande”, comenta o prefeito.

Sem ampliação, tempo de espera aumenta 

Com a sobrecarga histórica e recursos insuficientes para ampliar o atendimento no hospital, a população de Araçuaí e dos municípios vizinhos enfrenta uma via-sacra para conseguir atendimento, sobretudo devido ao avanço da mineração de lítio na região. A funcionária pública Vilmandes Miranda, 36, moradora de Coronel Murta, precisou buscar atendimento para o filho Luiz Gustavo, 2, no dia 6 de maio, no São Vicente de Paulo. O pequeno precisava realizar um raio-x em função de um quadro de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). “A previsão é ir embora só no final do dia”, disse ela, enquanto aguardava o atendimento médico por volta das 10h. 


Moradora de Coronel Murta, Vilamandes precisa viajar por quase uma hora para chegar ao hospital em Araçuaí - Foto: Fred Magno/ O TEMPO

“Eu sinto que faltam mais investimentos para a saúde. O dinheiro que é retirado daqui em forma de minério não retorna”, reclama ela, mãe de outros filhos – uma criança e um adolescente. Na mesma situação, o trabalhador rural Rogério Ramos Dias, 49, reclama da estrutura de saúde. Naquele dia, ele chegou ao hospital por volta das 6h, queixando-se de uma dor intensa no ouvido, mas durante toda a manhã não teve previsão de ser atendido por um médico.

“É complicado para atender a gente. Quando não é uma emergência, mandam a gente ir no posto de saúde. Mas eu vim aqui porque estou precisando mesmo”, diz o homem, que mora em Araçuaí desde a infância. Para ele, a piora no serviço é notória desde a instalação das empresas. “Ô moço! Eu penso assim: eles precisavam dar uma melhorada no hospital. O atendimento está muito precário. O hospital está precisando mesmo de uma ajuda, porque não está dando conta, e o prefeito também não faz nada”, completa.

Rogério reclama da estrutura atual e lamenta que investimentos não cheguem à saúde pública - Foto: Fred Magno / O TEMPO

A reportagem questionou o governo de Minas sobre as queixas da população e a possibilidade de construção de um hospital Regional em Araçuaí. Em nota, o Executivo afirmou que direciona recursos para aprimorar o atendimento médico na região. “Apenas no ano passado, foram repassados R$ 1.522.660,00 em recursos estaduais ao Hospital São Vicente de Paulo, destinados à aquisição de equipamentos e camas hospitalares, por meio de indicações legislativas e impositivas”, diz o governo. 

Conforme o Palácio Tiradentes, Araçuaí também conta, desde 2021, com um Centro Estadual de Atenção Especializada (CEAE). A iniciativa atende aos municípios de Berilo, Jenipapo de Minas, Virgem da Lapa, Coronel Murta, Araçuaí e Francisco Badaró. “O centro oferece atendimento nas linhas de cuidado Materno-Infantil, Hipertensão e Diabetes, com incentivo anual estadual de R$ 1.419.134,35”, completa.