“Eu acredito em no mínimo mais 20, 30 anos de uma demanda muito aquecida no setor. Muitas pessoas, inclusive, que precisaram sair da região para estudar ou trabalhar estão retornando para o Vale (do Jequitinhonha)”. O cenário descrito pelo supervisor de produção de subsolo da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), Alysson Oliveira Almeida, reflete o horizonte de oportunidades de emprego no Vale do Jequitinhonha, com o avanço na instalação de empresas voltadas à mineração de lítio, mas que ainda encontram dificuldades na contratação de mão de obra, sobretudo qualificada.
A previsão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Sede-MG) é que 14 mil postos de trabalho, diretos e indiretos, sejam criados com os empreendimentos já instalados e com os que ainda iniciarão operações no Vale do Jequitinhonha. Estima-se que, até 2029, conforme mostrou O TEMPO, mais de R$ 5 bilhões sejam aportados na região.
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) aponta que, ao final de 2024, os dois principais municípios do Jequitinhonha na mineração de lítio – Araçuaí e Itinga – tinham 1.168 empregos diretos do setor. O dado foi extraído do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Prestes a completar 30 anos na CBL, entre idas e vindas, Alysson, que nasceu na região, deixou o Vale para buscar oportunidades e qualificação em outras cidades e Estados, chegando a trabalhar no Paraná e em Goiás.
O supervisor retornou a Araçuaí em 2023, quando foi novamente contratado pela CBL, e afirma ter encontrado um cenário diferente de quando decidiu deixar o Jequitinhonha, dez anos antes. Agora, Almeida relata que, para quem mora na região, a mineração tem se consolidado como um mercado atrativo, pois oferece salários que chegam a R$ 3.000 em cargos iniciais e que não demandam especialização.
“E, ainda assim, nós temos uma dificuldade grande com contratações. No caso da mão de obra já disponível, nosso desafio é ter um desenvolvimento contínuo para reter essas pessoas aqui”, destaca o supervisor da CBL. O cenário de dificuldades para recrutar funcionários também é sentido por quem busca prestadores de serviços ou colaboradores em outras áreas.
O bispo da diocese de Araçuaí, dom Geraldo dos Reis Maia, diz que tem acompanhado a empregabilidade na região como um fator positivo da expansão minerária no Vale. “A oferta de trabalho é um elemento incontestável, é uma excelência da atividade aqui. Mas, se você precisa de um pedreiro, um eletricista, um serralheiro para prestar um serviço, é quase impossível encontrar”, assinala o religioso.
Confira o especial completo sobre a exploração do lítio em Minas Gerais Dom Geraldo acredita que a mineração traz benefícios à empregabilidade na região, mas cita dificuldades para outras áreas - Foto: Fred Magno / O TEMPO
O prefeito de Itinga, cidade vizinha de Araçuaí, constata que, com a instalação da Sigma, em 2022, houve aumento na geração de emprego com aproveitamento de mão de obra local. No entanto, ele avalia que a rápida “importação” de trabalhadores de outras cidades também gera desafios: “Vêm pessoas de fora, o preço dos aluguéis aumenta. A utilização dos espaços públicos também tem aumentado, sobretudo na saúde, que acaba sobrecarregada”.
A grande oferta de vagas para os moradores do Vale do Jequitinhonha, no entanto, não impede queixas sobre salários e qualidade dos postos de trabalho. Uma comerciante de Araçuaí, que pediu anonimato em função de o marido trabalhar para o setor extrativista, reclama das condições oferecidas. “Meu marido trabalhou em uma das mineradoras, ganhava em torno de R$ 1.800, menos do que ele recebia quando trabalhou em um bananal aqui na zona rural. Fora que ele não tinha uma rotina de atividades, só servia para quebrar galhos”, disse.
Ela conta que o companheiro pediu demissão e acabou contratado na empresa atual, onde o salário é melhor. “Mas não tem muitos benefícios. O que tem é o plano de saúde, só que a gente quase não consegue ser atendido no hospital aqui”, completa ela.
O diretor geral do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG) Campus Araçuaí, Irã Pinheiro, confirma a necessidade de qualificação de mão de obra na região. Segundo ele, a instituição tem investido em cursos que facilitem a entrada da população no mercado não só da mineração, mas de outras atividades com potencial na região, como a agricultura.
Irã Pinheiro cita que o preço de moradias na região impacta a formação de mão de obra - Foto: Fred Magno / O TEMPO
No campus, são oferecidos cursos técnicos na área de informática, superiores na área de análise e desenvolvimento de sistemas e administração, além de formação técnica em mineração – uma das mais procuradas. “Com a expansão da mineração, é claro que o campus, como instituição de ciência e pública, tem buscado dialogar com os diferentes entes envolvidos nessa questão econômica para compreender as demandas de formação profissional. Então, por exemplo, o curso técnico em mineração foi implementado aqui em 2020 e tivemos a primeira turma em 2022. Nós já temos o curso de agrimensura, que também é um pouco voltado a essa parte estruturante. Temos tido essa preocupação em formar pessoal”, cita Pinheiro.
O instituto também tem apostado em projetos de pesquisa com as empresas. As oportunidades miram profissionais que já atuam nas empresas e que não tiveram a oportunidade de completar o ensino fundamental, por exemplo. O docente, entretanto, lembra que o acesso à qualificação, em alguns casos, pode ser comprometido. O campus ainda não conta com um refeitório universitário.
A construção deve ser iniciada após a liberação de recursos na ordem de R$ 1,2 milhão, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no ano passado. “Tem o transporte aqui em Araçuaí, por exemplo. O aluno de determinado bairro gastará R$ 4 na corrida. Então, o aluno integrado que estuda de manhã e de tarde, se quiser ir em casa almoçar, gastaria R$ 16 por dia. Dada a condição socioeconômica da nossa região, isso é inviável”, frisa.
Outra carência é a ausência de moradia estudantil no campus. “Muitos dos trabalhadores que atuam aqui no campus são de cidades próximas e moram de aluguel. Se antes eles pagavam R$ 900 de aluguel, hoje pagam R$ 2.000, R$ 3.000. Então, até na perspectiva de fixação do servidor, tem sido uma dor de cabeça para nós. Para o estudante que é de fora, de Itinga ou de comunidades tradicionais, tem sido uma dor de cabeça também”, ilustra.
Diante do cenário, Pinheiro acredita que as empresas da região deveriam ter mais envolvimento com a instituição, bem como as prefeituras. “O que eu vejo é que esses empreendimentos têm que buscar formas de otimizar a qualificação da região. Porque eu vejo que isso é o maior legado que eles poderiam deixar. O empreendimento está aqui hoje, mas daqui a 20, 30 anos pode ser que não esteja mais. Eu vejo que políticas estruturantes assim, a partir desses empreendimentos, deveriam acontecer. E temos buscado dialogar com os prefeitos e cobrado também de alguns representantes dessas empresas para que haja algum legado nesse aspecto”, ratifica o diretor.
Em paralelo às atividades de capacitação do instituto federal, o Sistema S também atua na região, em parceria com as empresas. O gerente de educação e tecnologia industrial do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Ricardo Aloysio e Silva, cita que há cursos de qualificação profissional que preparam não só para atuar diretamente na mineração, mas também em setores como construção civil, que serão demandados com a instalação de novas empresas na região.
Também há uma parceria com a Prefeitura de Araçuaí e o governo do Estado para oferecer cursos dentro das mineradoras que operam na cidade atualmente – CBL e Sigma. “Para o ano que vem, a gente vai intensificar a nossa atuação, também com parceiros locais.
A gente pretende, além desses cursos de formação básica de qualificação, lançar cursos técnicos em manutenção de máquinas pesadas, soldagem, mecânica, eletromecânica e também edificações”, cita o gerente do Senai.
Ricardo confirma o cenário de carência de mão de obra na região para a atividade industrial. “Operador de processo produtivo, manutenção elétrica, manutenção mecânica, além de soldagem, são atividades com mão de obra da área industrial em que realmente há essa carência. Junto com as empresas, temos uma formação de operador de mina também que, no ano que vem, começamos a ofertar para a comunidade”, acrescenta.
Desde 2020, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede) realiza um mapeamento de qualificação profissional para identificar as necessidades reais de especialização da mão de obra nos setores produtivos do Jequitinhonha. A pasta salienta que coletou informações das empresas mineradoras para mapear demandas de mão de obra e ajustar a oferta de cursos técnicos e profissionalizantes.
Conforme a secretaria, o programa Trilhas do Futuro, voltado à formação profissional, conta com mais de 3.000 estudantes matriculados em cursos, e cerca de 700 jovens já concluíram a formação. A oferta de vagas passou de 935 para 3.586, garante o governo. “Atualmente, são 14 opções ofertadas por instituições localizadas no Vale. Entre os cursos disponíveis estão mineração, administração, planejamento e controle da produção, segurança do trabalho, entre outros”, detalha.
Há ainda a previsão de abertura de 120 vagas em cursos de soldagem e manutenção industrial em parceria com o Senai. “A Sede também prevê para 2025 a realização de um novo mapeamento das necessidades de qualificação na região. O objetivo é identificar demandas não apenas na cadeia do lítio, mas também em outros setores estratégicos”, assegura a pasta.