Outro ponto de preocupação de ambientalistas e população local no Vale do Jequitinhonha, é o Projeto de Lei Municipal 2/2025, da Prefeitura de Araçuaí. Em 7 de fevereiro deste ano, o Executivo encaminhou à Câmara Municipal da cidade uma proposta para reduzir em 6.050 hectares o tamanho da Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, localizada no município. A medida prevê a redução de 24,4% da área total da APA, que possui 24,18 mil hectares e é considerada essencial para o equilíbrio ecológico, uma vez que abriga 139 nascentes, que alimentam os rios Jequitinhonha e Araçuaí, além de hospedar rica fauna e flora. No entanto, em abril, a Justiça em primeira instância acatou Ação Civil Pública (ACP) requerida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e concedeu liminar que suspende a tramitação do PL.
Ainda assim, o texto foi aprovado em primeiro turno em 6 de maio. Desde que a proposta foi protocolada pela prefeitura, o tema foi discutido em algumas audiências na Câmara Municipal. Dom Geraldo dos Reis Maia, bispo da Diocese de Araçuaí, participa ativamente desses debates. “Estamos muito preocupados com essa possibilidade de redução da APA, porque é uma área bastante relevante, de grande biodiversidade, fazendo a transição do bioma Cerrado para a Caatinga, e temos ali comunidades tradicionais. Nossa apreensão aumenta porque sabemos por fontes seguras que a intenção do município é justamente entregar parte dessa área para a atividade minerária. E essa preocupação não é somente da Igreja. Várias entidades também estão procurando caminhos de resistência à mineração de lítio, que pode trazer ainda mais prejuízos para a região”, aponta.
Confira o especial completo sobre a exploração do lítio em Minas Gerais Da entrada da Catedral de São José, em Araçuaí, dom Geraldo visualiza a APA Chapada do Lagoão - Foto: Fred Magno/ O Tempo
Cleonice Pankararu também destaca o temor do seu povo quanto à redução da APA. “Lá é onde fazemos a coleta das plantas medicinais. Tem quilombolas habitando nessa área, que as empresas estão querendo destruir. Vão prejudicar também a nossa vegetação e nossos animais. Inclusive, registramos recentemente a morte de uma jaguatirica, que é uma espécie de onça em extinção. Estamos vendo muitos veados-mateiros na cidade, porque estão perdendo seus habitats naturais. De forma geral, ainda tem os impactos na saúde. A poeira provocada pelas explosões de dinamite está aumentando as doenças respiratórias. As mineradoras falam que estão a mais de 10 km e que esse impacto não chega às pessoas, mas chega, sim”, salienta a líder indígena.
O vice-presidente da Comunidade Quilombola São Benedito do Girau, José Claudinei Gomes, pede mais transparência da prefeitura não só sobre o projeto de redução da área da APA, mas sobre a possível instalação de mineradoras na região. Um dos principais temores é com possíveis impactos às nascentes da Chapada do Lagoão. “O consumo de água tende a aumentar muito, e isso nos preocupa principalmente se tivermos um período de escassez hídrica”, lamenta. O temor se justifica pelo agravamento da questão climática na cidade. José Claudinei vive com a família no Lagoão e teme uma sobrecarga por água na região - Foto: Fred Magno/ O Tempo
Em novembro de 2023, Araçuaí bateu o recorde de 44,8°C, a maior temperatura já registrada oficialmente no Brasil pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Questionado sobre a pressão hídrica, o prefeito da cidade, Tadeu Barbosa de Oliveira (PSD), rebate o argumento das comunidades tradicionais de que a região é a “caixa-d’água do município”.
“Um local que é chamado de caixa-d’água de Araçuaí, onde eu tenho que gastar recurso público para levar água de caminhão-pipa, porque não tem (água). Seria instalada uma escola agrícola que não foi instalada por falta d’água. Como é que se trata isso como caixa-d’água? Não estou minimizando a importância que lá tem na condição ambiental de Araçuaí. Não estou minimizando, não estou desfazendo da APA, mas vamos falar a verdade. Vamos tratar coisas sérias de forma séria, de forma responsável, parar com essa questão ideológica”, disse.
Casal Pacífico e Simar, e a neta Rafaela, comandam uma mercearia, que também funciona como bar, no interior da Chapada do Lagoão - Foto: Fred Magno/ O Tempo
No interior da Área de Proteção Ambiental (APA), quem mora ali desde o nascimento teme pelo futuro. O casal Simar Gonçalves, 58, e Pacífico Luiz de Sá, 63, têm uma mercearia em um dos principais pontos da Chapada, vizinha à escola que atende a comunidade. Casados há 40 anos, eles vivem aos fundos da loja com os cinco netos e os filhos. “Eu estou muito assustada, meu medo é que isso venha a acontecer”, disse Simar ao lado da neta Rafaela, 5, sobre a possível instalação de mineradoras na região.
A casa e a mercearia da família estão localizadas a quatro quilômetros da área em que a Atlas Lithium pretende se instalar. “Eles nunca sentaram com ninguém aqui. Se a gente precisar sair da terra em que nasceu e viveu, a gente até morre de tristeza”, completa Simar. “Não dá para falar que não dá medo”, disse Pacífico, enquanto conversava com a reportagem debruçado sobre um balcão simples, de madeira, por onde atende seus clientes. Sinalização da Atlas é visível a quem passa pela APA Chapada do Lagoão - Foto: Fred Magno/ O Tempo
A Atlas, que pretende operar na APA Chapada do Lagoão, afirma que as atividades vão ocupar apenas 0,08% da borda da área atual. “Os estudos técnicos não registraram nem identificaram a existência de nascentes na área do empreendimento. Não haverá qualquer interferência em nascentes, que inclusive possuem proteção específica em legislação federal (Código Florestal)”, disse o conselheiro da empresa, Rodrigo Menck.