Antônio Guerra, 80 anos, e Emílio Guerra, de 52 anos, acompanham de perto os pedidos que chegam de todo o Brasil pelo site e redes sociais da Skyler, loja de roupas masculinas fundada por pai e filho em 1997. Quase três décadas depois, pelo menos 10% de todo o faturamento da marca vem das compras on-line, realidade distante daquela vivida nos anos 90, em que um dos principais investimentos tecnológicos para manter a comunicação da empresa foi um aparelho de fax, “era assim que os pedidos eram enviados para as fábricas na época”, recorda Emílio.
Os empresários, assim como vários outros em todo o país, viram o negócio familiar se transformar com a evolução da tecnologia e o avanço da internet. Em um cenário onde o e-commerce ainda é um desafio para pessoas acima dos 50 anos, a dupla de empreendedores é mais um exemplo de que idade não é uma barreira para inovação, e que vender on-line pode ser, também, uma questão de confiança entre gerações.
“Fomos um dos primeiros no Ceará a usar celulares, ainda na década de 90, com aqueles primeiros números que começavam com 9981 e 9982. Então essa mentalidade de acompanhar a evolução já estava presente, mesmo antes da internet se popularizar. Acredito que essa visão ajudou bastante a conduzir a Skyler nesse processo de adaptação. Hoje, inclusive, temos um departamento próprio de desenvolvimento de ferramentas tecnológicas, que apoia diversas demandas do nosso negócio”, explica Emílio Dantas.
Uma pesquisa feita pelo Neotrus, fonte de dados e inteligência sobre o e-commerce brasileiro, aponta que as categorias que lideram os pedidos no e-commerce entre o público com mais de 50 anos estão relacionadas à Moda e a Beleza.
Emílio se orgulha ao afirmar que a decisão de investir no e-commerce e na tecnologia não foi apenas sua, mas também do pai, que já era idoso quando as compras pela internet se popularizaram no país. “Meu pai, o ‘seu’ Guerra, mesmo com mais de 80 anos, sempre se mostrou muito aberto a aprender e se atualizar. Ele foi um exemplo nesse sentido. A tecnologia deixou de ser opcional e passou a ser estratégica para nossa atuação, e ambos entendemos isso”.
Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o e-commerce brasileiro arrecadou R$204,3 bilhões em 2024. O número 10,5% maior que o ano anterior, reforça a fala de Emílio ao dizer que a tecnologia deixou de ser opcional para empreendedores. Entretanto, enxergar o e-commerce como aliado e não com uma barreira é um dos principais desafios para os idosos empreendedores, que também representam um número crescente no país.
“Tem uma movimentação significativa do empreendedorismo depois de 50, 60 anos. Inclusive, uma pesquisa do Sebrae mostra que donos de pequenos negócios com 60 anos cresceram 53% entre 2012 e 2024. E isso é reflexo de vários fatores. A vontade de continuar ativos, dificuldade de se realocar no mercado profissional, ou necessidade de complementar renda”, explica a Analista do Sebrae Carla Gobb.
Para a especialista, empreendedores nessa faixa etária devem encarar a tecnologia como um desafio a ser superado e buscar conhecimento. “Eles (os empreendedores idosos) não são nativos digitais, então muitas plataformas, muito do que é utilizado hoje não faz parte da rotina deles de trabalho, do dia a dia, então eles precisam aprender. É um desafio que pode ser sanado com capacitação, com estudo. A tecnologia potencializa vendas e não é um bicho de sete cabeças. Eles conseguem aprender e colocar isso em prática e podem fazer aos poucos”, afirma Carla.
Do outro lado da moeda, os idosos também representam uma fatia considerável entre os consumidores que compram pela internet. O último levantamento da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em parceria com a AGP pesquisas, apontou que os hábitos de consumo do público 60 + mudaram e modernizaram.
Antônio Guerra, o empresário de 80 anos citado no início da reportagem, é exemplo de idoso que se mantém conectado: “O seu Guerra, mesmo aos 80 anos, é extremamente conectado, no tempo e no jeito dele. Ele usa a internet para fazer pesquisas, buscar fornecedores, encontrar médicos, fazer compras on-line, assina revistas digitais, acompanha portais de notícias e tem total autonomia para decidir o que quer consumir. Claro, ele optou por não usar redes sociais como Instagram e Facebook, o que é uma escolha consciente, mas está longe de ser alguém "desconectado", afirma Emílio Guerra, o filho do empresário.
Para as grandes marcas e empresas, o desafio é entender que esse consumidor sênior precisa ser cativado por uma comunicação acessível e que permita uma boa experiência de compra.
“O mercado vem a cada dia aumentando sua consciência desse segmento, mas essa cultura ainda é muito assimétrica. Há várias causas possíveis para isso: falta de compreensão da nova demografia do Brasil, o mito da “juventude” na publicidade, de que inserir pessoas idosas pode “envelhecer” os atributos da marca. A primeira barreira é o desconhecimento da importância desse segmento”, avalia Alexandre Correa, fundador do portal Revolução Prateada, autor do livro “Longevidade Inteligente – como se preparar para uma vida de 100 anos”.