É a água que falta na torneira de casa quando chega o período da seca. É a preocupação com a inundação quando chove mais do que o esperado. Normalmente, é por meio da água que os efeitos da mudança climática batem à porta da população. Mesmo no centro de problemas ambientais, ela ainda não tem o protagonismo que merece nas grandes conferências globais sobre o clima. Inclusive, especialistas advertem que nem na COP30, que será sediada no Brasil, em Belém do Pará, em novembro deste ano, o recurso estará no centro dos debates.
“A água doce é como o ‘patinho feio’ da história. Ela nunca chegou a entrar nas decisões finais de uma COP. Quando muito, entra na carta de abertura”, lamenta a diretora para políticas públicas e relações governamentais na The Nature Conservancy Brasil (TNC), Karen Oliveira.
Apesar do impacto na vida da população, existe uma justificativa para a água doce ficar em segundo plano. Normalmente, as conferências sobre clima focam discussões sobre a redução da emissão de gases de efeito estufa, para encontrar soluções que barrem o aquecimento do planeta. “A água doce não provoca o aumento da temperatura, mas esse aumento leva a gravíssimos problemas no ciclo da água”, explica a diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.
Quando o assunto é água, quem ganha os holofotes são os oceanos, que desempenham um papel essencial na redução da temperatura do planeta. Isso acontece porque os organismos que vivem no mar, como os corais, fazem uma espécie de fotossíntese, absorvendo os gases, alimentando-se deles e liberando oxigênio.
Mas, além dos oceanos, as florestas também são parte importante do objetivo de barrar o aquecimento do planeta. É neste ponto que, na visão de Karen Oliveira, o espaço que a água doce tem nas COPs do clima precisa aumentar, porque a água e as florestas dependem uma da outra para existir. “Se não tem água, não tem floresta. E sem floresta também não tem água. É só observar que, quando as áreas são muito desmatadas, a primeira coisa que elas perdem são as nascentes”, esclarece.
A necessidade deste debate surge também pela urgência de proteger a vida que existe nas águas. “De todos ecossistemas, o que tem sofrido maior ameaça é o de água doce, talvez pela menor capacidade de resiliência, onde já perdemos mais de 84% dos habitats de espécies, porque mais de um terço das bacias hidrográficas estão sofrendo com escassez, e o risco hídrico está aumentando”, explica o gerente nacional de água da TNC, Samuel Barrêto. Os dados citados são do Índice Planeta Vivo (LPI) e consideram o período de 1970 a 2016. “Este tema ainda não tem a devida proporcionalidade com que deveria ser tratado no ambiente de COP”, reforça Barrêto.
Essa análise é unânime. De acordo com o superintendente adjunto de Planos, Programas e Projetos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Henrique Veiga, existe um consenso entre a comunidade internacional de recursos hídricos de que o tema da água doce ainda é sub-representado nas discussões dos fóruns climáticos. “A gente costuma dizer que a água está para adaptação assim como o carbono está para mitigação, que é reduzir ou frear o aumento da temperatura”, afirma Henrique. “A partir do Acordo de Paris, acho que ela recebeu mais atenção, e há declarações explícitas de que a adaptação precisa vir junto com a mitigação. Mas, dentro da agenda de adaptação, ainda falta destacar o papel da água nesse processo”, completa.
A “adaptação” citada por Veiga pode ser o termo que vai pautar a COP deste ano. Pelo menos essa é a esperança de especialistas como Karen Oliveira, da TNC Brasil. Na perspectiva dela, apesar dos esforços para barrar os efeitos das mudanças climáticas, os impactos negativos têm sido mais rápidos do que a ação humana. “Nós precisamos de água para todos os nossos processos de vida e econômicos, por isso precisamos manter essa segurança hídrica, que está diretamente associada ao tema da adaptação”, finaliza.
A Conferência das Partes (COP) é a reunião anual dos países que assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima(UNFCCC), para debater e negociar soluções para enfrentar as alterações climáticas.