Floricena Estevam, de 48 anos, lembra com carinho de como foi a sua infância crescendo pertinho de uma nascente. “Quem está aqui há quase 50 anos, como eu, teve o privilégio de vivenciar essas águas todas disponíveis e limpas”. O lugar que hoje faz parte da memória dela não está nem perto de como era no passado. Localizada na região Centro-Sul da cidade, a nascente está com um índice de qualidade abaixo do esperado. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), essa é a situação de 76,5% dos corpos hídricos da cidade. Com o desafio de melhorar não só a qualidade, mas também a quantidade das águas, a PBH lançou o programa Renascente, que foca a plantação de mudas ao redor das nascentes.
O território belo-horizontino contabiliza 2.240 registros de nascentes, brejos, cursos d’água e represas. Desse total, 1.715 locais estão classificados como abaixo do esperado, 236 como bons e 289 como ótimo. Os dados são do Índice de Qualidade das Nascentes (IQNas), programa da PBH que analisa e classifica a qualidade dos corpos hídricos do município.
A métrica também avalia o aspecto visual do lugar. Dos 1.715 que estão abaixo do esperado, 88 foram classificados como poluídos. Um deles é a nascente que Floricena guarda na memória. “Era nessa água que a gente tomava banho, lavava roupa, buscava para levar para casa e fazer comida. Mas hoje a gente nem consegue utilizar”, afirma Floricena.
E não é apenas na lembrança dos moradores que essas nascentes ocupam um lugar importante. Elas também tem posição relevante ao garantir o abastecimento hídrico da cidade. “A água não nasce sozinha, ela depende da proteção dos ecossistemas. Se ela não nasce sozinha, a gente tem que cuidar dela, senão ela morre”, explica a engenheira e consultora ambiental Gloria Pinheiro.
Foi pensando tanto no abastecimento de hoje quanto em garantir água para o futuro que nasceu o programa Renascente, que busca recuperar os cursos hídricos da capital. O plano é recuperar a cobertura vegetal e evitar que a terra seja levada pela chuva, sujando a água ou até mesmo tampando a nascente. “Não dá para falar de mudança climática sem falar de plantio, sem falar da preservação das nascentes, porque são elas que vão alimentar as bacias que abastecem a cidade”, indica o subsecretário municipal de Meio Ambiente, Dimi Chaves.
O projeto começou oficialmente em 2025, mas o primeiro plantio foi feito em 2023, no bairro Trevo, região da Pampulha. Para recuperar a área degradada, 280 mudas foram plantadas. Ao todo, sete locais da cidade já tiveram ações do programa. O último aconteceu em março deste ano, no Jardim Vitória, e contou com a participação das crianças da Escola Municipal Honorina Rabelo. “Para falar de preservação, recuperação ou manejo, é preciso incluir a educação ambiental”, destaca Chaves. A meta da secretaria é terminar 2025 com 20 ações de plantio realizadas, aumentando a quantidade ano após ano.
Na avaliação de Glória Pinheiro, o resultado só vem a longo prazo, mas essa é uma ação que precisa ser feita hoje para garantir a segurança hídrica da população de Belo Horizonte. “Quando eu abro a minha torneira e tenho água, o problema está resolvido hoje, dentro da minha casa. Mas, se eu não cuidar e fazer esse plantio de água, um dia vou abrir a torneira e não vou ter água”, pondera a consultora ambiental.