‘PRA PRODUZIR SUSTENTÁVEL’

Ivalci Vieira: “Conhecimento muda a forma de plantar, de cuidar da água”

Programa do IEF oferece apoio na regularização ambiental e capacitação para o produtor rural

 

A vida de Ivalci Vieira de Souza, de 47 anos, sempre esteve ligada à terra. Filha e neta de agricultores, cresceu na comunidade quilombola de Santa Cruz, em Ouro Verde de Minas, no Vale do Mucuri. Desde criança, acompanhou o trabalho árduo da família na lavoura e seguiu a tradição do plantio. Sem oportunidade de estudar, repetia as práticas que via em casa e entre vizinhos: derrubava árvores para abrir espaço, limpava as margens dos rios, queimava o mato para “preparar” o solo. “A gente achava que era o certo”, lembra Ivalci.

Mas o tempo mostrou que não era. A natureza começou a dar sinais de esgotamento. “Vi rios da minha infância secarem e nascentes desaparecerem. A água foi ficando cada vez mais rara”, conta a agricultora, hoje casada e mãe de dois filhos. Sem água, não há plantio, e a roça, antes acostumada à fartura, passou a conviver com a escassez. “Chegamos a ouvir de gente de outras regiões: ‘O que vamos fazer? A água já está faltando lá embaixo’. E realmente estava”, relata.

A experiência de Ivalci reflete um cenário muito maior. Em Minas Gerais, de 1,1 milhão de imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), 93% são pequenas propriedades, como a dela. Os dados são do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Isso significa que o futuro da agricultura no estado e a capacidade de enfrentar os efeitos da crise climática estão nas mãos dos agricultores familiares. “Apoiar esses produtores é fundamental para que a conservação e a produção caminhem juntas”, afirma Marina Fernandes Dias, diretora de Conservação e Restauração de Ecossistemas do IEF.

Segundo ela, a barreira mais difícil de romper não é a técnica, mas a cultural. “Ainda existe a visão de que área com floresta é área perdida, improdutiva. Precisamos mudar isso. As florestas são essenciais para garantir a produtividade agrícola no longo prazo. Elas preservam o solo, a biodiversidade, mas, principalmente, a água”, explica.

Depois que Ivalci passou a integrar o Pra Produzir Sustentável, do IEF, mudou a forma de trabalhar a terra. Foto: Flávio Tavares/O Tempo

Conhecimento que transforma

Foi a mudança dessa percepção que transformou a vida de Ivalci. Em 2021, sua propriedade passou a integrar o projeto Pra Produzir Sustentável, do IEF, que alia regularização ambiental a apoio e capacitação para o produtor rural. Sem saber ler nem escrever, ela encontrou no conhecimento técnico não apenas uma nova forma de plantar, mas também um novo sentido para o trabalho na roça.

“A gente passou a entender como cuidar da terra e da água. Aprendemos a fazer adubo orgânico, usar palha como cobertura do solo, proteger as nascentes, não queimar. A terra começou a responder. A água voltou a correr”, narra a agricultora. Para ela, foi o saber que mudou tudo. “Se eu não tivesse aprendido, não estaria aqui contando essa história. O conhecimento muda a forma de ver a vida, de plantar, de cuidar da água. Hoje tenho certeza de que somos guardiões da água”, afirma.

O aprendizado também levou diversidade para a propriedade. “Nunca imaginei que pudesse plantar uva. Participei de uma palestra feita pelo padre Honório, da Paróquia São Francisco, em Teófilo Otoni. Ele falou que nossa região tinha potencial. A gente achou que era maluquice. Mas hoje tenho mais de cem pés de uva crescendo aqui”, conta. O padre é referência na região como um grande incentivador da agricultura familiar sustentável.

Atualmente, Ivalci cultiva quase 5.000 pés de café, 150 de goiaba, além de hortas, mamão, mandioca, coco, milho, manga, pinha e urucum. “Minha renda melhorou bastante. Antes, eu ganhava só um salário, limpando, ajudando, juntando aqui e ali. Hoje, com as vendas em feiras, de porta em porta, e com os projetos, já cheguei a tirar R$ 3.000 por mês”, calcula.

Para a diretora do IEF, conservar florestas significa conservar água, e essa é uma ligação direta entre o campo e as cidades. “Quando protegemos as matas no topo dos morros, as nascentes e as margens dos rios, garantimos água em quantidade e qualidade. Claro que isso serve para a produção agrícola, mas também para o consumo humano. Essa água é a mesma que chega às torneiras da cidade. Por isso, todo produtor rural é, no fundo, também um produtor de água”, arremata.

Foto: Flávio Tavares/O Tempo