“Como é que se diz ‘vai em paz’ para uma pessoa que não tem água nem alimento?”. O questionamento, carregado de reflexão, é do padre Honório José de Siqueira, de 67 anos, da Paróquia São Francisco de Assis, em Teófilo Otoni. Muito mais do que um líder religioso, ele se tornou um agente de transformação social, ambiental e econômica para centenas de pequenos produtores rurais do Vale do Mucuri. Para ele, cuidar da vida é missão inegociável da Igreja. E por vida se entende solo fértil, nascente preservada, mata ciliar, segurança alimentar e comunidades fortes.
Sentado em uma cadeira de plástico, no topo de uma montanha, onde está construindo uma réplica da Porciúncula de São Francisco de Assis, o padre conversou com a reportagem de O TEMPO durante uma hora. De jeito simples e voz calma, que contrastam com a inquietude de quem está sempre em movimento, padre Honório relembra que, ao assumir a paróquia, em 2019, encontrou um cenário desanimador na comunidade.
“Vi pessoas morando na roça, mas indo para a cidade para trabalhar. Eu pensei: ‘Podemos fazer alguma coisa’. E assim começamos o primeiro trabalho de conscientização”, diz.
Sua proposta era mostrar a quem tinha um pedaço de terra que era possível produzir ali mesmo, garantir o sustento e ainda gerar renda. “O que falta ao agricultor é informação. O primeiro responsável por levar esse conhecimento é o poder público, que às vezes se omite. Quando a informação não chega, o agricultor pode errar sem perceber ou acabar passando necessidade, mesmo com oportunidades diante dos olhos”, alerta o religioso.
A partir daí, o padre se tornou ponte entre órgãos como Emater, IEF, Sebrae, prefeitura e lideranças comunitárias. Ele virou um articulador de ações de formação, assistência técnica e incentivo à agroecologia e à geração de renda no campo. Com seminários temáticos, oficinas práticas, dias de campo, excursões e acompanhamento contínuo, o projeto ganhou força e se expandiu para outros municípios do Vale do Mucuri. “Buscamos mostrar que a agricultura não deve se limitar à produção de grãos, mas sim oferecer alimentos de qualidade, sem se esquecer da preservação do solo, das nascentes e das florestas”, reforça.
Seis anos após o início do projeto, já é possível ver os frutos. São famílias que voltaram a produzir, jovens que decidiram permanecer no campo e agricultores que recuperaram nascentes, aumentaram a renda, diversificaram a produção e passaram a enxergar o futuro com esperança.
Natural de Mantenópolis, no Espírito Santo, padre Honório carrega a paixão pela agricultura desde a infância. “Eu sou da roça. A minha família vivia da agricultura familiar. A prioridade era produzir para o sustento e vender o excedente. Passei minha infância e parte da juventude nesse ambiente”, recorda.
Quando ingressou no seminário, levou consigo essa vivência e nunca mais se afastou dela. Mesmo nas cidades, cultivava hortas, criava espaços de reconexão com a terra e, já como sacerdote, pregava que a missão da Igreja também tinha que passar pelo cuidado com a casa comum.
Essa convicção se fortaleceu ao longo dos anos em diferentes paróquias por onde passou, sempre com ações voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar, reflorestamento, turismo rural, associativismo e diversificação produtiva. A pastoral de padre Honório sempre olhou para além dos muros da Igreja. “Precisamos entender que só vamos mudar a realidade se mudarmos a mentalidade. O nosso trabalho é este: levar informação. E compreender que não existe vida sem água”, conclui padre Honório.