EXTREMA

Uma mula, um fusca e muita lábia: a história do Conservador das Águas

O fusca e a mula serviram para levar lá para o topo dos morros as mudas para plantar e os mourões para cercar as nascentes

 

Uma mula, um fusquinha e muita lábia. Foi assim que a história do Conservador das Águas começou em Extrema, no Sul de Minas, em 2005. O fusca e a mula serviram para levar lá para o topo dos morros as mudas para plantar e os mourões para cercar as nascentes. E olha que essa foi a parte mais fácil. Difícil mesmo foi convencer os produtores rurais de que valia a pena aderir a um programa em que eles teriam que ceder um pedaço da terra para preservação ambiental. Neste ponto, um argumento foi fundamental: o bolso. Eles seriam pagos para produzir serviços ambientais.

A área escolhida para dar início ao projeto foi a terra do agricultor Sebastião Froes. Lá está a nascente principal do Ribeirão das Posses. “Demoramos uns seis meses para convencer o seu Sebastião a deixar a gente reflorestar e cercar a nascente. É que ele tinha sido criado para derrubar floresta e colocar alguma cultura de valor no lugar. E nossa proposta era pagar para que ele nos deixasse plantar floresta. Insistimos tanto, até que ele deixou. Só que, quando viu tudo cercado, ficou bravo e não quis assinar; disse que tinha medo de perder a terra dele. Então eu tirei R$ 312 do meu bolso, paguei para ele e disse que ninguém tiraria sua terra. Mas, para continuar a receber todo mês, teria que assinar. Aí ele assinou. E a adesão dele foi fundamental para que os outros vizinhos também aderissem”, conta o idealizador do Conservador das Águas, Paulinho Pereira.

 Paulinho Pereira, idealizador do Conservador das Águas. Foto: Fred Magno/O Tempo

 

Seu Sebastião, o pioneiro do Conservador das Águas, já faleceu, mas a propriedade dele continua sendo parceira e recebe até hoje pela produção dos serviços ambientais. Atualmente, a remuneração é de R$ 810 por mês. Ele foi o primeiro, mas, no fim daquele ano, em 2007, já eram 21 contratos assinados.

Seu José Galdino da Silva, de 84 anos, é um deles. “Na época, meu cunhado tinha aceitado, e eu disse assim: ‘não sou nem mais baixo, nem mais alto do que ninguém, e, se lá em cima concordou, aqui embaixo nós vamos concordar também’”, lembra seu Galdino. 

Ao longo do tempo, ele chegou a ver as lavouras serem substituídas pela pecuária e foi sentindo os impactos hídricos do desmatamento, que também causou reflexos econômicos. “Quando a lavoura de café virou pastagem, isso tirou a saúde da terra. Tinha muita água, mas foi diminuindo. E hoje, com certeza, se não tivesse o Conservador, a situação estaria muito pior”, conta o agricultor, pai de quatro filhos. 

Seu Galdino mantém uma criação de gado e vende leite. É com muito orgulho que ele fala do seu papel na preservação da terra e da água, a partir da sua participação no Conservador. “Se abre uma cerca, eu aviso lá (para o Conservador) e eles vêm consertar, que é para não entrar gado e pisar. Eu viro um guardião. E não faço isso só para a gente, não. Junto com a sociedade, a gente não fica sozinho”, afirma. 

Pioneiros

Dona Olga de Oliveira, de 66 anos, também pode ser chamada de “guardiã do meio ambiente” em Extrema. Não por acaso, a sede do Conservador das Águas foi batizada com o nome do marido dela: Hélio Lima, que morreu em 2016. Foi ele que, ao lado da esposa, mobilizou os vizinhos em torno da preservação da água.

“Quando ele ia roçar os pastos, ele sempre deixava mato perto das nascentes. Eu brincava com ele que era preguiça de capinar tudo. Aí ele falava: ‘Vocês vão ver, se a gente não cuidar, daqui a uns 20 anos vai faltar água’”, recorda Olga. Ela estava com o marido nas primeiras reuniões para a criação do Conservador das Águas. “Ele me chamava. Falava que era importante eu saber das coisas e alertava todo mundo sobre como era importante plantar árvores, preservar. Ensinou os netos a plantar árvores, e, se estivesse aqui hoje, eu tenho certeza de que estaria falando para todo mundo para preservar”, relata a viúva, que tem sete filhas e 15 netos.

Dona Olga também vigia as cercas para se certificar de que estão em bom estado, informa se tem algum incêndio e está sempre a postos como guardiã. “A situação melhorou muito na região. Antes o gado pisava na mina, fazia as necessidades. Agora a água tem mais qualidade”, conta Olga.

Para ela, o reflorestamento está por trás da melhoria. “As folhas caem das árvores, ficam no chão e seguram a água da chuva, não a deixam correr para a cabeceira da mina. Elas guardam a água. E, sem água, não tem vida”, reflete Olga. O dinheiro que ela recebe do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é revertido para a própria fazenda. “Eu pago para roçar o pasto, conserto cerca que está desmanchando, uso na pecuária mesmo”, diz Olga.

2,5 milhões de mudas plantadas

 

Foto: Fred Magno/O Tempo

 

Quando a bacia do Ribeirão das Posses foi escolhida para dar início ao projeto Conservador das Águas, a região era a mais degradada de Extrema. “Só tinha 5% de cobertura vegetal, este foi o motivo de começarmos por ela. E está localizada acima da captação da água”, justifica o analista ambiental Arlindo Cortez, assistente de coordenação do Conservador da Águas. Hoje, 20 anos depois da implantação do programa, esse número saltou para 30%. “De lá para cá, nós não paramos mais de trabalhar. Viemos fazendo todas as nascentes e recompondo florestas ciliares, que são as Áreas de Preservação Permanente (APPs)”, completa Cortez.

Em comparação com 2007, época do primeiro Pagamento por Serviço Ambiental (PSA) em Extrema, a área reflorestada cresceu 250%, saindo de 528 hectares para 1.857 hectares. 

Segundo dados atualizados em agosto deste ano, já são 392 contratos vigentes. Por mês, cada produtor recebe cem Unidades Fiscais de Extrema (Ufex) por hectare, equivalentes a R$ 405. Desde o começo do programa, a Prefeitura de Extrema já pagou R$ 10,3 milhões aos produtores rurais pelos serviços ambientais e plantou mais de 2,5 milhões de mudas.

A engenheira florestal Indira Comini explica que nada é feito por acaso. “A gente escolhe as espécies adequadas para o local, começando pelas plantas nativas do bioma da Mata Atlântica. Entramos com 100% de espécies pioneiras. Os pássaros dispersam sementes, e vão nascendo mais árvores. E é isso que a gente quer, pois a maioria das espécies morre em 30 anos. Precisamos manter o equilíbrio na floresta”, explica Indira, que também é supervisora de meio ambiente.