Por trás das hortas verdes, do aroma do café orgânico recém-colhido e das barraginhas que pontilham os terrenos, uma revolução silenciosa está acontecendo no Vale do Mucuri. Em quatro municípios da região – Itambacuri, Teófilo Otoni, Poté e Ouro Verde de Minas – pequenas propriedades rurais estão se transformando em verdadeiras guardiãs da água, combinando produção de alimentos, recuperação do solo e proteção das nascentes.
No sítio de 9 hectares de Marcelo Macedo, de 47 anos, a família cultiva hortaliças, banana-da-terra e café. Na propriedade, em Itambacuri, nasce o Rio Poquim, responsável pelo abastecimento da cidade. Lá, a realidade de hoje é bem diferente da época em que Marcelo era criança. O agricultor cresceu brincando entre córregos largos e cheios, mas viu o volume de água diminuir pela metade. Alguns secaram completamente. “Meu avô trabalhava com a terra, e eu me lembro de brincar com meus primos nos córregos. Hoje, corre apenas 50% da água”, lamenta.
Ele sentiu na pele os efeitos das mudanças climáticas e, sem saber, também contribuiu para eles. Assim como muitos vizinhos, Marcelo derrubava árvores para abrir pastos. “Já usei motosserra para cortar árvores centenárias. Antes, a gente só tirava da terra”, admite.
Nos últimos cinco anos, o agricultor transformou a maneira de lidar com a propriedade. Abandonou a criação de gado e o trabalho com corte de árvores em fazendas vizinhas e passou a apostar em hortaliças, café orgânico e práticas agroecológicas. A esposa dele, Neidimar Freitas Macedo, de 45 anos, compartilha dessa missão. Foi dela a ideia de começar uma horta no fundo do quintal, que logo cresceu, virou negócio e transformou a vida da família. “Comecei vendendo de bicicleta. Hoje entregamos para escolas e programas públicos. Agora, me considero uma produtora rural de grande nível”, conta com orgulho.
A transição, porém, não aconteceu sozinha. A família foi uma das selecionadas pelo projeto chamado “Pra Produzir Sustentável”, do Instituto Estadual de Florestas (IEF), que atua em sete unidades demonstrativas na região.
O programa é estruturado em duas frentes. A primeira é restaurar a vegetação nativa nas áreas onde a legislação exige proteção, como margens de rios, nascentes e topos de morro. A segunda é apoiar os sistemas produtivos dessas pequenas propriedades. “Não existe conservação sem considerar a realidade econômica do campo. Recuperar a floresta não basta. É preciso garantir que o produtor viva da terra com dignidade. Por isso, conciliamos conservação e produção”, afirma a diretora de Conservação e Restauração de Ecossistemas do IEF, Marina Fernandes Dias.
A ação é feita em parceria com a Paróquia São Francisco, em Teófilo Otoni, prefeituras e instituições como Sebrae, Senar e Emater. A analista ambiental Janaina Mendonça é a coordenadora do Pra Produzir Sustentável. Tudo começou em 2019, quando ela conheceu o padre Honório, que desenvolvia um projeto para fortalecer a agricultura familiar.
“Ele me apresentou uma proposta para promover a adequação produtiva como base do desenvolvimento regional e inspirou o nosso programa. O IEF viu ali a oportunidade de unir adequação ambiental, sustentabilidade e conservação dos recursos naturais”, explica Janaina.
O dinheiro para financiar esses programas vem de várias fontes e reúne recursos públicos e privados e fundos internacionais. No caso de Marcelo e Neidimar, o primeiro projeto foi bancado com recursos da Fundação Renova, pois a área está localizada no divisor de águas das bacias do Rio Mucuri e do Rio Doce, afetado pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015.
“Nessa fase, foi implantada vegetação nativa, frutífera, e foi feito o cercamento de áreas estratégicas. Antes, havia degradação, perda de nutrientes e de água”, diz Janaina. Lá, foram instaladas barraginhas, curvas de nível, caixas de contenção e sistemas de irrigação mais eficientes.
Muito além do melhoramento do solo e da conservação da água, o impacto também foi social e econômico. Antes, Marcelo e Neidimar dependiam de trabalhos fora da propriedade. “Eu fazia faxina, e meu marido trabalhava em fazendas”, conta. Com os investimentos, a horta virou o carro-chefe, multiplicando a área cultivada e a diversidade de produtos. Com o programa Pra Produzir Sustentável, eles ganharam uma estufa, que permitiu dar continuidade à produção, mesmo na época chuvosa, garantindo renda estável o ano todo. “A vontade de mudar sempre existiu. Mas, sem o projeto, levaríamos de seis a oito anos para fazer o que conseguimos em um”, avalia Neidimar.
A transformação foi além do campo e mudou a forma como a família vê a terra. “Antes, era só onde morávamos e trabalhávamos. Hoje, é nossa empresa. Eu, meu esposo e meu filho trabalhamos aqui. Ninguém precisa buscar emprego fora. No fim do mês, analisamos juntos as contas e os investimentos. Aprendemos a gerir e cuidar do que é nosso”, diz.
Hoje, eles cultivam 2 dos 9 hectares e mantêm um modelo diversificado e sustentável. A família colhe alimentos e resultados: a renda subiu 70% e a água começou a voltar. “Plantamos comida, mas, antes disso, plantamos água”, afirma Neidimar.
Para Marcelo, a consciência ambiental chegou ao sítio para ficar. “Daqui a 50 anos, o mundo vai estar diferente. Hoje, a gente aprendeu que o futuro começa na forma como tratamos a água que nasce no nosso quintal”, acrescenta ele.