Durante o dia, pouquíssimo movimento de pessoas, carros e motos. Automóveis pesados como ônibus e caminhões, trafegando pelas ruas, cena mais rara ainda. À noite, a tranquilidade reina. A descrição bem que poderia ser de alguma cidade pacata do interior de Minas Gerais. Contudo, o cenário também pode ser visto em Belo Horizonte, sexta capital mais populosa do Brasil, com 2.315.560 habitantes, segundo o último censo do IBGE.

Mesmo com tantos moradores, na metrópole mineira há vias quase que isoladas. Elas estão em ladeiras tão íngremes que os acessos são dificultados. "Quem desce e sobe aqui é só quem mora na rua mesmo. Quem vem de fora, de outra região, assusta-se”. A fala é de Júnio Teixeira, de 38 anos, que reside na rua Joaquim Ramos, no bairro Paraíso, região Leste. O morro por lá é tão elevado que mais parece uma muralha.

Do outro lado do município, no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste, a autônoma Maria Rosa Almeida de Coelho, de 48 anos, também vive em um local "sossegado", como ela define, devido à inclinação acentuada da rua Curupaiti. 

"Poucos motoristas se arriscam a enfrentar o morro. Sinto-me mais segura, justamente por não ter tanto movimento de carro. Além disso, a qualquer hora do dia você deita e dorme, não tem barulho de carro. Outra vantagem é que meu filho, de 13 anos, pode andar de bicicleta no pé do morro tranquilamente. Mas subir de bike, ele não consegue", conta. 

Paz e visão privilegiada


Elvira Pereira dos Santos, de 74 anos, já se acostumou a viver em uma rua tão íngreme (Foto: Flávio Tavares/O Tempo)

Vizinha de Júnio, no Paraíso, a aposentada Elvira Pereira dos Santos, de 74 anos, já se acostumou a viver em uma rua tão íngreme. A casa dela é bem no alto do morro, e chegar lá não é tarefa simples, exige esforço. No entanto, a calçada que deu lugar a uma escadaria, e circunda a Joaquim Ramos, facilitou a trajetória até ao imóvel. "Foi muito sofrimento, mas agora posso falar que estou no céu. Do jeito que era, sem escada, sem nada, era difícil", lembra.

Júnio Teixeira relata que o local virou ponto turístico. Isso porque é tão alto que até parece um mirante, uma vez que dá uma visão geral - e linda - da capital mineira. "O bom aqui é a paisagem. Depois que a escada foi instalada, muita gente fica lá em cima tirando foto", observa.

Quem também vê benefícios em morar em ruas isoladas é a vendedora Gisele Nunes de Sousa, de 32 anos. Ela vive com o marido e os quatro filhos na via mais inclinada de BH, a Expedicionário, no bairro Taquaril, região Leste. Por lá, não há mais morro, já que a ladeira deu lugar a um escadão com 194 degraus. Por isso, nenhum tipo de veículo passa no local. "Acho bom e supertranquilo (não ter trânsito). Enquanto arrumo casa, as crianças ficam brincando aqui na escada”, conta.


 Rua Joaquim Ramos, no bairro Paraíso, testa a coragem dos motoristas (Foto: Flávio Tavares/O Tempo)

Muitos contratempos

Mas nem tudo são flores nas grandes subidas e descidas de BH. Atividades do dia a dia, muitas vezes, são prejudicadas. A garçonete Silvana Júlia da Silva, de 42, descreve a dificuldade em receber encomendas pesadas. "Subir é uma dificuldade. Haja joelho para aguentar. E quando se faz compra, como de geladeira e fogão, os entregadores deixam na rua de cima. A gente vai descendo aos poucos, no ombro mesmo", conta a moradora da rua Joaquim Ramos. 

Ela relata outros perrengues. "Ao mesmo tempo em que se tem segurança, não se tem. Às vezes, estamos assentados na rua conversando com algum vizinho, e desce alguma coisa de cima do morro. É perigoso", alerta.

O socorro médico também é prejudicado, conforme descreve o artista visual Nilo Zack, de 36 anos, residente no Taquaril, bairro que contabiliza dezenas de morros. "Já aconteceu de chamarmos o Samu e, como a rua era muito íngreme, não tinha como chegar ao endereço com a maca”, lamenta.

Além disso, dependendo do local, agentes dos Correios não vão ao endereço. Em situações do tipo, os moradores precisam colocar outro destinatário, e depois ir ao lugar indicado para buscar as correspondências. Alguns moradores ouvidos pela reportagem reclamaram ainda que ruas íngremes, por vezes, tornam-se ponto de refúgio de usuários de droga e de quem se arrisca a transitar nas grandes ladeiras para fugir da polícia.