Incertezas

Cinco anos depois, moradores seguem sem previsão de retorno para Socorro

População teve que deixar os imóveis às pressas devido ao risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, da Vale

Por Rayllan Oliveira e Vitor Fórneas
Publicado em 31 de março de 2024 | 06:00
 
 
 
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O toque da sirene advertindo os moradores da comunidade de Socorro, em Barão de Cocais, na região Central do Estado, para deixar suas casas ainda ressoa na mente da auxiliar de escritório Ana Rita de Souza Rodrigues, de 39 anos. Cinco anos já se passaram desde aquele 9 de fevereiro de 2019. No entanto, o que não muda é o desejo de voltar para o local onde ela morava. A população teve que deixar os imóveis às pressas, levando somente “a roupa do corpo”, devido ao risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, da Vale. Cerca de 500 pessoas das comunidades de Socorro, Tabuleiro, Piteiras e Vila do Gongo foram afetadas pelo risco de a estrutura colapsar.

Horas antes da vida de Ana e dos demais moradores mudarem completamente, ela relembra que havia ido até Barão de Cocais para realizar alguns afazeres. “Eu tinha ido visitar minha mãe e aproveitei para fazer a compra do mês com meu marido. Chegamos em casa às 22h, e deixei tudo num quarto. Nem coloquei no lugar. Fui fazer um bolo para meu marido levar de merenda para o serviço no dia seguinte”.

O bolo sequer tinha terminado de assar e Ana aproveitou para tirar um cochilo. O que ela não esperava era ser acordada com os gritos de uma vizinha. “A barragem se rompeu, a barragem se rompeu”, disse, aos prantos, a conhecida da auxiliar de escritório. “Todos nós levamos um susto tremendo com aquela sirene. Pensamos que o pior tinha acontecido. Foi uma cena terrível: o pessoal corria, alguns não queriam deixar as casas. Lembro que fiquei em choque e nada conseguia fazer”.

A vizinha, ao perceber que Ana estava paralisada diante do susto, entrou na casa e retirou os filhos dela. “Ela me falou para tentar pegar os documentos deles. Lembro que meu marido não acreditava que algo estava acontecendo e pensava que era uma brincadeira”, relembra a auxiliar de escritório.

A união entre os moradores, que já era uma característica daqueles que moravam no distrito, se potencializou com o toque da sirene. “Era gente correndo para todo lado, idosos sendo levados de carro até uma mercearia, que era o ponto de encontro. Para complicar, ainda chovia. Realmente não deu para levarmos nada das casas a não ser a roupa do corpo”.

Uma das pessoas que ajudou na retirada dos moradores foi a auxiliar administrativa Élida Couto, de 37 anos. Ela dormia quando, também aos gritos, foi acordada pela irmã. “Eu descansava após mais um dia de trabalho. Um conhecido tentou ligar para o meu celular, porém o sinal estava ruim e a chamada não completou. Lembro que minha irmã chegou no maior desespero, falando que a barragem tinha se rompido. Ela batia na janela. Nisso, levantei, já peguei uma tia que morava comigo e tinha dificuldade de locomoção e a colocamos no carro”.

Enquanto ajudava a retirar outras pessoas das casas, Élida ligava para uma responsável da Vale para tentar entender o que, de fato, ocorria. “Ao ser atendida, fui informada de que alguma alteração tinha acontecido com a barragem e que deveríamos sair de casa e ir para um ponto mais seguro. Batemos de porta em porta para retirar as pessoas. Teve um desespero, mas conseguimos nos manter calmos e retiramos todos”, comentou.

No momento da retirada dos moradores, a frase de uma prima, na época com 10 anos, marcou Élida e até hoje não sai da mente dela. “A Sara começou a chorar bastante. O rompimento da barragem em Brumadinho tinha sido muito recente (janeiro de 2019), e, consequentemente, aquelas imagens da lama atingindo as pessoas ainda estavam presentes na memória de todos. Ela falou: 'Não quero morrer igual ao povo de Brumadinho'. Recordo que pedi para ela tentar ficar tranquila e prometi que ela não iria morrer. Aquilo me marcou muito”. 

Após os moradores de Socorro se reunirem no ponto determinado pela empresa, eles acreditavam que poderiam retornar para as casas o mais breve possível. A expectativa logo foi frustrada. “Uma pessoa veio com uma lista fazendo o cadastro, dizendo que, infelizmente, não poderíamos voltar. As pessoas foram divididas e encaminhadas para hotéis. Eu fui para Caeté, pois já não tinha mais vagas em Barão de Cocais e em Santa Bárbara”, diz Ana Rita.

Retorno sem previsão 

Cinco anos depois da evacuação do distrito, as casas se encontram rodeadas pelo mato, que a cada dia cresce mais e vai tomando conta do local. “É revoltante ver a situação em que se encontra. Aqui, nós pensávamos no futuro dos nossos filhos e tínhamos sonhos. Tudo ficou para trás. Saímos daqui, mas é como se a alma ficasse. É a nossa história”, comenta Ana.

A saída do distrito fez com que Élida passasse a ter problemas de saúde que, antes, ela jamais pensou em ser diagnosticada. “Dá uma dor no coração ver como Socorro era e como está hoje. Aqui é o melhor lugar do mundo. Era uma comunidade tão linda, e ver que agora está com matagal e as casas são alvo de vandalismo e roubo é de nos deixar em dor”.

“Quando saí daqui, passei a ter crises de ansiedade. Tanto que tenho que vir de Barão de Cocais até aqui para que as dores de cabeça parem. Por mais que a comunidade esteja destruída, eu tenho necessidade de vir e estar aqui, pois é parte da minha história. Vou lutar até o fim para que possamos retornar para a nossa comunidade”, complementa.

Em Barão de Cocais, os moradores de Socorro contam que convivem com preconceitos. “Não somos bem-vistos na cidade. Somos chamados de ‘milionários’, ‘aqueles que têm dinheiro da Vale’. Quando vamos comprar algo, e eles descobrem que somos de Socorro, os preços até mudam e ficam mais caros. Não é fácil”, relata Ana.

Em Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro, os moradores buscam forças para manter viva a esperança de retornar para a comunidade que guarda a história de vida de cada um deles. “Eu falo que é somente ela que me dá forças para continuar. Tem dia que o desânimo bate, mas a minha fé me mantém de pé”, afirma Ana, emocionada.

Comunidade do Socorro foi evacuada em fevereiro de 2019

“Eu quero voltar, e Deus vai me dar a graça. Brinco que fiz um combinado com ele: enquanto eu não conseguir retornar para cá, ele não pode me levar. Vir aqui nutre essa esperança. A fé também é determinante para seguirmos na luta. Sem dúvidas, a nossa comunidade hoje é nutrida pela fé, passada de geração para geração”, conclui Élida. 

A Vale informou que, neste momento, não é possível que os moradores retornem para as casas nem mesmo realizem atividades presenciais, uma vez que a zona de autossalvamento da barragem Sul Superior está evacuada preventivamente por motivo de segurança.

A estrutura, segundo a mineradora, está inativa desde 2008 e é monitorada permanentemente. Ainda conforme a empresa, a barragem está em processo de descaracterização e possui Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ) com Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) vigente.

“A conclusão da descaracterização da barragem está prevista para 2029, sendo que a segurança é a prioridade para a execução das obras. A barragem Sul Superior foi construída em 1982 e atualmente está em nível três de emergência do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM)”, finaliza. 

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