Sendo o Brasil o país com a maior biodiversidade do mundo, é natural que muitos dos ingredientes aqui disponíveis ainda estejam sendo descobertos em Belo Horizonte. Exemplo disso é que apenas recentemente se tornou possível encontrar a castanha do baru nos pratos e nas sobremesas na capital. Para os que “nunca viram, nem comeram, só ouviram falar”, é preciso explicar que ela é uma oleaginosa do nosso “quintal”, o Cerrado. Atende por vários nomes, como castanha-de-bugre e coco-feijão, e é extraída do baru, que vem do baruzeiro.
Riqueza nutricional não lhe falta: estudos apontam benefícios, além do próprio conhecimento popular. Essa castanha é rica em proteínas, lipídios, fibras, ferro, zinco, selênio. Bem, também sustentam que é afrodisíaca – não por outro motivo, até ganhou o apelido de “Viagra do Cerrado”.
Mas e o paladar? Com um sabor que lembra o do amendoim, a oleaginosa tem sido aposta em receitas que se reinventam com nuances regionais. “Conheci essa castanha quando viajava com meu pai pelo Norte de Minas. Vi coentro, pique, baru e ganhei essas referências”, conta o chef do restaurante Xapuri, Flávio Trombino. Mais tarde, ele retomou essas inspirações em seu primeiro prato autoral para a Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança, com uma farofa de castanha do baru que serve de guarnição do miolo de alcatra na chapa com cebolas moranga e batata-doce. “Essa é uma castanha bem oleosa, quente e forte. Tem que usar com parcimônia para o prato não ficar pesado”, salienta.
Neste ano, durante expedição do Circuito Gastronômico da Pampulha, Trombino se enfronhou mais no produto ao visitar catadores de baru. “O baruzeiro não dá fruto dois anos consecutivos. Quem trabalha com esse extrativismo percorre quilômetros para achá-lo. Outra coisa curiosa é que a castanha só está boa quando o fruto cai no chão. E o trabalho de extrair a castanha dessa cápsula não é fácil: é feito com facão ou com uma espécie de guilhotina adaptada”, lembra.
Reinvenções. Versátil, o baru não é utilizado apenas em pratos com raízes mineiras. Receitas originais da Europa são adaptadas com a castanha. No Albanos, o chef Márcio Santoro faz o molho romesco, que na Espanha é preparado com amêndoas e avelãs, com um mix de baru e nozes, para ser servido com uma tilápia. “A primeira receita que fiz com essa castanha foi um pé de moleque, por causa da aproximação dos sabores do baru com o do amendoim”, diz.
No molho, a ideia foi imprimir regionalismo. “É um produto de Minas, e a gente valoriza os produtores locais”, afiança. “Essa castanha tem um gosto acre típico do Cerrado, e trouxe isso ao prato”, destaca. Para ele, a castanha do baru é boa substituta para outras, como macadâmia e noz. “Claro, tem diferença do gosto, mas em textura, em versatilidade, não perde. É um curinga de uso culinário, dá para fazer doce, salgado, salada”, explica.
Na Osteria Casa Mattiazzi, que defende a culinária italiana, o chef José Siebra também serve receita que mistura Minas e Europa: um rigatoni com carne seca finalizado com a castanha do baru ralada. Ele conheceu a oleaginosa em um intercâmbio em Salvador. “Descobri que ela tem um valor nutricional alto, e o sabor é muito bom. Então, comecei a fazer testes”, explica.
Já o Sargas Restaurante, reinventa outro prato da gastronomia italiana: oferece um ravióli de galinha caipira finalizado com a castanha do baru salpicada.
Para Siebra, essa oleaginosa é tão promissora que se compara a uma das mais importantes (e caras) da culinária italiana, o pinoli. “O sabor pode até lembrar o de amendoim, mas nutritiva e gastronomicamente, o baru está acima. Com ele, podemos, por exemplo, preparar um pesto, algo que não dá para fazer com o amendoim”, observa.
Doces também são opções
Assim como outras castanhas mais famosas, a do baru encontrou nos doces a sua porta de entrada na gastronomia mineira. Por causa de seu sabor, apareceu como uma substituta para o amendoim, por exemplo, no pé de moleque. No Ateliê Wäls, o chef Rodrigo Rodrigues criou um cone crocante com doce de leite, sorvete de queijo e farofa de castanha do baru. “Ela chega com casca, e fazemos a farofa após a torra, para dar crocância” explica.
Rodrigues explica que o período da colheita da castanha acontece entre setembro e outubro, “mas não há dificuldade para encontrá-la em BH o ano inteiro”. “É uma castanha que combina com essa época de Natal, pode ir na farofa, no recheio do assado...”, sugere.
Comparada a outras castanhas, Cristiane Temporão, da Lullo Gelato, também faz elogios ao baru. “Ela é menos oleaginosa que a castanha-do-pará ou que a macadâmia, e tem presença no paladar”, diz. Em sua sorveteria, Cristiane apresenta um gelato de castanha do baru feito com leite de amêndoas, ou seja, sem lactose, atendendo também os veganos. “Entra também na nossa linha de funcionais. É um gelato leve, cremoso, sem glúten”, pontua. “A castanha do baru tem um sabor que lembra o amendoim, mas tem menos contaminantes, é mais pura. A nutricionista que nos atende na Lullo explica que, por isso, ela não ativa tanto alergias”, comenta.
RECEITA
Ravióli de galinha caipira ao creme de tomilho, tomate confitado e castanha do baru do Sargas restaurante
INGREDIENTES
Recheio:
1 galinha caipira
200 g de cebola picada
200 g de cenoura picada
200 g de salsão
20 g de alho
15 g de tomilho fresco
15 g de alecrim
4 folhas de louro
Sal e pimenta a gosto
Ravióli:
700 g de farinha de trigo
7 ovos
100 mL de água
10 g de açafrão da terra
Creme de tomilho:
1 colher de sopa de manteiga
20 g de cebola picadinha
200 mL de creme de leite fresco
1 ramo de tomilho fresco
Sal e pimenta a gosto
Finalização:
200 g de castanha do baru
100 g de tomate-cereja confitado
Brotos de folhas
Sal e pimenta a gosto
MODO DE PREPARO
Recheio:
Limpe a galinha. Aqueça a panela com azeite e sele a carne até dourar bem. Acrescente os vegetais e cozinhe até a cebola ficar macia. Cubra com água e cozinhe até a carne ficar bem macia. Desosse o frango e retire os galhos das ervas e o louro. Processe grosseiramente sem deixar muito líquido.
RAVIÓLI:
Misture a farinha, os ovos e o açafrão da terra. Sove a massa até que se solte dos dedos – utilize água e farinha de trigo para chegar ao ponto desejado. Faça pequenas bolas, embale em filme PVC e coloque na geladeira por meia hora. Passe a massa no cilindro até ficar na espessura desejada. Corte-a com forma própria. Recheie com a galinha caipira e feche utilizando outro quadradinho. Use água para unir as massas.
Creme de tomilho:
Derreta a manteiga e acrescente a cebola até dourar. Junte o tomilho desfolhado. Depois, o creme de leite, o sal e a pimenta. Deixe em fogo baixo para encorpar e extrair o perfume do tomilho.
FINALIZAÇÃO
Cozinhe os raviólis em água fervente: estarão prontos quando boiarem na superfície da água. Retire e escorra de pronto. Torre a castanha do baru e moa grosseiramente. Reserve. Corrija o sal do creme de tomilho se necessário, Coloque-o no fundo do prato, posicione os raviólis e os tomates confitados e polvilhe a castanha do baru por cima. Decore com brotinhos de folhas. (serve dez pessoas)
Serviço
Albanos. R. Rio de Janeiro, 2.076, Lourdes, (31) 3292-6221
Ateliê Wäls. R. Gabriela de Melo, 566, Olhos D'Água, (31) 3197-2450
Lullo Gelato. R. Antônio de Albuquerque, 617, Funcionários, (31) 3656-0625
Osteria Casa Mattiazzi. R. Soledade, 28, Santa Efigênia, (31) 3483-3465
Sargas. Av. do Contorno, 7.325, Lourdes, (31) 3298-4150
Xapuri. Rua Mandacarú, 260, Trevo, (31) 3496-6198