Com uma xícara de chá nas mãos, a proprietária e sommelier do Tea Shop, Laisa Queiroz, recebe a reportagem. A caneca contém uma infusão feita à base de valeriana, planta nativa da Ásia com propriedades calmantes. “Não estou acostumada a dar entrevistas”, diz, antes de cair na gargalhada. O uso de chás como remédios naturais para combater a ansiedade (assim como faz Laisa), levantar o ânimo ou retardar os efeitos do tempo é uma prática tão antiga quanto a bebida.
Agora, um movimento de revalorização da bebida tem se espalhado pelo Brasil chegando, inclusive, à capital mineira – pelo menos quatro casas especializadas foram abertas aqui nos últimos três anos. No país, tem ocorrido com o chá o mesmo que aconteceu com o café e a cerveja: o interesse crescente por produtos especiais, ou “gourmets”. A tendência vem acompanhada de cursos de formação de especialistas e de encontros de degustações com harmonizações.
Em 2016, o Instituto Chá criou o primeiro curso de sommelier da bebida do Brasil – que, inclusive, tem o segundo módulo acontecendo neste fim de semana na capital – e do qual participam ou participaram os entrevistados pela reportagem.
De acordo com Dani Lieuthier, especialista em chás que comanda o instituto, não é possível precisar “quem veio primeiro, assim como o ovo ou a galinha”. Em outras palavras, é difícil mensurar se o consumo de chás diferentes aumentou devido à especialização dos profissionais ou o contrário. “Talvez tudo aconteça ao mesmo tempo. Estamos formando mais de 200 sommeliers de chás no Brasil e estamos em nossa 24ª turma”, sustenta. “Nunca antes se ouviu falar no uso do chá na culinária, e o brasileiro está interessado nisso”, observa a sommelier do Dá-lhe Chá, Juliana Vitoriano.
Soma-se a isso a busca por uma alimentação mais natural. “O chá é milenar, não uma moda. Mas agora as pessoas estão em busca de mais saúde. A tendência é que o uso dessa bebida de qualidade perdure, assim como aconteceu com a cerveja e com o café”, avalia Laisa.
Chá, infusão e blend. Para uma bebida ser considerada um chá legítimo, ela deve ser preparada com Camellia sinensis, planta nativa do nordeste da Índia e do sul da China, também conhecida como “chá-da-índia”. No Brasil, apenas a Fazenda Amaya, localizada em Registro, no sul de São Paulo, se dedica ao cultivo da planta. A maior parte do chá consumido aqui é importada de países como China, Japão, Sri Lanka, Vietnã e Turquia, um dos motivos pelos quais 50 g de chá podem ter preços variando entre R$ 20 e R$ 176 (valores do Tea Shop). “O chá não é uma erva que se encontra no jardim, quem me dera”, diz, entre risos, a sommelier do Santo Chá, Andrea Oliveira.
A partir da Camellia sinensis, extraem-se cinco tipos de chá: o branco, o verde e o preto, além do oolong e do escuro, também classificados como azul e vermelho, respectivamente. A diferença entre os chás está no processamento: enquanto o branco não sofre nenhum tratamento, o preto é obtido por meio da oxidação das folhas em grau máximo.
O sabor do Camellia sinensis pode ser considerado forte ou sem graça para quem não está acostumado a consumir chás. A dica dos sommeliers, então, é começar experimentando blends e infusões, que podem conter tanto folhas da espécie quanto especiarias, frutos e flores. O Intelligenza Café, aliás, começa agora a trabalhar com frutas in natura para a confecção de suas infusões. “Importamos o chá, mas trabalhamos com produtores locais para fazer blends e infusões”, explica o sommelier Sancho Sanches.
Uma das formas de explorar infusões é utilizando-as em drinks, como o Borbulhas de Amora, servido no Chá Comigo. O coquetel é preparado com uma mistura de amaretto (infusão de frutas vermelhas) e espumante. “Faz muito sucesso”, assegura a proprietária, Laila de Souza.
Dicas. Para preparar um chá perfeito, basta seguir alguns passos, ensinam os especialistas. Conservar as folhas hermeticamente fechadas e longe da luz solar e usar sempre água filtrada – isso é fundamental. Para fazer chás gelados, basta dobrar a quantidade de folhas utilizadas ou então deixar as folhas em infusão por, no mínimo, quatro horas.
Na geladeira, a bebida pode durar até uma semana, mas as infusões quentes devem ser consumidas até cinco horas depois do preparo. O ideal é nunca utilizar qualquer tipo de açúcar, porque descaracteriza o sabor do chá. Mas, para quem não abre mão do doce, o mel pode ser uma opção.
Curso e harmonizações
Curso de sommelier de chás. Módulo II ocorre neste domingo, mas haverá reposições das aulas. Das 9h às 18h, no Chá Comigo. Inscrições: contato@institutocha.com.
Primeira Confraria de Chás Gourmet do Brasil. Exploração sensorial do chá e harmonização, ocorre nesta terça, das 20h às 22h, no Espaço Gourmet, a R$ 80. Informações: (31) 99464-5754
Hora do Chá. Aprofundamento do conhecimento de chás e harmonização, no próximo sábado, às 9h30, no Santo Chá (rua Mármore, 383, Santa Tereza). R$ 55. Informações: (31) 99884-1134
O caminho da bebida
Não há uma data exata sobre a origem do chá, mas a história mais antiga indica que, no ano de 2737 a.C., o imperador chinês Shen Nung, ao ferver água para beber, deixou cair folhas de árvores, provou e achou a bebida maravilhosa.
A vinda da Camellia sinensis no Brasil ocorreu séculos depois, quando, em 1820, o rei dom João VI ordenou que chineses viessem de seu país para plantá-la no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas a produção não fez sucesso no mercado internacional.
A planta volta a ser trazida para o Brasil em 1935, mas desta vez a de origem indiana, e é cultivada em Registro, no interior de São Paulo, onde se adapta melhor ao solo da região.
Nos anos 80, o aumento da concorrência internacional culminou em uma crise que fechou as 40 fábricas de Registro, com exceção da de Amaya.
Tempo e temperatura
Branco: fervido a 60° C, com tempo de infusão de três a cinco minutos.
Verde: fervido a 70°C, com tempo de infusão de dois minutos.
Vermelho (escuro): fervido a 95°C, com tempo de infusão de três minutos.
Azul (oolong): fervido a 80°C, com tempo de infusão de três minutos.
Preto: fervido a 95°C, com tempo de infusão de quatro minutos.
Chá, para que te quero?
Chá branco. Obtido por meio do broto e das duas primeiras folhas da Camellia sinensis, tem sabor mais suave ao paladar. Exerce ação antioxidante e é ideal para fortalecer o sistema imunológico.
Chá verde. De sabor mais adstringente, o chá passa por um processo de oxidação e concentra manganês, potássio, ácido fólico, vitamina C, vitamina K, vitamina B1 e a vitamina B2. Ideal para quem quer emagrecer.
Chá preto. Se não prepará-lo na temperatura e tempos corretos, pode ficar amargo. Com grande quantidade de cafeína, pode ser usado como estimulante e ajuda a proteger o coração. Quando defumado, ele serve de especiaria.
Receita
Crepe turbinado de matcha, da Dá-lhe Chá
INGREDIENTES
5 colheres de massa pronta de tapioca
8 ovos
Alho a gosto
Cebola a gosto
3 folhas de couve pequenas
3 colheres de chá de matcha (chá verde moído)
MODO DE PREPARO
Bata todos os ingredientes no liquidificador até que estejam incorporados. Unte uma frigideira e deixe esquentar um pouco. Mantenha o fogo baixo para não queimar a massa. Quando a frigideira estiver quente, despeje uma porção da massa, equivalente a uma concha funda de colher. Doure a massa dos dois lados.
Dica: recheie com ricota