Antes relegado às estufas ensebadas de botequins tacanhos, o popular torresmo tem, ao longo dos últimos tempos, conquistado vitrines mais nobres. Como alguns tabus em relação à gordura e à carne de porco em geral estão sendo contornados, o clássico tira-gosto, que é a cara de uma Minas Gerais interiorana, tem seu leque de possibilidades estendido e começa a agradar a um público mais amplo. Seja frito, assado, acompanhado de limão ou de geleia de abacaxi e pimenta, com tempero seco de especiarias, como recheio de pastel ou até em formato de “picolé”, o torresmo, cabe dizer, vive sua era de ouro.
Além de típico tira-gosto, servido inteiro ou em porções, o torresmo também é item indispensável em alguns pratos da culinária clássica de Minas Gerais. “O torresmo está para o tropeiro, assim como a batata frita está para o hambúrguer”, compara Jaime Solares, chef da Borracharia Gastrobar, localizada na avenida Afonso Pena, na capital. Como não poderia deixar de ser, o torresmo é um dos astros do cardápio da casa. “Uso o torresmo de barriga, aquele carnudo, não o que é só pelinha”, explica Solares.
Ele acredita que a demanda tem a ver com a tradição. “Estamos no Estado que mais consome carne de porco, e é uma coisa cultural isso de beliscar algo antes do prato principal. Tem, ainda, a questão da fritura: somos acostumados a beber cerveja, cachaça, e atualmente até com vinho e espumante as pessoas comem o torresmo, porque ele combina com muitas coisas”, destaca Solares. “Além disso, estamos vivendo um momento de volta às raízes, e a banha de porco passou a ser valorizada e a ganhar status com o público mais jovem. Acabou aquele tabu que existia”, completa.
Chef da Hofbräuhaus, casa especializada em culinária alemã que fica na avenida do Contorno, Rafael Carvalho concorda e vai além. “A gente tem observado muitas mulheres pedindo o torresmo – o que antes não acontecia –, acredito que principalmente por essa desmistificação da carne de porco”, afiança. Apesar de o estabelecimento priorizar os pratos com origem na Alemanha, Carvalho não teve dificuldades em incluir um toque mineiro no menu. “É um símbolo da nossa gastronomia, nosso povo gosta de comidas um pouco mais gordurosas, e essa junção ficou impecável”, conta ele, que aproveita para dar outra dica preciosa. “Um ingrediente ácido ajuda a balancear a gordura. Eu gosto sempre de usar o limão-capeta ou o limão-taiti no torresmo”, declara.
Tradição. Luiz Mairink, chef da Bitaca da Leste, é outro que aposta no acepipe. Em pouco tempo, a vendinha na rua Salinas, no bairro Floresta, em BH, conquistou clientes fiéis. “Gostamos muito do básico. Está na moda uma pegada oriental, de servir o torresmo com broto, mostarda, mas nós trabalhamos apenas com o limão-capeta”, destaca. Desde o começo, o torresmo tem sido o carro-chefe da casa e permanece como um dos três únicos itens fixos do cardápio, já que os demais mudam conforme a semana. O ambiente informal atrai tanto vizinhos do bairro quanto curiosos vindos de outras regiões. Mas é bom deixar claro: esse boca a boca só foi possível graças à suculência do prato mais procurado.
“Fazemos o torresmo de barriga um pouco diferente do tradicional, porque não fritamos diretamente na gordura. Primeiro, assamos no próprio suco da carne, bem lentamente, o que a deixa bem macia e com a pele crocante, pururucada”, observa. Outro segredo está no corte da carne. “Procuramos um corte da barriga mais alto, o que possibilita ter três camadas de carne entremeadas com gordura”, conta Mairink.
Chef do restaurante Rústico, aberto em 2015 na rua Henrique Badaró Portugal, no bairro Buritis, também na capital, Marcella Paternostro informa que o torresmo da casa leva cachaça logo na preparação. Servido em tiras ou no mexido, ele ainda recebe sal e água antes de ir para o forno, onde permanece por quatro horas, e depois recebe um choque térmico. Outro atrativo do torresmo do restaurante são os acompanhamentos pouco usuais. “Servimos com geleia de abacaxi e pimenta ou limão à francesa, para pingar sobre a gordura”, diz Marcella, que não tem dúvidas sobre o sucesso do torresmo, inclusive fora do Brasil. “Não é à toa que a gastronomia mineira já ganhou vários prêmios internacionais”, exalta.
Experiências e inovações
Um cliente da Alemanha descobriu o torresmo pela internet e veio a BH somente para provar a iguaria. Já um casal de Nova York não resistiu e levou o petisco no voo de volta a seu país. E não se trata de um torresmo qualquer. A Mercearia 130, presente nos bairros Serra e Lourdes, é responsável pela criação do Picolé Mineiro, que tem agradado até aos paladares internacionais. Proprietário do estabelecimento, Marco Lucchese conta que a ideia surgiu com a intenção de criar um prato que fosse, ao mesmo tempo, a cara de Minas Gerais e da Mercearia 130.
“Pensamos em fazer o nosso torresmo, do nosso jeito. Antes se usava a barriga de porco, e nós passamos a utilizar a costela”, destaca Lucchese. E a pretensão não parou por aí. “Queremos que o Picolé Mineiro se transforme num patrimônio dos mineiros”, revela. O nome do prato, que pode remeter a algo doce, tem a ver, na verdade, com a maneira utilizada para degustá-lo, já que ele vem com o osso, que serve como espécie de palito.
Chef da Fürst Tap Room, bar especializado em cervejas artesanais no bairro Santo Agostino, Bruno Cajado também resolveu dar asas à imaginação. Há um ano ele criou o pastel de torresmo, que logo se tornou um dos mais pedidos na casa. “Antes de virar recheio de pastel, a barriga de porco vai numa marinada com cebola, alho, cenoura e pimentões, além da nossa própria cerveja. Depois ela fica mais 12 horas num tempero seco de especiarias, antes de ser assada em baixa temperatura por cerca de cinco horas. Em seguida, adicionamos uma mistura de queijo Minas meia-cura, e isso vai virar a pasta que recheia nossa massa de pastel, à base de cachaça”, elucida Cajado.
“Ao contrário do que se pode pensar, o sabor é bem suave, equilibrado, servido com geleia de laranja picante que preparamos na casa”, completa o chef, que tem uma tese para o sucesso do torresmo. “É uma experiência que mexe com as nossas papilas gustativas, trazendo de volta a memória daquela comida da vovó na roça”, conclui.
Torresmo, a origem
Há duas versões para a origem do termo torresmo, nenhuma delas comprovada, como, aliás, é típico das expressões populares. Uma delas conta que durante as noites de seresta, no Rio de Janeiro, os músicos não tinham muito tempo para comer outra coisa, a não ser tira-gostos. A outra versão afirma que a necessidade de ingerir algo salgado vinha logo depois de algumas doses de cachaça, o que exigia um portentoso tira-gosto.
Picolé Mineiro da Mercearia 130
Modo de preparo
Corte de costela suína com tamanho padronizado, em torno de 12 cm a 15 cm, incluindo a pele do porco, carne e osso (sendo o osso de tamanho um pouco maior que o da carne, justamente para se conseguir segurar com as mãos). Ele deve ser marinado e assado no forno por quatro horas a baixa temperatura (140°C), deixando a pele sem contato com a água, para desidratar e ficar sequinha. Após isso é necessário um período de descanso, antes de fritar por imersão a 180°C.
Preço: quatro unidades (peso in natura de 800 g) a R$ 48
Torresmo de barriga do Rei do Torresmo
Modo de preparo
Fatiar o toucinho de barriga em tiras. Para cada quilo, usar 25 g de sal refinado como tempero. Colocar na panela e encobrir com gordura. Adicionar uma dose de cachaça (50 mL) por cima do toucinho, para deixar mais pururucado. Ligar o fogão e mexer a cada 15 minutos. Após isso, deve se retirar o excesso de gordura. Para ficar pronto, leva-se em torno de uma hora e 40 minutos até duas horas, em fogão industrial.
Preço: R$ 13 a unidade; R$ 17 com acompanhamento de mandioca
Serviço
Borracharia Gastrobar
Avenida Afonso Pena, 4.321, Serra. (31) 2127-4321
Hofbräuhaus
Avenida do Contorno, 7.613, Lourdes. (31) 3021-9165
Bitaca da Leste
Rua Salinas, 2.421, Floresta. (31) 3789-3784
Rústico Cozinha Internacional
Rua Henrique Badaró Portugal, 143, loja 157, Buritis. (31) 3024-1993
Mercearia 130
Rua Bernardo Guimarães, 2.267, Lourdes. (31) 2555-3395
Fürst Tap Room
Rua Bernardo Guimarães, 2.612, Santo Agostinho. (31) 3335-7094
Rei do Torresmo
Avenida Augusto de Lima, 744, loja 166, Mercado Central. (31) 99302-9552