Se há uma sobremesa capaz de traduzir em camadas o requinte e a simplicidade da cozinha italiana, essa é o tiramisù. Cremoso, equilibrado e leve, o clássico doce à base de queijo mascarpone, café e cacau cativou paladares ao redor do mundo. E não é à toa: a receita ganhou tamanha popularidade que passou a ter um dia para ser celebrada. Todo 21 de março é marcado pelo Dia do Tiramisù, uma data criada para valorizar e preservar a receita clássica de um dos doces italianos mais famosos do planeta.

Por aqui, não é difícil encontrar versões fiéis à receita original, servidas em porções individuais ou em generosas travessas para compartilhar. A versão original do tiramisù inclui, além da tríade já citada – queijo mascarpone, café e cacau –, creme de leite batido, gemas, açúcar, cacau em pó e biscoitos savoiardi, conhecidos no Brasil como biscoito champanhe. Inclusive, a combinação de todos os ingredientes que dá sentido ao nome da sobremesa: a expressão italiana significa tiramisù significa “levanta-me” ou me “coloque para cima” em alusão da receita ser muito energética. 

No entanto, como toda receita clássica, a origem do tiramisù é cercada de mistérios e disputas regionais. A versão mais aceita remonta à cidade de Treviso, na região do Vêneto, nos anos 1960. Foi lá que, segundo registros históricos, o chef Roberto Linguanotto, da confeitaria Le Beccherie, criou a receita moderna do tiramisù, inspirando-se em sobremesas italianas mais antigas.

Mas entre a combinação de técnicas precisas e ingredientes simples, há um que se destaca pelas mãos do chef Marco Renzetti, responsável pelo Nino Cucina. De acordo com ele, a grande diferença está na escolha de uma bolacha crocante em vez da tradicional versão macia, criando um contraste mais interessante com o creme leve, preparado na hora do pedido. “Além disso, a receita leva mascarpone italiano e café espresso de qualidade, que são indispensáveis para garantir equilíbrio e sofisticação”, explica.

Nino Cucina: Ganache de chocolate faz parte da receita do tiramisù do chef Marco Renzetti. Foto: Sthepan Solon/divulgação

Embora respeite a tradição italiana, a receita do Nino traz adaptações que realçam os sabores e agradam ao paladar dos clientes, como as camadas que levam também ganache de chocolate. A leveza do creme evita que o doce fique enjoativo, enquanto o café, com seu leve amargor, proporciona um contraste essencial. Para o chef, o segredo de um tiramisù excepcional está na harmonia entre esses elementos e na escolha de ingredientes impecáveis.

Para Yves Saliba, chef da cozinha italiana do Pastaio, a beleza do tiramisù está na harmonia entre ingredientes simples e técnicas precisas. Seguindo os passos da receita tradicional, sua versão leva biscoitos champanhe embebidos em café espresso forte com um toque de licor italiano Amaretto. “Deixamos o biscoito secar um pouco para estruturar o creme de mascarpone com ovos”, explica o chef.

Aliás, o queijo mascarpone é produzido no próprio restaurante, e o creme ainda leva ovos e um toque de baunilha brasileira. O toque final fica por conta de uma generosa camada de cacau em pó polvilhado na superfície. “Historicamente, é uma sobremesa presente em 98% dos restaurantes italianos. Ela é extremamente equilibrada, tem a doçura do creme, o amargor do café e é a junção perfeita entre tradição e uma boa execução”, afirma.

Pastaio: Casa italiana do chef Yves Saliba ganhou uma versão com queijo mascarpone produzido na própria casa. Foto: Victor Schwaner/divukgação

 

Interpretações

Assim como mostram o Nino e o Pastaio, com o passar dos anos, surgiram diversas releituras, incorporando licores, chocolates, frutas e até versões desconstruídas. No entanto, os puristas insistem em manter a essência da receita original, respeitando a qualidade dos ingredientes e o equilíbrio de sabores – caso do Ninetto, feito de mascarpone com biscoito savoiardi, café expresso, nibs e calda de cacau.

Ninetto: Versão é feita com creme de mascarpone com biscoito savoiardi, café expresso, nibs e calda de cacau. Foto: Sthepan Solon/divulgação

 

É assim, seguindo também os moldes dá clássica sobremesa, é que o tiramisù é servido aos comensais no restaurante O Italiano. Com ingredientes frescos e apenas o chocolate importado, a receita segue a tradição: mascarpone, biscoito champanhe, café bem forte e licor. “O tiramisù foi, na verdade, o primeiro prato d'O Italiano, antes mesmo da inauguração do restaurante. A receita, criada pelo chef Alessandro Sofia, foi apresentada durante um almoço de teste, enquanto avaliávamos sua contratação para comandar a cozinha”, conta o sócio do restaurante Vinicius Veloso.

No entanto, recriar a versão perfeita exigiu ajustes precisos, especialmente na escolha do mascarpone, que precisou ser desenvolvido com o fornecedor para atingir o percentual de gordura ideal, similar ao italiano. Segundo os proprietários, o grande diferencial da receita está na qualidade dos insumos e no cuidado da confeiteira Soninha, que, desde a abertura do restaurante, monta cada camada com precisão. O resultado? Uma sobremesa que se tornou a mais pedida da casa, com cerca de 200 unidades servidas por semana.

O Italiano: Receita segue a tradição: mascarpone, biscoito champanhe, café bem forte e licor. Foto: Victor Schwaner/divulgação

Toque mineiro

A tradicional confeitaria italiana Mole Antonelliana, fundada em 1976, incluiu o tiramisù em seu cardápio recentemente. A ideia surgiu após a proprietária e chef Lorena Cozac viajar pela Itália em 2012. “Experimentei muitas versões do doce e, ao retornar, quis oferecer uma receita que trouxesse a sensação de estar na Itália”, conta. Hoje, o tiramisù, servido em formato de torta, é a sobremesa mais popular da casa.

A receita leva pão de ló caseiro umedecido com licor de café, café espresso, creme de mascarpone e cacau em pó. “No Piemonte, o doce é apresentado como uma torta em tabuleiro, e adaptamos esse formato”, explica Lorena. O mascarpone, ingrediente essencial, é produzido no Sul de Minas Gerais. “Esse é um item do qual não abrimos mão, em hipótese nenhuma”, enfatiza a chef.

Mole Antonelliana: Sobremesa faz o maior sucesso na confeitaria italiana em BH. Foto: Stael Castelli/divulgação

 

Queijo mineiro também é inegociável para o chef Caio Soter. Para o novo menu do restaurante Pacato, ele “amineirizou” o doce italiano, fazendo sua própria leitura regional. No lugar do biscoito ou pão de ló, o chef usa broa de milho verde e creme de queijo Giovanna, produzido pela empresa Ribeiro Fiorentini, de Governador Valadares. "Traz uma personalidade oposta à do mascarpone, que é o queijo tradicionalmente usado nessa receita. Isso dá um toque único ao doce, adicionando notas de maturação que remetem ao sabor característico dos nossos queijos do estado", diz o chef. Para polvilhar, o cacau em pó cede espaço para a castanha de pequi ralada. 

Pacato: Tiramisù Mineiro traz releitura regional do clássico italiano com broa de milho verde e castanha de pequi ralada. Foto: Victor Schwaner/divulgação

 

Itália oriental

No restaurante oriental Okinaki, em Belo Horizonte, o tiramisù ganhou uma versão inusitada com sabor de matchá. Feito a partir de folhas de chá verde moídas, o matchá é um ingrediente essencial na culinária japonesa, conhecido por sua vibrante cor verde.

“Nossa versão do tiramisù mantém o café para umedecer o biscoito de champanhe, mas substituimos o cacau em pó pelo matchá entre as camadas de creme de mascarpone”, explica o chef e sócio Guilherme Furtado. “O sabor herbáceo do matchá, combinado com a intensidade do café, realça os outros elementos da receita e adiciona um amargor especial que harmoniza perfeitamente com a cremosidade”, explica.

O resultado, ao paladar, é uma combinação equilibrada de sabores: a suavidade e doçura do creme de mascarpone se fundem ao sabor distinto e levemente amargo do matchá, criando uma experiência capaz de conquistar até os paladares italianos mais tradicionais, acredite. 

Okinaki: Tiramisù ganhou uma versão inusitada com sabor de matchá. Foto: Kato/divulgação