Na audiossérie "Nem Só de Pão", uma produção da Rádio Novelo em parceria com a Audible, a chef Paola Carosella compartilha sua trajetória de forma inédita. Desencantada com a cozinha em determinado momento, foi na obra da ensaísta americana M.F.K. Fisher que encontrou um novo olhar sobre o ato de cozinhar. Ao longo de seis episódios, Paola entrelaça sua biografia às reflexões da escritora, abordando a relação entre tempo e gastronomia.

Em entrevista ao podcast "Fio da Meada", da Rádio Novelo, ela destaca um ponto fundamental:

“O encantamento da cozinha, a verdade da cozinha, está em que leva tempo. E eu preciso comunicar isso". A fala reflete um aspecto essencial da culinária: o tempo não é apenas um detalhe técnico, mas um ingrediente determinante na construção de sabores e tradições. No entanto, como transmitir essa ideia em um mundo acelerado, onde a pressa domina a rotina e a instantaneidade é a norma?

Aprender a Esperar: O Tempo na Panificação
Para Renata Rocha, da Albertina Pães, a paciência foi uma descoberta transformadora. Vinda do ritmo frenético da arquitetura de eventos, encontrou na panificação uma nova perspectiva sobre o tempo.

“Muitos acreditam que paciência é esperar passivamente. Para mim, paciência é aceitar os processos e agir paralelamente a eles".

Renata Rocha, da Albertina Pães. Foto: Studio Tertulia/divulgação

 

A fermentação natural foi seu grande aprendizado. Não há como apressá-la, e o único caminho para dominar a técnica é a observação constante. “É inútil tentar acelerar. A única forma de entender o processo é através da prática e da humildade”, afirma.

Esse tempo também se estende aos clientes. Na Albertina, toda a produção ocorre com 24 horas de antecedência, e há momentos em que é preciso explicar que o pão ainda não está pronto. “Mas vejo que as pessoas estão aprendendo a esperar, porque sabem que, se voltarem no dia seguinte, terão uma recompensa feliz.”

Tempo e Sazonalidade: O Respeito ao Ritmo da Natureza
A chef Ju Duarte, da Cozinha Santo Antônio, enxerga o tempo não apenas como parte do processo culinário, mas como um pilar cultural e social. Ao abrir seu restaurante, estabeleceu um princípio fundamental:

“O tempo é o nosso guia. O tempo da sociedade, da nossa vida em comunidade, da natureza e das memórias".

Para ela, compreender o tempo vai além do preparo dos pratos. Significa respeitar o ritmo dos ingredientes e valorizar a sazonalidade. O limão capeta, por exemplo, tem seu auge entre junho e agosto. Fora desse período, perde sabor e intensidade. “A tecnologia pode avançar, mas nada substitui um ingrediente colhido no momento certo". 

A mesma lógica se aplica ao momento da refeição. “Já está na hora de marcar reuniões para depois do almoço. Comer com calma não muda o mundo, mas pode mudar nossa relação com ele.”

O Tempo como resistência
A padeira Fabi Martins, da Polvilha, reforça que o tempo não apenas aprimora o sabor dos alimentos, mas é um ingrediente essencial por si só. A maturação do queijo, por exemplo, impacta diretamente a textura e o gosto do pão de queijo.

A chef e banqueteira Agnes Farkasvolgyi vai além e define tradição como uma construção do tempo. “Tradição é filha do tempo. Sazonalidade é o vigor do sabor, e é o tempo quem rege", disse.

A chef Agnes Farkasvolgyi. Foto: arquivo pessoal

 

Em um mundo pautado pela velocidade, chefs e padeiros resgatam o tempo como um ato de resistência. Mais do que uma escolha gastronômica, é um posicionamento. Para eles, a paciência não é inércia, mas um caminho ativo para a excelência. Assim como os melhores pratos, é preciso tempo para cultivá-la.