Mulheres à frente de cozinhas de espaços renomados que contratam mulheres para trabalhar neles. Assim são as chefs Cafira Foz, do restaurante Fitó, em São Paulo, e Bruna Martins, dos restaurantes Birosca S2 e Florestal, em BH. Elas foram as convidadas do painel “O fogo alto do empoderamento: o protagonismo feminino na gastronomia”, realizado nesta terça-feira (29), durante o primeiro dia do Seminário O TEMPO Gastrô, que acontece no Mercado de Origem de BH. A conversa foi mediada pela jornalista e curadora do evento, Lorena Martins.
No debate, as especialistas falaram sobre a experiência de estar à frente de cozinhas enquanto mulheres, enfrentando dores e dificuldades do gênero. Nascida no Ceará e criada no Piauí, Cafira contou que Fitó era seu apelido de infância, e, por isso, resolveu batizar o restaurante com ele. “Esta é uma lembrança da minha raiz sertaneja, nordestina. Gosto de dizer que o Fitó serve uma comida sertaneja brasileira, que já brincou muito, já se diversificou e tem ido muito para o sertão, trazendo esse movimento e essa urgência do que é o Brasil”, contou. Localizado em São Paulo, o restaurante, a propósito, já conquistou duas menções no Guia Michelin.
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Na sequência, a chef Bruna Martins se apresentou, destacando que a Birosca – ela chama o restaurante no feminino – nasceu há 12 anos sem muita pretensão. “Não tinha a ambição de ser chef. Queria um ambiente com a cara do bairro Santa Tereza, um espaço descomplicado para receber pessoas. No fim das contas, o restaurante foi tomando forma, recebendo pessoas, clientes e se tornando um espaço de encontro”, lembrou. À medida que o espaço foi crescendo, ela também percebeu com quem realmente poderia contar.
“Depois de passar 15 dias com dois homens na cozinha, percebi que deveria contratar mulheres. Isso porque tinha a sensação de que minhas fragilidades podiam ser divididas com outras mulheres, mas não com homens. Quando o restaurante começou, eu era uma menina e tinha a sensação de que poderia ser engolida se deixasse homens trabalhando comigo. Eu ainda não sabia o que era um menu degustação, por exemplo. Então, estar com mulheres sempre fez muito sentido para mim”, apontou.
Bruna destacou também a importância de contar com o serviço feminino na cozinha. “Quando contrato mulheres, abraço a vida e as limitações delas. Essas pessoas já passaram por maus bocados por serem mulheres, além das dificuldades que enfrentam no geral. Já passei por tantas coisas com elas, até lutar pela perda da guarda de um filho. E sinto que, talvez se fosse um homem à frente do restaurante, o acolhimento fosse muito menor”, enfatizou Bruna, que se prepara para lançar um novo restaurante em BH, o Gata Gorda.
Na conversa, Cafira contou que a sua jornada se parece muito com a da Bruna. “Me reconheci como chef somente na pandemia, e, a partir disso, entendi a importância da palavra acolhimento, que significa realmente focar em como posso servir como empresária dentro do meu espaço, com acordos justos para ambas as partes, considerando as dificuldades, principalmente de mães solo. Ser empresária é um quebra-cabeça, principalmente quando se leva em conta as estruturas que dificultam a vida das mulheres”, destacou.
Cafira comentou que uma das práticas para reconfigurar esse cenário foi justamente oferecer melhores condições de trabalho para as mulheres. “Percebi que o caminho é oferecer terapia e outros benefícios para que elas tenham mais adesão ao trabalho e permaneçam trabalhando. Meu papel é olhar para isso de forma diferente, como uma empresa faria, desdobrando essa estrutura internamente. Outros restaurantes também precisam fazer o mesmo para que essas estruturas se tornem realidade em todo o entorno, não se tornando um caso isolado”, avaliou.
Incertezas fizeram parte da trajetória de ambas as chefs
A jornalista e curadora do Seminário O TEMPO Gastrô Lorena Martins perguntou às chefs Bruna Martins e Cafira Foz se, antes de se estabelecerem como empresárias, desconfiaram da própria capacidade por conta de provocações diversas. “Confortável, a gente nunca está. Atualmente, tenho sócios homens, e a sensação de cobrança é muito grande. Muitas vezes vou conversar de igual para igual com um chef, e ele me dá um conselho, mesmo que eu não tenha pedido”, comentou Bruna Martins.
“Eu chegava a duvidar que eu poderia abrir um restaurante em São Paulo, mas sempre fui uma pessoa muito engajada nas coisas que gosto de fazer. Meus enfrentamentos foram comigo mesma e como eu me reconhecia como chef, o que só aconteceu na pandemia, quando morei no meu restaurante. Mandei todas as pessoas para a casa e fiquei lá no ímpeto de não querer fechar o meu negócio. Não me importo com a opinião do outro, e sim com o meu trabalho, com meu cliente e com a minha saúde mental”, falou Cafira Foz.
No painel, as chefs também falaram da importância de encorajar mulheres da equipe a fazer parte do processo de construção dos pratos, e, que, mesmo que o cenário possa parecer desanimador – apenas 7% das cozinhas dos restaurantes mais prestigiados do Brasil são chefiadas por mulheres, de acordo com o portal especializado Chef’s Pencil – vêm mudanças positivas, mesmo que tímidas, de abertura de mercado para chefs mulheres.