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Entrevista Ângela Dalben | O Abismo da Educação

Entrevista Ângela Dalben

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“Reabrir as escolas antes de outros estabelecimentos é um desenho possível”

Ângela Dalben, secretária de Educação de BH destaca desafio de reinventar a escola na pandemia e detalha estratégias desenvolvidas para reduzir impacto do ensino remoto

Por Izabela Ferreira Alves, 
Queila Ariadne, Rafael Rocha e
Tatiana Lagôa

Ângela Dalben

Ângela Dalben, secretária de Educação de Belo Horizonte

Com 200 mil estudantes e 16 mil docentes, a rede municipal de ensino em Belo Horizonte tenta se desdobrar para vencer obstáculos ao longo da pandemia. Uma cidade desigual, com professores desestimulados, muitas crianças e adolescentes sem internet de qualidade e alguns pais analfabetos.

Nesta entrevista, a secretária de Educação da capital, Ângela Dalben, rebate críticas sobre o modelo de ensino escolhido pela prefeitura e afirma que o coronavírus inundou o meio escolar de imprevisibilidade. Ela detalha as estratégias desenvolvidas pelo Executivo para diminuir o impacto do ensino remoto e diz que os professores foram penalizados. “Não foi um ano perdido, como muitos falaram”, acredita.

Sobre o retorno das aulas, Ângela explica uma mudança de postura na gestão municipal. “Reabrir as escolas antes de outros estabelecimentos é um desenho possível”, aponta.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Qual balanço a senhora faz após mais de um ano com escolas fechadas em Belo Horizonte?

Está muito difícil pensar na educação básica considerando o ensino remoto. Não imaginávamos que fosse ser tão longo assim. Eu trabalhei muitos anos formando professores, vejo a educação de modo geral, então temos experiências de países diferentes do nosso que não têm as desigualdades sociais vividas por nós. Quando você fala da educação que acontece nos lares com condições materiais diferentes, você vai ter lares com toda condição de ensino remoto virtual e digital e lares sem a mínima condição, (sem) adulto que possa mediar um roteiro de atividades escolares que vai no papel, como temos feito (...), porque o adulto não é alfabetizado, e não contávamos com isso. Então há concepções diferentes para resolver problemas imprevisíveis, essa imprevisibilidade é muito grande. Imaginávamos retornar em junho, depois setembro, fevereiro… A sensação é que estamos reinventando, mas sempre voltando para trás com muita frustração. Outro ponto é em relação às desigualdades sociais. A gente parte do pressuposto de que a rede privada tem mais condições que a rede pública, mas acho isso também equivocado. Nenhuma família estava pronta para ter um computador por criança, uma carga horária de quatro horas em casa, então estamos vivendo desafios extraordinários. A sociedade, já exausta e cansada, cobra de nós posicionamentos, mas é muito complicado. Temos tentado fazer experiências, mas num campo de muito pouco controle para saber exatamente se o que estamos fazendo vai atingir todas as crianças.

As estratégias da prefeitura têm sido eficazes nesse cenário?

Estamos reinventando a escola durante a pandemia. Nenhuma criança, adolescente ou professor pode deixar de ser atendido. Nossa primeira preocupação foi com a alimentação das crianças, então fizemos a cesta básica para estudante. Existiu muita dificuldade de acesso aos endereços, foi mesmo uma operação de guerra. Depois fizemos cestas pedagógicas com materiais de escola. Nas primeiras ações de vínculo (escolar), fizemos os primeiros contatos pelo WhatsApp, redes sociais e bilhetes, porque o aluno estuda num raio de até dois quilômetros de casa, então é fácil a família ir até o portão da escola. Estávamos na esperança do retorno, mas aí chegamos em junho sem possibilidade. Começamos ação mais sistematizada para construção de nova proposta curricular, então veio o mapa socioeducacional. Isso está nos direcionando até hoje. 

Como esse mapa funciona?

(Por ele) você observa as fragilidades, seja na conexão (de internet), muitos professores não estavam preparados para ensino remoto e ensino a distância virtual. Então esse mapa tem o desenho claro dos dados que tínhamos. Cada escola e as creches parceiras fizeram o mapa, sobre condições dos estudantes e professores, se tem internet ou não, se é possível usar o celular. Verificamos que celular e rede social é o que há de mais forte em termos de comunicação, para quem temos que mandar impresso, se o adulto na casa pode mediar as atividades que a escola vai oferecer, então o mapa é um consolidado sobre a vida do estudante para consolidar a proposta de ensino. No final do ano, por meio dele, fizemos busca ativa, os estudantes que não interagiam nem davam devolutiva das atividades. Vimos que alguns estudantes não devolviam (os exercícios) de jeito nenhum. Fomos atrás deles presencialmente, conseguimos buscar muita gente. Havia dúvida na família se deveria devolver ou não, alguns não sabiam que tinha que devolver. Em janeiro essa busca ativa foi intensa também. Vimos que tem que ser uma ação permanente para aqueles que são mais vulneráveis. Esse mapa nos serviu de referência e nos mostrou que tínhamos que trabalhar com metodologias diferentes para conseguir interagir e dialogar com os alunos, mas com proposta curricular que atendesse todo mundo. Verificamos que a forma mais adequada seria pelo roteiro de atividades, impressos e encaminhados a todos, mas poderia ser encaminhado pelo computador ou celular, para não precisar de a família ir à escola. Então a forma de interação poderia ser diferente, mas todo mundo iria receber os roteiros. 

Encontramos familiares, estudantes e professores reclamando desse modelo. Alguns dizem que as ações foram falhas. Como a senhora avalia essas críticas?

São mais de 16 mil professores na rede municipal. Com as lives e reuniões online nós conversamos muito. Outras redes (de ensino) trabalharam no estilo delas. A rede privada, por exemplo, transpôs as aulas presenciais para o ensino síncrono. Houve pessoas perguntando se os alunos vão ficar à toa e se a secretaria não vai trabalhar, mas por que as pessoas perguntam isso? Porque elas não estão conseguindo entender que a experiência de algumas redes é própria delas. Nosso mapa socioeducacional nos disse que temos que entender que nem todo mundo vai ter condições de ensino remoto virtual, então tem que encontrar saída para ensino remoto analógico, com base em papéis. A escola está se reinventando para o tempo todo interagir com seus alunos. As famílias são diferentes, precisamos de mais apoio para estimular as famílias a entregar os materiais, entender como a família está interpretando tudo isso que está acontecendo e não perder o vínculo com a escola. Vislumbramos um tempo ainda grande nesta pandemia. Temos 200 mil crianças e adolescentes só na rede pública de BH. Não foi um ano perdido, como muitos falaram. O acompanhamento sistemático é a grande questão, por isso estamos com formação continuada permanente. Compramos mais impressoras, fizemos impressoras regionais, a editora da prefeitura nos ajudou nisso, mas sabemos que 30% dos estudantes não têm condição nenhuma (de ter internet). O roteiro (enviado pelas escolas) inclui atividades como assistir a um filme, ler um livro, algo que traga dinamismo. Não são apenas atividades escolares. 

E como superar essa carência tecnológica da cidade?

A busca ativa vem nesse sentido. Entramos em licitação para (comprar) 45 mil tablets, mas veio outro desafio: temos um mercado saturado, (há falta) de componentes digitais. Isso já deveria estar nas nossas mãos, mas só conseguimos 2.000 unidades. Estamos atrás da compra de chips para fortalecer os celulares das famílias. Outro dia tivemos um juiz que ofereceu a possibilidade de recebermos um conjunto de celulares (apreendidos com detentos). Eles foram resetados, e doamos aos estudantes no mês passado. 

Nós assumimos uma posição diferenciada. A rede estadual trabalha com alunos mais velhos, do nível médio, e tinha preparação para o Enem. Usaram o PET (Programa de Estudos Tutorados), usando televisão, totalmente orientados a distância de uma forma padronizada. Acho que é possível de ser feito no ensino médio, mas não é o modelo que você deve usar com estudantes em processo de formação. Não é o modelo que eu acho adequado para nós quando pensamos em duas faixas etárias centrais, que é a infância, de 0 a 8 anos, quando esse modelo é impossível, e de 9 a 14 anos, que precisa de mediação do professor. Isso fez com que nós esperássemos nossa alternativa. A rede privada fez uma opção e falou: “Família, se vire e arranje computador para seu filho, porque nós vamos continuar as aulas que tínhamos presencialmente pela via virtual”. Eu não tinha essa alternativa nem seguiria essa alternativa, porque eu sou professora de didática e acho que falta didática nesse desenho. O ensino síncrono não foi a orientação do Conselho Nacional de Educação. O drama da pandemia é a ausência de possibilidades de controle. Mesmo quando você tem o aluno na frente da tela, você não sabe. É uma injustiça dizer que não fizemos nada. Às vezes você precisa de um adulto ajudando, mas não tem. Vamos fazer impressão de material para alunos de 6 a 7 anos para garantir o processo de alfabetização. Os relatórios (de atividades) continuam sendo enviados na Onda Roxa (fase mais restritiva do programa Minas Consciente). Estamos pensando em comprar computadores para professores. Mas nós não temos escolas sucateadas. Essa conversa, que vem às vezes de sindicato, não é verdade, isso é algo muito sério. A rede municipal tem orgulho de nossas escolas. Vamos fazer um álbum de fotos e colocar no portal da prefeitura.

Temos que integrar as tecnologias em nossa vida, a conectividade nas cidades tem que ser total. Os serviços já são assim, mas tem que prever isso para a escola, dar salto qualitativo nesse déficit. Fazer aulas mais interessantes, que o aluno consiga visitar sites, ver filmes, e não ficar na mesmice. Todas as escolas vão ter que dar uma guinada. O para casa não tem que ser só na escrita, pode desafiar o aluno a buscar um site e trazer algo diferente no dia seguinte, isso favorece uma dinâmica muito maior. A formação virtual do professor chegou para ficar. Chegamos ao mundo digital, que era o que queríamos, então eu não vejo tão negativamente, mas ainda não temos todo mundo conectado.

Mas já estamos com um ano sem escolas abertas. Essas ações não poderiam ter sido feitas antes?

Não, pois não imaginávamos chegar a essa situação. O Conselho Nacional de Educação patinou na hora de definir regras, nem colocaram hipótese alguma do meio digital. Não existe uma orientação única do governo federal, embora sigamos o Conselho Nacional de Educação, que é um órgão muito importante para nós e trouxe resoluções que inspiraram nossas portarias (municipais). E quem entrou no digital antes do tempo está se saindo muito mal, não foi exitoso. As crianças da rede privada estão ficando horas na tela, e isso não está adequado. Não (concordo com) você ter aulas síncronas o tempo todo. Eu penso que a tela tem o seu lugar, mas não é você transportar uma sala de aula para a casa do estudante olhando a tela o tempo todo. É você usar a tela como suporte e apoio para as atividades de estudo. Numa live de 15 minutos, a professora explica: “Olha, pegue seu livro, faça as atividades, depois a gente se reúne novamente”. Então eu preciso da conectividade com o aluno, que é importante, mas em alguns lugares de BH eu não tenho isso. Isso dificulta a lida, mas não significa que não estamos trabalhando. Não gostei das propostas que vi na rede privada ou na rede estadual. Nós criamos outra coisa, e acho que criamos bem.

Agora eu queria falar um pouco dos professores. Eles estão muito penalizados, porque não estavam preparados para ficar na tela cinco horas por dia. Eles ficavam em sala de aula com as crianças, usavam quadro. Todas as propostas metodológicas são falhas, porque ninguém estava preparado para isso. Estamos investindo muito em formação, tem essa fragilidade que o professor está vivendo. Tivemos grupos de mediadores que foram até a casa de professores para ensinar sobre o uso de tecnologia. Ele está sendo muito criticado. O aluno larga o professor sozinho, sai da tela. A mãe fica nervosa com o filho, cria um estresse, e esse estresse é negativo para a educação, porque cria uma coisa ruim. A educação está muito vulnerável e demandando mais conectividade. Precisamos também ter olhar atento ao que é falado, estamos precisando muito de empatia. 

Quando as aulas presenciais serão retomadas na capital?

Eu estou preparada para voltar desde junho do ano passado. As escolas estão bonitas, limpinhas, mas quando vai voltar? Eu não sei, mas temos que trabalhar com a imprevisibilidade. Essa é a palavra de ordem.

Mas quando será a volta das aulas é a pergunta de ouro, (para) quem souber a gente dá um troféu. Estávamos preparados para o retorno em fevereiro, mas as novas cepas vieram de uma forma muito desagradável. Hoje nós estamos preparados para retorno dentro dos protocolos definidos pela prefeitura, só para educação infantil. Para mais de 9 anos não há previsão. Universidade nem se cogita, somente no segundo semestre, mas com as cepas novas não sei o que virá. 

E como será o modelo desse retorno?

Com agrupamentos pequenos, de seis ou sete alunos, cada professor com um grupo. É uma bolha que não interage com outras, vamos ao banheiro ou parquinho juntos, a saída é intercalada. Se aparecer alguém com febre ou sintoma, a bolha é suspensa, as demais continuam. Crianças menores poderiam visitar as escolas uma vez na semana, com alternâncias, para que as crianças comecem a se adaptar e querer voltar. É uma fase de adaptação ao retorno, e para isso estamos prontos. Os professores com comorbidade não voltarão, mas a imprevisibilidade me assusta. Eu não gosto de criar expectativas do que não vai acontecer. Em São Paulo teve escola que retornou, mas depois voltou (a fechar). Quando isso acontece, a criança fica muito decepcionada. E quando ela vê que não pode brincar como antes, é muito ruim. 

Antes a prefeitura dizia que as aulas não deveriam retornar tão cedo. Então houve uma mudança de entendimento?

Agora mudamos nossa concepção, porque está demorando muito. A discussão que temos feito e levado ao comitê (de enfrentamento da Covid-19), e eles estão estudando, é de prioridade às escolas. As escolas têm muitos trabalhadores, e isso cria um movimento muito grande, aumenta muito o deslocamento social, então voltar (a abrir) as escolas antes de outros (estabelecimentos) é um desenho possível, mas a imprevisibilidade é palavra de ordem. Não temos certeza do que vem, estamos vivendo uma guerra dramática. 

Como resgatar esse aluno que desistiu de estudar durante a pandemia?

Criamos o Programa Contínuo de Atenção Individualizada. Há limitações na busca ativa, pois precisamos de estímulo interno na casa dos estudantes, alguém que chegue em casa e entenda o que acontece naquela família, junto com o Conselho Tutelar. Selecionamos uma OSC (Organização da Sociedade Civil) para esse trabalho. São 10 mil estudantes dos quais precisamos de mais informações. Não queremos pessoas que passaram pela escola e ficaram perdidas. Isso vai durar 18 meses, teremos relatórios mensais. Começou neste mês com um desenho de 61 escolas com 40 mil estudantes, para fazermos a seleção.

Quais tipos de danos esse período sem aulas presenciais vai causar?

Você vai ter déficits de conteúdos de aprendizagem que você esperava que as crianças tivessem, e não tiveram condições de adquirir, mas elas aprenderam outras coisas. As crianças estão sendo obrigadas a falar de coisas que não sejam fantasias e super-heróis, então as crianças estão aprendendo coisas diferentes. A primeira ação da escola (quando reabrir) tem que ser uma conversa diagnóstica, uma rodinha. Vamos conversar sobre o que você aprendeu, envolver a área emocional, afetiva e até física. Tem crianças que ficaram presas em casa, que não brincaram, que precisam se movimentar mais quando chegarem à quadra da escola. Nesse ponto eu discordo quando as escolas seguem parâmetros rígidos. Os parâmetros da educação vão ter que ser alterados. 

 

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