As mensagens carinhosas que chegam de todo o país não só servem de alento ao bombeiro Luciano Rangel, 28, como o fazem ter a convicção de que, mesmo já tendo partido, o labrador Barney continua a lhe ensinar, e muito, sobre o amor. “Ele me inspirou a ser um ser humano melhor – ou, digamos, menos pior. Me fez ver que todos nós temos muito a aprender. Se eu tivesse que fazer agora um balanço sobre a minha carreira, diria que já valeu só pela nossa parceria”, diz Rangel, que, para eternizar o amor por Barney, fez uma tatuagem com o rosto do cachorro farejador, que tinha 3 anos.
Barney tornou-se conhecido dos mineiros por atuar, no início do ano, nas buscas aos desaparecidos na tragédia de Brumadinho, região na qual passou cerca de 30 dias. No início deste mês, todo o país acompanhou, consternado, o desenlace trágico de uma busca que consumiu dois dias: no dia 5, o corpo do animal, que havia desaparecido no dia 3, após pular em um rio na cidade de Içara, em Florianópolis, foi localizado. Lá, ele atuava nas buscas por uma pessoa desaparecida – e a hipótese mais provável é a de que tenha pulado para indicar onde estava o corpo, mas não conseguiu mais emergir.
Após uma cerimônia fúnebre, o corpo do animal foi cremado, sendo as cinzas entregues a Rangel, que com Barney formava dupla no Corpo de Bombeiros de Santa Catarina. Vale lembrar que, naquele Estado, o animal passa a residir com seu parceiro, e não no quartel. Dono de outros dois cães SRD, Rangel já estava imaginando uma homenagem nesse sentido quando foi procurado por um tatuador, que se prontificou a fazer o trabalho. “A repercussão foi muito grande. Costumo dizer que as minhas redes sociais viraram dele, do Barney”, diz Rangel, ainda emocionado.
A ideia de eternizar a relação de amor e fidelidade firmada com os animais por meio de tatuagens é uma prática que já há algum tempo vem arrebanhando adeptos. E, vale dizer, nem sempre diz respeito a melhores amigos que já se foram.
Publicitária e pesquisadora na área de comunicação, Gracila Vilaça e o marido, Humberto Assis, resolveram tatuar o contorno das carinhas das duas cachorrinhas do casal – a beagle Olga, 6 anos, e a SRD Dulce, 3 – nos dedos, simbolizando as alianças da união. “Quando decidimos usar alianças, a gente já foi logo pensando que seria algo mais simbólica, menos tradicional, condizente com o nosso perfil. Depois de um tempo, veio a ideia da tatuagem”, lembra ela. Como são duas meninas, e o espaço disponível para os traços, no caso dos dedos, é mais limitado, o jeito foi usar os dois dedos anelares – tanto o esquerdo quanto o direito.
Em tempo: Gracila diz que muitas pessoas nem percebem que as tatuagens nos dedos fazem as vezes de alianças. Mas o casal não se importa. “É uma coisa minha e dele. A gente entende que é um laço entre nós, e para sempre”, pontua ela.
Virou profissão. Se uma “Olga” foi uma das inspirações de Gracila, uma cadelinha homônima fez Augusto Molinari, 31, dar uma guinada profissional: foi a partir do desejo de ter o rosto dela tatuado que ele acabou virando... tatuador! A labradora, ele ganhou de sua primeira namorada, em 2003. “Ou seja, ficou 15 anos comigo”, diz, referindo-se ao fato de Olga ter partido em 2018. Após a perda (“a pior semana da minha vida”), Augusto logo pensou na tattoo, mas, ao se deparar com os custos, resolveu ele mesmo conduzir o processo.
Predileção pelas tattoos com história
Augusto Molinari já trabalhava há tempos com ilustração. Por isso, quando decidiu ele mesmo fazer o traço reproduzindo o rosto de sua cadela Olga, não encontrou tanta dificuldade. Apesar do processo doloroso, o moço tomou gosto e acabou virando tatuador. Hoje, não nega sua predileção pelo que chama de “tatuagem afetiva”, ou seja, feita a partir de uma história que envolva sentimentos – como a dele com Olga.
Morando com sua mãe, Augusto conta que os dois ficaram tão abalados com a partida da labradora que chegaram a pensar em nunca mais ter um animal. Até que, no meio do caminho, apareceu Miojo, mescla de labrador e border collie. “Ele acabou trazendo luz de volta à casa, é afetuoso, brincalhão”, descreve.
Claro, não substitui Olga, cujas feições estarão para sempre registradas em sua perna. “Eu dormia com ela, sentia um amor incondicional. Quando se foi, ficou um vazio – e, no caso, fazer a tatuagem foi, de certa forma, libertador”, analisa.
Bonny, amizade para toda vida
O locutor Marcos Pereira, 37, não consegue conter o choro ao contar à reportagem a história de sua amizade com Bonny, hoje eternizada em uma tatuagem no braço. O cãozinho surgiu na vida dele em 2007, quando, ao pesquisar no Google, Pereira, que mora em Coronel Fabriciano, se deparou – e se encantou – com a mistura de poodle com maltês. Até ali, a lida com cachorros estava atrelada à infância – no caso, a animais soltos, criados no quintal de casa.
Em 2012, quando seu primeiro casamento acabou, a tutela de Bonny ficou delegada a ele. Três anos depois, ao se casar de novo, fez questão de deixar claro à mulher, Patrícia, que jamais abriria mão do cachorro. Para sua felicidade, ela não só assentiu, como se desdobrou em carinhos com Bonny. Tudo corria bem até que, em maio de 2018, ao fazer um carinho no animal, Marcos notou um caroço. “Corri à clínica veterinária, onde indicaram a biópsia”, lembra. Ao ser chamado a comparecer ao local, ele foi informado de que era um linfoma. “Chorei ali, na frente dela, que me acalmou, falando da quimioterapia. Na verdade, não conhecia nada desse universo”, reconhece. As primeiras sessões tiveram ótimo resultado, mas, infelizmente, na sequência, Bonny não resistiu, ficando só a saudade.
Tributo também em forma de clipe
Mais de uma vez, diante da dor da perda de seu Bonny, o locutor Marcos Pereira escutou a frase: “Mas é só um cachorro!”. “Na verdade, são poucas as pessoas que entendem (o sentimento). As sessões de quimioterapia, por exemplo, eram caras, mas, se fosse para salvá-lo, eu seguiria pagando, mesmo que me endividasse todo, que ficasse só com a roupa do corpo”, afiança.
No entanto, o animal foi, aos poucos, sucumbindo à doença, e ficando cada vez mais debilitado. “Costumo dizer que outubro de 2018 foi o pior mês da minha vida. Nunca imaginei que ia me despedir do meu melhor amigo”, constata.
Emocionado, Pereira compôs uma música para o cão, gravada com o acompanhamento de um piano. Na sequência, veio um clipe, com imagens do cão em várias fases. “Hoje, já são mais de 3.000 views”. No dia da tatuagem, no estúdio, ele conta que teve uma queda de pressão abrupta, que credita ao emocional. Nas redes, a tattoo repetiu o sucesso do vídeo.
Ah, sim. Recentemente, o casal se animou a ter outro animal, Bruce. “Mas não há um só dia que não me lembre do Bonny”, admite.