O meme que invadiu a internet nos últimos tempos mostra uma mulher grávida aos 30 anos, com a seguinte legenda: “Gravidez na adolescência”. A brincadeira revela uma percepção que se tornou comum na sociedade, de que “os 30 anos são os novos 20”, afinal de contas é nessa idade que muitas pessoas têm se dedicado a conquistas que antigamente ocorriam bem antes.

A psicóloga e sexóloga Bruna Belo observa a forte presença da influência cultural por trás dessas decisões. “Se perpetuou o mito de que os 30 anos são a idade do sucesso”, diz ela, recorrendo ao filme “De Volta aos 15”, em que a protagonista, vivida por Maisa, retorna à sua adolescência ao completar 30 anos.

De acordo com expectativas sociais correntes, normalmente impostas de fora, essa seria “a idade em que a pessoa já estaria casada, com filhos e uma carreira estabilizada, o que se verificava, em larga medida, na época dos nossos pais e avós”, observa Bruna.

“A gente sabe que nem todas as sociedades têm esse período de fim da adolescência e início da vida adulta tão delimitado. Para a nossa sociedade, se entendia que, aos 30 anos, todas essas questões já estariam resolvidas”, completa. Hoje em dia, a psicóloga percebe que “a conquista desses marcos tende a se iniciar a partir dos 30”. “As pessoas que hoje têm 30 anos possuem uma visão muito diferente”.

Ciclos

Segundo ela, é nesse período que muitos optam por uma mudança de carreira, decidem dar novos rumos a seus projetos e abraçam sonhos esquecidos no passado. “Hoje rola até um pertencimento dessa galera dos 30, que tem percebido que não tem problema esses marcos acontecerem mais tarde. A vida é circular e a pessoa pode conquistar as coisas na idade que ela desejar”, sustenta Bruna, para quem os 30 anos podem marcar “uma fase de autoconhecimento e liberdade”.

“É como se fosse a adolescência da vida adulta, porque as pessoas já passaram pela fase de experimentar”. A psicóloga afirma que é fundamental ter em mente os recortes sociais. “Claro que existem grupos mais vulneráveis, que vão experimentar os 30 anos de maneira diferente. Estamos pensando em pessoas de classe média, que, entre os 20 e os 30, cursaram uma faculdade, tiveram um estudo formal”, destaca.

Ela percebe que, nessa geração, é comum um foco maior na carreira, em detrimento de conquistas familiares que antes ditavam a norma. Nesse recorte, o aprimoramento profissional, muitas vezes exigido pelo mercado de trabalho, adiaria planos de casamento e filhos. “A gente vê muito a chamada ‘geração canguru’”, diz Bruna, referindo-se ao fenômeno dos filhos que “permanecem morando com os pais ao alcançarem determinada idade”.

Canguru

Normalmente, o que leva a essa escolha é a dedicação a várias atividades e o custo cada vez mais elevado de se morar sozinho. “Continuar na casa dos pais gera esse conforto, principalmente financeiro”, pontua Bruna. Esse é o caso da advogada Marcella Araújo, 35.

Além de atuar na área profissionalmente, ela cursou um mestrado nos últimos anos em Direito do Trabalho, o que tornou “impossível a ideia de uma mudança” da casa dos pais. “Tive que conciliar muitas coisas ao mesmo tempo, e toda essa lógica ficou complicada para mim. Está tudo muito caro”, afiança Marcella. Formado em Ciência da Computação, Daniel Contarini, 38, trilha um caminho parecido.

“Fiz as contas e percebi que, morando sozinho, eu teria que praticamente pagar para continuar trabalhando”, brinca Daniel. A frase em tom de deboche, no entanto, expõe uma realidade séria, de uma geração que reúne cada vez menos condições materiais de se sustentar sozinha, ainda que pertencente a uma privilegiada classe média e com emprego formal.

A psicóloga Bruna Belo sublinha que “mesmo que seja uma ‘geração canguru’, ao chegarem aos 30 anos essas pessoas já possuem uma maior autonomia”. “A pessoa passou por experiências que a levam a ter essa consciência de si mais desenvolvida, pela própria idade, o que talvez explique esse ‘balanço’ feito aos 30”, diz.

Reflexão

De acordo com Bruna, a atual geração dos 30 anos viveu uma espécie de transição entre “o mundo desconectado e a conexão em tempo integral que nos rege atualmente”. “Vive-se muito essa história de ter uma pressão externa, e, ao mesmo tempo, saber que pode ser diferente”, analisa a psicóloga, que considera essencial questionar “porque a gente internalizou que aos 30 anos devemos refletir sobre nossas conquistas e fracassos?”.

“Porquê não aos 25, 27, 34, 42? O quanto isso representa um contexto cultural, social e muitas vezes mercadológico?”, questiona. A resposta, para Bruna, está na diversidade. “Cada pessoa tem as suas próprias metas e valores”. Essa visão mais flexível auxiliaria, inclusive, a alcançar determinados objetivos que podem ficar estanques, “simplesmente porque a pessoa chegou aos 30 e acha que está atrasada, e então deixa de perseguir os seus ideais”, opina a psicóloga.

Além de “sair um pouco dessas amarras de números”, a especialista sugere “fugir da lógica do esperado”. E diz que, em alguns casos, é necessário recorrer à ajuda terapêutica. Afinal de contas, parafraseando poetas, músicos e românticos, a vida está aí para ser inventada. “Os 30 anos podem ser uma porta aberta para muitas coisas, ao invés de uma camisa de força em que a gente cumpre expectativas alheias”, sugere a psicóloga.

Relacionamentos saudáveis são essenciais

Para vencer a angústia de não conquistar, aos 30 anos, planos relacionados à carreira e vida familiar, a psicóloga e sexóloga Bruna Belo vê como preponderante a “criação de relacionamentos saudáveis, e não apenas amorosos ou sexuais, mas de uma forma geral”.

“Construir relações positivas, que agregam a perspectiva de pertencimento e aceitação, colabora muito para uma vida saudável em todos os aspectos, tanto emocionais quanto psicológicos”, afiança a especialista, que advoga pela força desse “senso de propósito”.

No caso de a pessoa chegar aos 30 anos com a impressão de que nada do que fez até ali carrega esse sentido amplo, particular e individual, Bruna acredita que é, sim, o momento propício “para realizar uma revisão de suas crenças e perspectivas”.

“O importante é que isso não seja imposto de fora para dentro, mas como resultado de um autoconhecimento, que coloque em primeiro plano as vontades dessa pessoa”, analisa. De acordo com a psicóloga, a felicidade não reside em um ponto inerte a ser alcançado, mas é “consequência de um conjunto de ações ao longo do tempo”, conclui.