Que o diálogo é a base para qualquer relacionamento saudável e duradouro não é segredo para ninguém. Fechar os ouvidos ao outro ou deixar de transmitir à parceria aquilo que se pensa ou sente pode acarretar uma série de problemas, como desgaste da relação, distanciamento, brigas constantes e falta de intimidade. E quando essas adversidades tornam-se recorrentes, há grandes chances de a relação chegar ao fim.

“Um casal que não investe em diálogo corre o risco de entrar em um ciclo de repetições baseadas em situações e comportamentos antigos, vivendo e revivendo experiências muitas vezes disfuncionais e desagradáveis, sem conseguir mudanças, e, consequentemente, provocando desgaste e insatisfação de uma ou ambas as partes”, analisa a psicoterapeuta clínica Flávia Rocha Cabral.

Mas, afinal, sobre o que os casais conversam? Existem temas proibidos em uma relação? Quais são os assuntos presentes no cotidiano de um casal? A reportagem de O TEMPO foi às ruas com esses questionamentos, e as respostas foram diversas, mas houve uma unanimidade: não existe assunto que não possa ser discutido.

Os filhos são o tópico mais debatido no relacionamento da confeiteira Aline Oliveira de 42, anos, casada há 15. “Tenho duas filhas, uma adolescente e outra pré-adolescente. Então, elas são o assunto mais comum”, aponta. O mesmo se repete na casa do comerciante Alexandre Olímpio de Oliveira, de 49 anos. “É natural que conversemos sobre coisas do dia a dia, preocupação com os filhos”, pontua ele, que é casado há 27 anos. 

Entretanto, manter uma comunicação aberta nem sempre é fácil, especialmente quando um casal tem diferentes valores e princípios sobre a criação dos filhos, por exemplo. “Cada indivíduo vem com sua bagagem histórica e cultural diferentes. Por isso, é fundamental que cada um saiba a hora de falar, e, principalmente, de ouvir de forma ativa o que o outro apresenta", comenta. 

"Quando essa troca não acontece ou se restringe ao interesse de uma das partes, há um desequilíbrio na relação. A diversidade nas conversas de forma interessada nutre a necessidade de cada um e dá a oportunidade de maior desenvolvimento e clareza nos seus pedidos e acordos. Isso contribui para uma comunicação mais assertiva e para indivíduos mais seguros”, indica Flávia.

Já os momentos de relaxamento foi o assunto listado como predileto pelos ouvidos pela reportagem de O TEMPO. O produtor cinematográfico Luiz Fernando Elencar, de 48 anos, contou que adora dividir planos de viagem com a mulher, com quem está casado dá 23 anos. “O legal não é só a viagem em si, mas o planejamento dela. Dá uma sacudida na relação muito boa”, comenta.

O comerciante Alexandre Olímpio de Oliveira concorda. “O melhor assunto é, certamente, o lazer. Falar sobre isso é muito bom!”, diz. A sexóloga somática Tami Bhavani destaca a importância de incluir assuntos prazerosos no dia a dia de um casal. “É muito forte o impacto provocado pelo ato de conversar com seu parceiro sobre assuntos diferentes e conseguir ouvi-lo. Quando um casal aprende a se comunicar com o outro sem se sentir julgado, existe aprendizado sobre o outro muito grande, como as suas preferências, inclusive no contexto sexual”, aponta Tami.

Como conversar sobre temas difíceis?

O assunto para se ter a dois mais difícil apontado pelos entrevistados pela reportagem de O TEMPO foi a administração dos recursos financeiros. Maria Auxiliadora Pinho Soares, de 57 anos, que trabalha com apoio educacional, conta que nem sempre é fácil falar sobre dinheiro com o companheiro, com quem está junto há 33 anos.

“O diálogo com ele é meio difícil, porque os homens são mais fechados. Então, depende muito da mulher para ter uma convivência boa”, comenta Maria Auxiliadora. “A questão financeira foi um problema para nós. Então, no início do relacionamento, foi bem difícil, mas trabalhamos juntos um do outro para galgarmos as coisas que desejamos”, afirma o produtor cinematográfico, Luiz Fernando Elencar, de 48 anos.

Em momentos assim, a psicoterapeuta clínica Flávia Rocha indica seguir algumas ferramentas da comunicação não-violenta, desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg. “Em poucas palavras, a comunicação não-violenta consiste em observar a situação real sem julgamento, identificar o sentimento que essa situação provoca em você, e, partir desse sentimento, perceber qual a necessidade existente ligada à dele. Por último, comunicar e fazer um pedido claro a partir da necessidade percebida”, recomenda. 

A sexóloga Tami Bhavani sugere, ainda, perceber o próprio comportamento em uma relação para saber como agir. “Às vezes, nos comunicamos com nosso parceiro de uma forma agressiva ou passiva-agressiva. Neste último caso, a pessoa tem fúria e ira dentro de si, mas não consegue declará-las de forma aberta, somente pelo sarcasmo. Não é gritando que você vai fazer com o que o outro pare de gritar com você: um relacionamento não é um campo de guerra, em que ambos estão sempre medindo forças, e, sim, algo para que ambos possam crescer juntos”, analisa. 

A falta de diálogo pode, dessa forma, fazer com que uma das partes não se sinta valorizada dentro da relação. “A pessoa que não se sente ouvida, compreendida e validada quando se expressa tende a entrar em um modo defensivo dentro da relação. Sua percepção é de que não pode se expressar genuinamente por sentir que não será satisfatório. Então, ela cria o que chamamos de mecanismos de defesa. Desse modo, a pessoa acaba se distanciando do seu eu autêntico, da sua verdade interna. Essa desconexão consigo pode gerar a perda de confiança em si. São pessoas que terão de lidar com inseguranças, perda de valores e limites nas relações”, indica Flávia.

Hora de procurar ajuda

Existem momentos, no entanto, que é quase impossível manter um diálogo saudável com o parceiro. Tocar em um assunto um pouco mais espinhoso pode ser sinônimo de uma briga sem-fim. Nestas situações, é hora de procurar ajuda profissional. “O primeiro sinal são as brigas. Se toda semana o casal tem conflito, já é o momento de procurar uma ajuda e de buscar alguém que vá fazer um aconselhamento, para que ambos possam se expressar sem que exista conflito", começa.

"Outro sinal é a perda do tesão e de intimidade na cama. Quando isso acontece, é porque já não existe interesse no outro”, indica a sexóloga somática Tami Bhavani, que conta que não é incomum que muitos casais busquem-na como “cartada final.” “Muitos dizem que não tem mais tesão no outro, mas isso é reflexo da falta de comunicação dentro do relacionamento. Percebo que casais que não se esforçam para incluir temas importantes ou trazer outros assuntos para dentro do relacionamento se perdem na rotina”, fala.

A psicóloga Flávia Rocha recomenda que o casal não espere no limite do desgaste e do desrespeito para agir. “Quando o casal percebe que as conversas não estão sendo produtivas e resolutivas, em que um não se sente ouvido ou compreendido, deve pensar em procurar uma ajuda e orientação de um profissional. O psicoterapeuta poderá dar apoio e criar um ambiente seguro, em que o casal possa adentrar em questões delicadas. A psicoterapia individual também pode ser fundamental para que cada um se desenvolva e possa somar na relação de casal e na comunicação eficaz”, aponta.