Transplantes

Ansiedade e alegria viajam junto com as equipes médicas

Profissionais especializados relatam a experiência de levar uma vida nas mãos por via aérea


Publicado em 27 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Todos os dias, 245 mil pessoas cruzam os céus do país e experimentam as mais variadas sensações. Mas um grupo de passageiros muito especiais viaja com o coração nas mãos. Literalmente. E não só o coração. Rins, pulmões, fígado, medula e todos os tipos de órgãos que podem ser transplantados fazem parte da bagagem de mão de profissionais de saúde especializados em levá-los dos doadores aos receptores em cidades, Estados e até países diferentes.

Desde 2006, essa é a rotina de Márcia Cecília Oliveira Santos, enfermeira que já realizou a captação de mais de 400 órgãos, muitos deles transportados por via aérea em aviões de todo tipo, desde bimotores até aeronaves de órgãos oficiais e, na maioria das vezes, em voos comerciais. Ela conta que cada experiência é emocionante.

“Quando a gente vai buscar o órgão, é muito especial. A gente acompanha esse paciente desde o pré-transplante, a gente vê como ele precisa e ficamos tocados. Quando surge uma retirada de órgãos, a gente já vai pensando que aquela pessoa vai reviver. É muita alegria”, diz.

Também enfermeira, Priscila Lara Vieira Bonisson já transportou órgãos e tecidos para diversos Estados do Brasil e até para a Alemanha. Ela diz que a experiência de viajar levando um órgão é totalmente diferente de qualquer outra.

“Quando eu estou levando um órgão em um voo, a sensação é de responsabilidade porque é a vida de outra pessoa que está nas minhas mãos. Nada pode sair do script. Ao mesmo tempo, é muita gratidão, é muito prazeroso porque alguém vai ser beneficiado, e não é pouco, é uma vida de volta”, afirma.
Para a Alemanha, ela levou uma medula, que viajou em seu colo, acondicionada em uma caixa e com todos os cuidados para chegar ao destino bem preservada. Foram cerca de 20 horas de voo sem fechar os olhos. “A caixa não pode sair das minhas mãos nem um minuto, para não correr nenhum risco. Não tem descanso, não tem brincadeira, é cuidado o tempo todo”, diz.

Gratificante

“A sensação de ver o paciente debilitado, trazer o órgão e, depois, vê-lo no pós-operatório é única. É muita alegria.”

Márcia Oliveira Santos

Enfermeira 

 

Prioridade para pousar e decolar

Para garantir a agilidade, aviões que levam pacientes em estado grave ou órgãos para transplantes têm prioridade em relação a quase todos os outros em pousos e decolagens nos aeroportos brasileiros. Para levantar voo, eles estão em quarto lugar na lista dos operadores de voo, atrás de operações militares diversas.

Já para o pouso, a primeira preocupação é com a segurança. Por isso, aviões em situações de emergência e planadores têm prioridade. Em seguida, pousam os que trazem os órgãos ou pacientes de urgência.

Esses aviões também são os primeiros na ordem de desembarque, e, quando é preciso fazer conexões, as duas aeronaves envolvidas na operação são posicionadas lado a lado na pista. Se há urgência, principalmente em caso de coração, um helicóptero busca o órgão no aeroporto e leva até o hospital.

A rapidez é fundamental porque o tempo de isquemia (entre a retirada do doador e o transplante) varia de acordo com o órgão. Um coração, por exemplo, dura apenas quatro horas.

Vida do outro, não a própria segurança, é o que importa

Aviões pequenos, aeroportos acanhados, que operam por instrumentos, helicópteros, aeronaves comerciais. Quem transporta os órgãos está acostumado a viajar em todo tipo de situação e, ao contrário da maioria dos passageiros de avião, não é a própria segurança a maior preocupação, mas a vida do outro.

“Querendo ou não, você se coloca em risco quando entra na aeronave, Mas a gente não pensa na própria vida, mas na do paciente”, afirma o enfermeiro Ronaldo Gomes Rodrigues, que já perdeu as contas de quantos aviões pegou para buscar ou levar um órgão.

Ele diz que, no trajeto, só pensa em chegar bem para salvar uma vida. “Não dá para pensar em outra coisa”, diz.

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