Entrevista

Baixa reciclagem tira R$ 8 bilhões do Brasil 

Tatianna Mello Pereira da Silva, 27 Bacharel, mestre em Direito pela UFMG e em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford. Na semana passada, recebeu um prêmio do governo alemão por um projeto de doutorado


Publicado em 13 de novembro de 2014 | 04:00
 
 
 
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A mineira Tatianna Mello se tornou uma das 25 cientistas mais promissoras do mundo na área da sustentabilidade, segundo o governo da Alemanha, que anualmente promove o intercâmbio de ideias relativas à soluções ecológicas no mundo.


Seu projeto de pesquisa tem foco no levantamento dos motivos que impedem o avanço da Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil. Fale um pouco sobre esse trabalho.

A projeto de pesquisa que apresentei para concorrer ao prêmio Green Talents corresponde ao meu projeto de doutorado, que pretendo iniciar ano que vem. A pesquisa deve se estender pelos próximos três anos. Em linhas gerais, pretendo avaliar se a inserção das cooperativas de catadores em sistemas formais de coleta e gerenciamento de lixo contribuiu, de fato, para a inclusão social e a emancipação econômica desses trabalhadores, concomitantemente à elevação das taxas de reciclagem no país, conforme vislumbrado pela PNRS.

Em que fase o projeto está?

Em fase de execução, portanto, ainda não alcancei a fase de proposição de soluções. Tenho utilizado o tempo que estou passando estudando no exterior para entender mais sobre as soluções adotadas por países da União Europeia no que tange ao gerenciamento de resíduos sólidos. Acredito que podemos utilizar exemplos de boas práticas observados principalmente na União Europeia e nos países nórdicos para desenvolver soluções adequadas às particularidades do nosso país.

O trabalho pretende propor soluções especificamente para o Brasil?

O projeto tem cobertura nacional. A realidade socioeconômica dos catadores, assim como o desempenho em reciclagem, oscila consideravelmente entre as cinco regiões do país. Para oferecer conclusões que sejam representativas da realidade brasileira e soluções que sejam realisticamente implementáveis ao redor do país, será necessário coletar dados em todo o território.

Por que você escolheu o lixo como tema, qual foi sua motivação?

A motivação partiu primeiramente da percepção de que o lixo é um elemento fundamental para que possamos avançar rumo a um modelo de desenvolvimento sustentável. A natureza desconhece a ideia de resíduos. Tudo é reaproveitado e reutilizado nos ecossistemas, por exemplo. Não há perdas. Em contrapartida, a forma como nosso sistema econômico é organizado pauta-se em um sistema linear (extrair-consumir-descartar) que encara recursos como resíduos sem valor. Além de ambientalmente insustentável, esse modelo é economicamente inviável, pois esbarra na escassez de matérias-primas, problema que já assombra mercados ao redor do mundo.

Qual a situação do Brasil hoje?

No Brasil, por exemplo, as perdas desencadeadas pela baixa taxa de reciclagem de materiais pós-consumo (aproximadamente 4%) são estimadas em R$ 8 bilhões anuais. No contexto brasileiro, o lixo tem ainda um aspecto social de extrema relevância, qual seja, o fato de que por volta de um milhão de brasileiros dependem dos materiais que extraem do lixo para sobreviver. A Política Nacional de Resíduos Sólidos apresenta uma abordagem bastante holística para a questão do lixo, estando alerta para as suas dimensões ambientais, econômicas e sociais. A minha pesquisa pretende avaliar criticamente os efeitos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos na persecução dos objetivos de inclusão social e emancipação econômica dos catadores de material reciclável concomitantemente à promoção do aumento das taxas de reciclagem. Para tanto, pretendo levantar dados quantitativos e qualitativos principalmente junto a cooperativa de catadores de material reciclável para desenvolver recomendações sobre como alcançar de forma mais eficiente os objetivos que a PNRS busca.

Como você soube do prêmio Green Talents? Já havia participado antes?

Soube do prêmio Green Talents por intermédio do meu cunhado, pesquisador brasileiro que venceu a competição no ano passado. Ele havia sugerido que eu me candidatasse em 2014, por considerar que meu projeto de doutorado estava alinhado às áreas de pesquisa priorizadas pela organização do Green Talents. Decidi me inscrever na última hora, sem acreditar muito que tivesse alguma chance. Em agosto fui surpreendida pela notícia de que, dentre mais de 800 candidatos, eu havia sido selecionada como um dos 25 ganhadores.

O que essa premiação significa para você? Como você acha que ela irá influenciar em sua vida profissional?

Estou atualmente me candidatando para o doutorado em universidades no Reino Unido e ter ganhado o prêmio Green Talents, que reconhece pesquisadores do mundo inteiro com talento e potencial na área de sustentabilidade, é um grande incentivo, pois me dá o sinal de que a pesquisa está no rumo certo. É uma reafirmação da relevância global do tópico dos resíduos sólidos, principalmente considerando que neste ano o prêmio contou com número recorde de inscritos (mais de 800). O prêmio aumenta a minha responsabilidade e o comprometimento de colaborar para a promoção de uma mudança de paradigma em nosso país, rumo a um modelo de cidadania ativa em que, como cidadãos, somos atores e não meros espectadores e consumidores de políticas públicas. A visibilidade que meu projeto alcançou depois de ter sido premiado já vem rendendo frutos me permitindo entrar em contato com pessoas engajadas que partilham uma visão semelhante à minha e que têm interesses similares. Pretendo continuar em contato com elas mantendo uma rede de colaboração para catalizar o impacto das nossas ações.

O que você recebeu pelo prêmio?

O prêmio Green Talents têm duas fases. A primeira consiste em um fórum científico (concluído no domingo, 2 de novembro) de duração de duas semanas em que os ganhadores visitam centros de excelência em pesquisa em sustentabilidade na Alemanha. O objetivo das visitas é oferecer uma visão aprofundada do sistema de inovação do país expondo os ganhadores a abordagens e tecnologias de última geração. Na segunda fase, os ganhadores têm a oportunidade de passar três meses desenvolvendo seu trabalho em um centro de pesquisa de sua escolha na Alemanha. Todas as despesas, tanto para participação no fórum científico como para estadia de pesquisa, são cobertas pelo Ministério da Educação alemão.

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