Ismael dos Anjos

Coordenador do projeto “O Silêncio dos Homens”
Integrante do PapodeHomem, site sobre comportamento masculino

De onde surgiu a ideia para a pesquisa e para o documentário?

Eu e o Guilherme Nascimento Valadares, do PapodeHomem, falávamos sobre o assunto há uns seis anos, mas nem a gente, nem a conversa sobre o tema estavam em um lugar de maturidade. Acho que agora chegamos a ele, porque os movimentos feministas ganharam muita força nos últimos anos, e a luta das mulheres empurra os homens a olhar para si e a discutir as próprias questões. Os antigos papéis não são aceitos em uma sociedade mais atenta.

Fala-se muito em feminismo hoje e se discutem direitos das mulheres. Por que falar sobre homens?

Não tem como avançar nas lutas pelos direitos de quem quer que seja sem a parte “minorizada” falar com a parte que está dominante. Eu, como homem negro, não posso achar que vou mudar a realidade da negritude se falar só com pessoas negras – a conversa vai ter que atingir pessoas brancas também. E isso aconteceu no debate de gênero. A gente entrou em uma crise do que é ser homem hoje. Com razão, as mulheres passaram a não aceitar coisas que eram aceitas antes. Empurrados pelo movimento delas, ganhamos a chance de olhar para incômodos que ignorávamos antes. Crescemos ouvindo coisas como “não pode chorar”, e parece que qualquer deslize nos faria perder a “carteirinha de homem”. Agora, olhamos para isso com responsabilidade e incluímos as dores e demandas das mulheres às nossas. As dores que os homens sentem estão ligadas às dores que causam.

Como essas reflexões começaram na sua vida pessoal?

Sempre tive um incômodo de não ser exatamente o homem que eu via os outros sendo ou que eu achava que eram. Eu sou de Minas, e a família daqui é bem conservadora, tem suposições específicas sobre o que é ser homem. Mas eu sempre fui mais tímido, pensativo, o que não estava na performance desejável da masculinidade dominante. Com o tempo e com as minhas relações, fui exposto às dores de mulheres e entendi as demandas delas. Tive relações com amigas, minha mãe, parceiras e minha esposa que foram fundamentais para entender isso e ao mesmo tempo ficar confortável na minha própria pele. Ver que não precisava ser “homem como fulano” foi libertador.

Como sair do discurso e aplicar as mudanças na prática?

Não precisa ser primeiro um passo teórico e depois um prático. Existem diversas maneiras de agir de maneira mais benéfica. Não somos ensinados a escutar de verdade, mas podemos ouvir na prática, sem curso, sem refletir tanto, sem falar do estado da sociedade. Dá para simplesmente ouvir melhor sua parceira, entender que seu tempo não é só seu, mas da família toda, que uma escolha sua reflete em você, na sua esposa e nos seus filhos.

E como mudar na relação com os amigos?

Não cabe às mulheres educar os homens, elas já têm responsabilidades demais. O protagonismo nisso tem que ser de outros homens: é alertar um amigo seu quando ele está dizendo uma coisa que não é correta e é prejudicial a alguém. E é superimportante que os homens criem amizades mais profundas. Quando os homens se encontram, acessam uma “quinta série mental” e se comportam como quando se conheceram lá atrás, o que é necessário romper também. Fazer perguntas difíceis, que não fazemos normalmente, é um bom caminho. Às vezes, convivemos com o cara por anos a fio e não sabemos da situação dele com a esposa, com os filhos, com os pais, sabemos só o que a pessoa escolhe colocar para fora. Ouvir de verdade é um jeito de colocar as coisas em movimento, e isso não tem volta: se você se abre para um amigo e ele também se abre, da próxima vez o papo já não é só Atlético versus Cruzeiro.

Qual é um bom exemplo de masculinidade saudável, na ficção ou na realidade?

Eu tenho vários boas referências nacionais. Penso no ator Ícaro Silva, que narra o documentário e que tenta mudar tudo isso. Penso no Lázaro Ramos, que fala sobre paternidade e é um ator negro que não aceita personagem em que tenha que empunhar uma arma. Mas melhor do que olhar para a ficção ou para celebridades é olhar para o lado. Quem é seu irmão, seu amigo, alguém da família que faz algo bacana que você gostaria de fazer também, porque acha benéfico?

E quem são maus exemplos?

A gente elegeu alguns. Eu acho que o mau exemplo é a reprodução dessa cultura que faz as desigualdades persistirem. Não aponto uma pessoa só, mas a sociedade em que estamos inseridos, que perpetua a noção de que mulheres estão abaixo dos homens, de que as pessoas negras estão abaixo dos homens brancos. Muitas vezes, recorremos ao que já é seguro porque mudança traz medo e dúvida. Mas acho importante limpar os olhos e seguir com o coração limpo para tentar fazer o melhor possível. E a gente deveria desestimular todos os estereótipos de masculinidade clássicos. Não vejo sentido em estimular criança a simular arminha com a mão ou na ideia de que homem que é homem aguenta o tranco e não leva desaforo para casa.