Comportamento

Divórcio do sono: casais optam por dormir separados mirando o bem-estar

Prática antiga volta, repaginada, aos holofotes

Por Alex Bessas
Publicado em 23 de janeiro de 2024 | 07:00
 
 
 
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Propondo-se a ser uma crônica audiovisual da vida da rainha Elizabeth II (1926-2022) dos anos 1940 aos tempos modernos, a série “The Crown”, da Netflix, costuma repercutir por trazer à tona bastidores, dos mais comezinhos aos mais espinhosos, da vida da realeza britânica. Entre os fatos cotidianos, que, embora quase banais, surpreenderam a audiência, está a configuração dos aposentos reais: como manda a tradição, rei e rainha não dormem juntos, possuindo, cada um, o seu próprio quarto.

O detalhe causou tanto frisson que houve até um desmentido. Segundo entrevista de Paul Burrel, um ex-mordomo da princesa Diana, ao jornal britânico “The Sun”, em 2020, além das suítes individuais, a rainha Elizabeth e o príncipe Philip tinham um terceiro quarto, que seria usado por ambos. Seja como for, a verdade é que essa prática não parece ser tão incomum para as elites de diversos países. Prova disso é que muitos dos museus que preservam e mostram as instalações íntimas de chefes de Estados indicam que havia essa separação na hora de dormir. E nem é preciso ir longe para constatar algo assim: no faraônico Grande Hotel Termas de Araxá, inaugurado em 1944 e idealizado pelo então presidente Getúlio Vargas (1882-1954) e pelo então governador mineiro Benedito Valadares (1892-1973), as suítes presidencial e governamental seguem essa mesma lógica.

Mais recentemente, esse costume notadamente antigo voltou a ganhar holofotes, sendo repaginado e ganhando até nome próprio. O hábito aparece até na “Idade das Pedras” do desenho animado “Os Flintstones”, que frequentemente mostrava Fred e Wilma Flintstone, assim como Barney e Betty Rubble, dormindo em camas separadas – no caso, devido às restrições e normas morais que existiam na televisão dos anos 1950 e 1960 nos Estados Unidos. Agora, a prática ressurge, defendida por artistas como a brasileira Sheron Menezzes e a norte-americana Cameron Diaz, sendo chamada de “divórcio do sono” – embora, ao contrário do que o termo sugere, ela não se relacione a conflitos conjugais ou ao desejo de separação, mas a uma preocupação genuína com o bem-estar individual. “Os casais podem simplesmente dormir separados e ainda manter a relação e o amor”, resume o psicólogo clínico Rodrigo Tavares Mendonça. 

Especializado no atendimento psicoterapêutico para casais e famílias, ele detalha que muitos parceiros acabam brigando devido a problemas na hora de dormir. “É comum ouvir reclamações de que o parceiro ronca alto e com frequência, que dorme cedo ou tarde demais, que gosta de dormir com o ventilador ligado ou o ar-condicionado em uma temperatura muito baixa, que se mexe demais dormindo, que gosta de dormir com a televisão ligada, entre outras queixas”, expõe, dando a dimensão do amplo leque de conflitos que podem surgir na hora do descanso. 

Mendonça pontua que, diante de incômodos desse tipo, há quem prefira suportar, entendendo que essa decisão fará bem à relação. “Contudo, eles podem ser ou se tornar intensos demais”, assevera, acrescentando que nenhuma parceria está isenta de problemas e conflitos e que, na emergência de um mal-estar relacional, os pequenos incômodos do passado podem se tornar grandes incômodos do presente. 

“Assim, se durante os primeiros anos do casamento foi relativamente fácil suportar o ronco do parceiro, após a qualidade da relação piorar e a impaciência crescer, os mesmos roncos podem se tornar insuportáveis. Acontece também de conflitos conjugais aparecerem por motivos pequenos, como quando o parceiro se esquece de tirar o lixo de dentro de casa, sendo que a causa do conflito pode ser, na verdade, a impaciência desencadeada por passar noites maldormidas ao lado do parceiro”, estabelece. “Assim, o divórcio do sono pode ser uma boa solução para esses problemas”, situa.

Vantagens

Curiosamente, a prática, evitada por muitos, que temem ter por consequência um afastamento emocional, pode gerar benefícios surpreendentes. “Acontece de casais que experimentaram o divórcio do sono relatarem que a paixão cresceu após a separação de quartos, tanto por acabar com os problemas antes incômodos quanto por essa prática promover o aparecimento do sentimento de saudade”, destaca Rodrigo Tavares Mendonça.

Mas o psicólogo pondera que a estratégia pode simplesmente não funcionar para muitos casais. “Cônjuges que experimentam sentimentos constantes de insegurança podem sofrer com a ausência do outro. Além disso, a separação de camas ou de quartos não pode dispensar a responsabilidade afetiva com o parceiro. É preciso que exista flexibilidade e atenção às necessidades do outro, como estar presente em momentos de ansiedade, de doença ou de outras preocupações, se assim for o desejo do cônjuge”, analisa o especialista, que complementa com um conselho: “Os casais precisam observar se o divórcio do sono realmente está mantendo a intimidade conjugal ou se, em vez de fortalecer a paixão, a prática está, na verdade, enfraquecendo-a, promovendo um distanciamento entre as partes. Todos os casais são diferentes uns dos outros, é preciso observar se está funcionando na vida prática de cada um”, determina.

Recorte social e dicas

O psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça nota que, no Brasil, são mais comuns as histórias de casais que decidem dormir em camas ou quartos separados não como uma estratégia visando a uma melhor noite de sono, mas porque as partes não estão se suportando. Dessa forma, decidem se afastar temporariamente para evitar conflitos maiores, fazendo desta uma etapa inicial do processo de separação. “Essa prática, contudo, não é o que se chama de ‘divórcio do sono’. O divórcio do sono, ou seja, uma separação de camas ou quartos consensualmente aceita, ainda não aparece com frequência nos consultórios de psicologia do nosso país”, avalia, complementando acreditar que isso aconteça não só por um aspecto cultural, que acaba repercutindo no estranhamento a essa prática – que é nova na sociedade –, mas também porque as classes média e baixa podem simplesmente não ter essa opção em casa.

Para os cônjuges que querem experimentar essa prática, o psicoterapeuta indica que o primeiro passo deve ser, necessariamente, ter uma conversa franca e aberta com sua parceria. “É preciso que sejam expostos os incômodos e a vontade de não permitir que eles prejudiquem a relação, apontando que a opção pelo divórcio do sono tem a intenção de melhorar a relação, e não de se distanciar física e emocionalmente”, sugere. “Caso uma conversa com compreensão mútua não seja facilmente construída pelo casal, a terapia de casal pode ser um ambiente neutro e saudável para os cônjuges conversarem abertamente e com uma boa mediação para evitar mal-entendidos”, conclui.

Qualidade do sono afeta a saúde

Coordenador do serviço de pneumologia da Rede Mater Dei de Saúde de Belo Horizonte, o médico Bruno Horta Andrade ratifica que tanta preocupação com a qualidade do sono tem sua razão de ser. Afinal, uma boa noite de sono gera diversos benefícios à saúde, como a restauração física, mental e emocional, além da regulação metabólica. “Dentre as funções do sono podem-se destacar a conservação do metabolismo energético e suas propriedades restaurativa e termorreguladora, que auxiliam na consolidação da memória e cognição”, explica.

O pneumologista acrescenta, por outro lado, que a má qualidade do sono pode repercutir em prejuízos que incluem a diminuição da performance física e intelectual, de atenção e concentração, o aumento do tempo de reação, alterações metabólicas e de humor, e incluindo, ainda, um maior risco de doenças cardiovasculares – como a hipertensão, arritmias e infarto –, neurológicas – como derrame, AVC e doença de Parkinson – e várias outras situações.

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