A curta duração ou a má qualidade do sono estão associadas a diversos problemas de saúde, como a pressão alta, o colesterol elevado e a aterosclerose, o que aumenta as chances de eventos cardiovasculares, como infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Por isso, os riscos para o coração e o cérebro associados ao costume de dormir mal passaram agora a ser equiparados aos prejuízos relativos ao hábito fumar cigarros tradicionais ou eletrônicos, ao fato de ser obeso e ao sedentarismo. É o que diz uma nova diretriz da Associação Americana de Cardiologia (AHA, na sigla em inglês), que será replicada por entidades brasileiras.
Divulgada recentemente, a nova versão do Lifes’s Simple, criado em 2010, incorpora pela primeira vez os problemas de sono ao hall de fatores que agravam o risco para complicações. A atualização, feita com base em mais de 2.400 estudos científicos, recomenda que adultos tenham noites de sono com duração entre sete e nove horas. Até então, a diretriz incluía sete fatores de risco – tabagismo, alimentação, atividade física, nível de colesterol, glicose no sangue, Índice de Massa Corpórea (IMC) e pressão arterial. Segundo a AHA, 80% das doenças cardiovasculares são evitáveis, ou seja, estão ligadas a dieta e estilo de vida. Estas são as doenças que mais causam mortes no Brasil.
Alinhada ao entendimento da entidade, a médica Janaína Pacheco, do serviço de medicina do sono do Hospital Mater Dei de Belo Horizonte, defende que dormir é fundamental para a vida e é uma prática que precisa ser mais valorizada. Portanto, esqueça aquela máxima segundo a qual tem mais sucesso quem estuda “enquanto eles dormem”.
A profissional lembra que o descanso noturno é, inclusive, um aliado da boa alimentação. “Durante o sono, o metabolismo do corpo não para, e uma das principais atividades é a liberação de hormônios como a testosterona (produzida durante a fase dos sonhos), o GH (hormônio do crescimento, fundamental para melhora da capacidade física, aumento da massa magra e redução da gordura corporal), a leptina, responsável pela saciedade (sensação de que está satisfeito após a refeição). Ou seja, você que quer emagrecer, aumentar musculatura, com certeza, deve se preocupar com seu sono”, explica.
Por outro lado, “o paciente que dorme mal tende a comer mais e engordar, tanto porque a pessoa tem mais tempo acordada para comer quanto pela menor disposição para fazer atividades físicas e pela desregulação de hormônios da fome e da saciedade”, diz. Ou seja, dormir mal ou pouco aumenta sua vontade de se alimentar mais e buscar por alimentos mais gordurosos e principalmente doces. “Além disso, o paciente obeso tem pior qualidade do sono e mais sonolência excessiva diurna, mesmo que não possua nenhuma outra doença associada, simplesmente por estar acima do peso”, pontua.
Ter uma boa rotina de sono também favorece o sistema imune. “O TSH, hormônio relacionado à atividade da tireoide e ao controle do metabolismo, também é produzido durante o sono e pode ter grandes alterações se dosado após uma noite de sono ruim”, situa, salientando que a imunidade está diretamente relacionada ao sono. “Quanto melhor a qualidade de sono, melhor a resposta imune a possíveis infecções. Um estudo, por exemplo, evidenciou que o paciente que dormir mal no dia após aplicação de uma vacina pode ter a resposta do sistema imune diminuída para aquela vacina, ou seja, a privação de sono pode diminuir a eficácia da vacina”, cita.
Quem dorme bem sai na frente em diversas outras questões. “Dormir bem melhora raciocínio, memória, humor, disposição e foco. Durante o sono, fazemos uma verdadeira ‘faxina’ no cérebro e aumentamos a eliminação de toxinas, radicais livres e outras substâncias nocivas ao cérebro. Por isso, o sono de qualidade é uma das principais medidas para reduzir a chance de desenvolver doenças neurodegenerativas, como Alzheimer”, detalha a especialista.
Desequilíbrio
Janaína Pacheco, que é coordenadora do serviço de neurologia do Hospital Semper de Belo Horizonte, informa que a privação de sono aumenta em quatro vezes as chances de desenvolvimento de problemas como depressão e ansiedade. “Vale lembrar que tanto a insônia pode levar a quadros depressivos e ansiosos quanto a depressão e a ansiedade podem agravar a insônia, de forma que uma doença piora a outra. É um círculo vicioso”, expõe.
Ela ainda lembra que a fadiga é um dos principais causadores de acidentes de trabalho por erro humano. “O cansaço gerado por um sono ruim ou insuficiente pode afetar o julgamento e o desempenho, reduzir o nível de alerta, concentração e motivação. Reduz sua noção espacial, coordenação motora e equilíbrio”, alerta. A médica completa que durante o sono também, principalmente na fase mais profunda e na fase dos sonhos, consolidamos nossa memória recente. “Portanto, é impossível aprender e se lembrar de todas as nossas tarefas do dia a dia dormindo mal”, comenta.
Apneia. Entre as diversas e difusas causas da má qualidade do sono – que vão desde poucas horas disponíveis de sono devido ao trabalho e à vida atribulada até dificuldade de iniciar ou manter o sono (insônia) ou múltiplos despertares –, a apneia obstrutiva do sono aparece como uma das doenças mais prevalentes. “O problema se caracteriza pelas recorrentes interrupções da passagem de ar até os pulmões durante o sono, gerando queda do oxigênio no sangue, despertares frequentes durante a noite e sonolência excessiva durante o dia”, explica Janaína Pacheco. “Você tem a falsa impressão de que dormiu à noite toda, mas, na verdade, não se aprofunda no sono. Essa doença aumenta a chance de hipertensão arterial, arritmia, infarto agudo do miocárdio, AVC, assim como tabagismo, e deve ser tratada com urgência”, adverte.
Obesidade. “Outro fator intimamente ligado à apneia do sono é a obesidade. Estar muito acima do peso ideal aumenta em seis vezes as chances de o paciente apresentar apneia obstrutiva do sono. Além disso, pacientes com apneia têm mais chance de engordar. Eles também têm mais risco de complicações de saúde ao contrair a Covid-19. Um artigo publicado em uma renomada revista de medicina do sono destaca que doenças cardiovasculares preexistentes associadas a comorbidades, como a apneia obstrutiva do sono, podem aumentar a chance de internação em UTI e até a mortalidade geral pela doença”, situa a médica.
Quando buscar ajuda
Janaína Pacheco listou, a convite de O TEMPO, dicas que podem ajudar a indicar quando procurar um médico especialista do sono:
- Pessoa que tem sonolência excessiva durante o dia, dorme em qualquer lugar, dirigindo, conversando com as pessoas
- Quando a pessoa ronca muito alto (audível em outro cômodo da casa)
- Quando a pessoa tem engasgos ou parada da respiração durante o sono (percebido por parceiro ou parceira)
- Pessoa acima de 50 anos que ronca
- Pessoa que tem pressão alta e ronca ou que tem dificuldade de controlar a pressão
- Pessoa que está acima do peso e ronca
(Com agências)