Bem-estar

É possível criar bons hábitos e vencer a exaustão, mesmo quando estamos exaustos

Para especialistas, esforços necessários para construir uma vida mais sadia são empecilhos para muitas pessoas


Publicado em 12 de maio de 2022 | 03:21
 
 
 
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“Nós criamos a ilusão de que mudar hábitos é uma tarefa fácil, que basta seguir alguns poucos passos e vamos nos reprogramar. Nada disso é verdade. Principalmente se a pessoa está em um estado de esgotamento, que pode ser paralisante, fazendo que quaisquer tentativas de mudança pareçam muito difíceis de serem executadas”. A avaliação é da psicóloga clínica Tatiana Freitas Wandekoken quando instada pela reportagem a avaliar as razões que levariam pessoas a, mesmo se sentindo exaustas, ter dificuldades de mudar o rumo da própria vida. 

A especialista acredita que uma série de fatores leva os indivíduos a cair em um círculo vicioso. Por um lado, eles sentem que precisam fazer algo para se sentirem revigorados, por outro, sentem-se cansados e desmotivados para encarar os esforços necessários para a construção de hábitos mais saudáveis. Há também aqueles que nem sequer sabem por onde começar – e, por isso, postergam o início dessa jornada. 

Um dos aspectos a dificultar o início dessa transformação é o perfeccionismo. “A perfeição é, em si, inalcançável. Se coloco para mim parâmetros e métricas inatingíveis, a tendência é que eu desista de executar alguma tarefa ou que nem mesmo inicie um projeto”, avalia Vivian Wolff, especialista em desenvolvimento humano. “No fundo, estamos falando de uma característica que atrapalha e gera a procrastinação”, complementa. Na avaliação dela, as redes sociais potencializam o problema, pois a pessoa perfeccionista tende a se comparar ao outro. “Estamos falando de um lugar em que todos estão expondo a sua vida, mas de maneira editada, só com os melhores momentos. Comparar a nossa rotina com esses recortes expostos nas redes é uma injustiça com nós mesmos. Esse ato tem repercussões negativas para a autoestima e para a autoconfiança, gerando ainda mais imobilidade”, observa. 

O problema é que deixar de encarar o desafio da mudança – o que significa, em última instância, ser negligente com o próprio bem-estar – não é algo sem consequências. Tatiana lembra, por exemplo, que essa permanente sensação de cansaço pode evoluir ou ser sintoma da síndrome de burnout. O distúrbio é classificado, desde 2019, como uma doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo caracterizado como um problema sistêmico provocado pelo estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso. Sem tratamento, a síndrome pode repercutir em uma série de outras complicações, como queda de imunidade, dores de cabeça, doenças estomacais e crises de ansiedade. Além disso, pacientes com o diagnóstico são considerados mais vulneráveis à manifestação de quadros depressivos. 

Portanto, atenta à importância de se encarar o desafio da mudança de hábitos, apesar da sensação de exaustão, a psicóloga recomenda que, para começar, a pessoa tenha compaixão consigo mesma. “Para construir um prédio, precisamos primeiro estruturar uma base segura e sólida. Esta é uma boa analogia para o que quero propor. Ou seja, para executar uma mudança, precisamos começar pelo começo. E, para isso, precisamos ter humildade e saber de nossas limitações”, situa. 

“Então o começo de tudo vem pelo que há de mais básico: devemos cuidar do nosso sono, da nossa alimentação e hidratação e precisamos também nos manter fisicamente ativos”, sugere, recomendando que sigamos nosso próprio ritmo nessa jornada. A dica, aliás, está alinhada com apontamentos da coach de gerenciamento de tempo Elizabeth Grace Saunders, autora do artigo “Building healthy habits when you’re truly exhausted” (“Construindo hábitos saudáveis quando você está realmente exausto”, em tradução) publicado pelo site Harvard Business Review, ligado à renomada Harvard University, situada na cidade de Cambridge, no Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. 

Valorize o descanso. “Se você está supercansado, a chave para uma maior produtividade não é forçar mais, mas pressionar menos”, escreve Elizabeth Grace, sugerindo que um alarme seja programado para soar 30 ou 45 minutos antes da hora de ir para a cama. O objetivo é que, a partir de então, se inicie uma rotina de higiene do sono, quando começamos a nos desligar do mundo externo, nos preparando para o descanso. Nesse momento, é importante evitar o contato com telas, bebidas estimulantes e outras práticas que podem nos deixar insones. 

Sobre isso, Tatiana Freitas acrescenta que o ato de dormir, embora desvalorizado por uma cultura que exalta um ideal de “alta performance”, funciona, por si, como forma de regulação emocional. 

Hidratação e nutrição. A coach de gerenciamento de tempo sustenta que, com o corpo descansado, estratégias nutricionais simples serão efetivas para uma melhoria do bem-estar. Para começar, ela lembra que um corpo hidratado funciona melhor e que, ao ingerir mais água, teremos maior capacidade de concentração e menor sensação de fadiga e de ansiedade. Uma forma de facilitar esse processo é carregar sempre consigo uma garrafa com água, sugere Tatiana. 

“Em seguida, pense se você está recebendo nutrição suficiente. Alguns dos meus clientes ficam tão absortos em seu trabalho ou têm tantas reuniões consecutivas que não sentem que têm tempo para comer – ou simplesmente se esquecem de se alimentar”, anota Elizabeth, sugerindo o uso de lembretes eletrônicos programados para disparar de tempos em tempos nos lembrando de que precisamos realizar uma refeição. Já a psicóloga aconselha que, nesses momentos, vale evitar o contato com telas. “Precisamos aprender a nos concentrar no que estamos fazendo e desconfiar mais desse mito de que somos multitasking”, diz. 

Atividades físicas. O terceiro passo para a construção de hábitos mais saudáveis é vencer o sedentarismo. “Os exercícios, em última análise, dão a você mais energia ao longo do dia em vez de esgotá-lo. Além disso, essas atividades trazem benefícios adicionais em relação ao humor, à qualidade do sono e ao foco”, anota Elizabeth, indicando que 25 minutos de atividades cardiovasculares vigorosas são suficientes para uma melhora da sensação de bem-estar. “E, se você estiver lutando com motivação, encontre apoio se exercitando com amigos, indo a uma aula ou contratando um personal trainer”, acrescenta.  

Tatiana salienta que, se esse nível de atividade física parece demais para começar, o mais aconselhável é ir devagar. “Você pode começar fazendo alongamentos ou caminhadas suaves, aumentando a frequência e intensidade do treino com o passar do tempo”, pontua. 

Dicas adicionais 

A psicóloga Tatiana Freitas ressalta que o início desse processo de construção de novos hábitos tende a soar um tanto mecanizado. “A gente tem que se forçar a fazer aquilo, que não fazia parte da nossa rotina, até que, de repente, aquela prática se torna naturalizada em nosso dia a dia”, sinaliza. “Portanto, tente facilitar esse processo. Por exemplo, se quer começar a ler mais, carregue um livro consigo”, sugere, acrescentando que hábitos dizem respeito à regularidade, e não à performance. “Isso quer dizer que vale mais ler 15 minutos por dia do que por cinco horas em um fim de semana”, crava. 

A especialista também destaca a importância de consultas médicas. “É importante investigar se essa sensação de cansaço não tem origem metabólica ou é originada da falta de alguma vitamina no corpo, por exemplo”, pondera. 

Elizabeth Grace segue na mesma linha, lembrando que paciência é essencial nesse processo. “A chave para a mudança, especialmente quando você está exausto, é ir devagar e com firmeza. É importante avançar, mas colocar muita pressão sobre si mesmo não ajuda”, escreve, indicando que, com o tempo, é plenamente possível desenvolver novos hábitos que nos ajudarão a recuperar energia, evitar a fadiga e criar impulso para o crescimento e o desenvolvimento contínuos.

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