Comportamento

Exclusão de crianças de ambientes e eventos representa entrave ao amadurecimento

Famílias com filhos pequenos se sentem excluídas situações em que crianças não são bem-vindas


Publicado em 16 de setembro de 2021 | 03:30
 
 
 
normal

Há sete anos, sempre que recebe convites para eventos sociais, como festas de aniversário ou casamentos, Priscila Zavagli Suarêz, 37, encara o mesmo dilema: “E as crianças?”. Uma questão que, com a gradual retomada de atividades e eventos, anteriormente suspensos por causa da pandemia da Covid-19, volta a assombrar a comunicadora, que é mãe de Stella, de 3 anos, desde que ela iniciou um relacionamento com Bruno Brant, pai de Heitor, de 13, e de Pedro, de 10 anos.

“A partir do momento em que me vi como madrasta de dois meninos e, depois, quando tive a minha filha, essa se tornou uma preocupação central para mim”, diz, explicando o motivo do incômodo: “Acontece que esses ambientes não são pensados para famílias que têm filhos. Em alguns casos, há até a indicação velada ou escancarada de que crianças não são bem-vindas. E, se elas não podem ir, eu também não vou”, assevera. Para além de festas de aniversário e casamentos, Priscila acrescenta que se vê diante desse impasse em diversas outras ocasiões. “Há também restaurantes, hotéis e outros ambientes que não são amigáveis a famílias com filhos pequenos. Infelizmente, parece que, para a nossa sociedade, excluir a infância é algo normal”, analisa. 

Na avaliação da psicóloga Márcia Tosin, expoente do movimento da criação neurocompatível, todos perdem quando se opta pela segregação de algum grupo social, seja ele qual for. “A sociedade como um todo fica prejudicada à medida que um dos efeitos dessa prática é a normalização da exclusão de pessoas, que pode nos fazer acreditar que temos o direito de excluir o outro se o julgamos ‘incompatível’ com um certo meio”, expõe. 

Ela pondera que, evidentemente, existem ambientes que, naturalmente, não são apropriados para as crianças, como casas noturnas, em que há ostensiva presença de bebidas alcoólicas, ou hospitais, em que é preciso manter o silêncio. O debate que se propõe nesta reportagem, portanto, diz sobre espaços em que a presença de crianças não seria, a priori, contraindicada. 

Dado o contexto, Márcia sublinha que, para ela, soa absurdo que ainda seja necessário bater na tecla de que as crianças também são sujeitos sociais e são parte da sociedade. “Compreendendo isso, fica mais óbvio entender que elas precisam ser incluídas em diversos ambientes e inseridas em diferentes contextos. Só assim é que poderão aprender a adequar seu comportamento social, entendendo, aos poucos, o que é esperado delas em cada ocasião”, argumenta, acrescentando que vetar a presença dos pequenos significaria impor um desafio ao desenvolvimento deles. 

“O que precisamos ter em mente é que as crianças devem ser respeitadas em sua dignidade, e nós, adultos, devemos saber moldar nossas expectativas. É claro que vamos nos frustrar se esperarmos que elas ajam como adultos. Isso não vai acontecer porque, na infância, o estágio de desenvolvimento cognitivo é outro”, pontua a psicóloga, que é ativista em defesa do respeito ao máximo desenvolvimento humano a partir da compreensão das condições ideais pelas quais o cérebro humano se desenvolve. 

Essa modulação de expectativa passa, inclusive, por compreender a “birra” como a expressão de uma emoção que a criança ainda não é capaz de elaborar. “É fundamental que as pessoas não julguem pais e mães quando filhos deles passam por um episódio assim. E é igualmente fundamental que pais e mães – ou outros tutores – saibam respeitar e lidar com essa descarga emocional de forma positiva”, reforça. 

Cultura 

“O problema é que a exclusão, nesses casos, é acobertada e estimulada por uma cultura que diz que a criança, em seu comportamento natural, atrapalha e incomoda. Uma lógica que ignora que a infância é um tempo de desenvolvimento em que gritar e correr é normal e esperado”, avalia Márcia Tosin, lamentando que tenha havido o que considera como uma “institucionalização” desse incômodo. “Fenômeno que está em descompasso com as necessidades de desenvolvimento social da criança”, examina, indicando que não vê outra alternativa a não ser repensar a forma como lidamos com a presença dos pequenos nos mais diversos ambientes. 

“A outra opção seria simplesmente deixar as crianças de lado, em um limbo social, até que alcancem uma maturidade cognitiva e passem a agir de maneira que agrade aos adultos. E isso não me parece plausível”, critica. 

Famílias excluídas 

A exemplo do relato de Priscila Zavagli, a psicóloga Márcia Tosin salienta que a atitude de excluir as crianças repercute na exclusão das famílias com filhos pequenos. Ela lembra que é uma bandeira histórica das mulheres – e do feminismo – a luta pelo direito de elas continuarem integradas à sociedade ao mesmo tempo em que criam seus filhos e suas filhas. 

“Um retrato dessa luta diz respeito ao direito de amamentar em locais públicos, algo tão básico, que é um direito legal assegurado às lactantes e que, muitas vezes, ainda é tratado como motivo de constrangimento”, ressalta. 

“Com o meu trabalho, escuto principalmente histórias de mães que, depois que tiveram suas crianças, sentem que não são mais bem-vindas, por exemplo, nas igrejas que sempre frequentaram. Muitas já me contaram que gostariam de voltar a frequentar cultos ou missas, mas, diante do olhar de repreensão dos outros quando as crianças ficam agitadas em algum momento da cerimônia, elas preferem adiar esse retorno”, comenta. Ela acrescenta que experiências semelhantes são relatadas por mães que desejam voltar a ir a um restaurante, mas, diante de olhares inquisidores, acabam desistindo de sair de casa. 

É possível fazer diferente 

Em 2019, quando Stella havia acabado de aprender a andar, Priscila Zavagli foi convidada para um casamento em Ilhéus, no litoral baiano. "Nós moramos em Belo Horizonte, então foi toda uma logística para ir e sempre com aquele medo do que esperar. Para a minha surpresa, havia um grande espaço designado para as crianças, com tendas, livrinhos de atividades, giz de cera e até colchonetes para que elas pudessem dormir, se quisessem”, recorda a comunicadora. 

“Não acredito que ter esse espaço tenha sido um custo significativo, considerando o que se gasta em uma festa dessas. E o resultado foi fantástico, o que só prova que é possível fazer diferente”, opina. Para ela, já passou da hora de se substituir o “child free” (livre de crianças, em português) pelo “child friendly” (amigável para crianças). 

Por outro lado, Priscila critica o fato de que muitos buffês costumam propor para os casais que a presença de crianças será um transtorno. “Tenho amigas que passaram por isso. Embora, para elas, as famílias deveriam levar os filhos, a empresa que faria o cerimonial insistia em ver problema nessa escolha”, conta. 

“É claro que a criança vai ficar entediada se ela estiver em um lugar em que só tem adultos. Mas cabe aos pais, e não a outra pessoa, ter o bom-senso de decidir quando é a hora de ir embora. Não é justo que os outros decidam por nós onde podemos ou não ir com nossos filhos”, reforça.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!