Pandora

A pele que habito

Mulheres provam que o corpo não precisa se encaixar em padrão algum e dão força ao movimento de autoaceitação batizado de Body Positive


Publicado em 11 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
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No início do ano, a modelo Kendall Jenner, 22, do clã Kardashian, causou na cerimônia do Globo de Ouro ao aparecer no tapete vermelho com espinhas aparentes no rosto, sem apelar para o recurso do make para disfarçá-las. Para a maioria dos mortais, problema algum. No entanto, a moça foi massacrada nas redes sociais, o que fez com que retrucasse: “A acne faz parte da vida de algumas pessoas, mas não é o que define quem você é”. Assim como Kendall, outras mulheres vêm aderindo ao Body Positive, movimento que refuta os ditos “padrões de beleza” – propondo que as pessoas aceitem seus corpos como são.

A corrente, que ganhou ainda mais força neste ano, propõe discussões sobre os ditames da indústria da beleza no que diz respeito ao corpo. No mesmo embalo, a jovem atriz Saoirse Ronan, 23, protagonista do filme “Lady Bird”, compartilhou como foi reconfortante não precisar disfarçar suas espinhas durante a filmagem do longa-metragem de Greta Gerwig. “A maioria dos jovens tem acne, mas você não vê muito isso no cinema”, pontua.

Mas não é preciso procurar apenas em outros países exemplos de Body Positive – uma busca rápida pela hashtag #bodypositive no Instagram permite deduzir que não se trata de uma “modinha”. O movimento convidou, mesmo que indiretamente, mulheres que ainda não se sentiam representadas a seguir o mesmo caminho – caso da cantora Anitta. No fim do ano passado, ela também ouviu comentários nada agradáveis ao mostrar seu corpo sem retoques – com direito a celulites à mostra – no clipe de “Vai, Malandra”. Para ela, a exposição foi uma das formas de libertar o corpo dos padrões irreais, principalmente diante de dados impactantes: apenas 4% das mulheres se consideram bonitas, apontou pesquisa conduzida pelo instituto britânico StrategyOne, em 2011, feita em 20 países, incluindo o Brasil.

Vozes como a da cantora fazem refletir sobre o processo de aceitação, que tem o endosso, por exemplo, da carioca Joana Cannabrava, do blog Futilidades. Ao lado da amiga Carla Paredes, inspira mulheres a falar sobre beleza e a relação com seus corpos. Longe de ser mais um blog de moda, a iniciativa, de acordo com as meninas, permite uma maior conexão com as seguidoras por meio dos posts que propõem reflexão sobre o tema ou que tratam da autoestima. Não por outro motivo, após seis anos de existência, o site mudou seu foco, propondo mais debates sobre amor próprio, de forma mais acolhedora.

“Na primeira foto que postei de mim mesma, do jeito que sou, achei que seria gongada – mas me senti completamente acolhida. Parecia que as pessoas estavam carentes de posts com conteúdo fora do padrão. Este ano, percebi que muita gente vem postando fotos mostrando seus corpos com mais naturalidade e com um olhar mais amoroso”, avalia Joana, que em janeiro compartilhou a experiência de sua primeira vez em uma praia de nudismo e como isso a fez amar ainda mais o próprio corpo. “Foi maravilhoso ter essa vivência e ter a coragem de contá-la. Talvez tenha sido uma das aventuras mais corajosas que fiz e me senti muito confiante”, relembra ela, que também optou por vetar alguns comentários negativos sobre sua foto. “Fiz um acordo de não ler e foi a melhor coisa, para manter o meu olhar onde quero, sem energia ruim”, explica Joana, que, há um ano, também criou no Facebook um grupo do blog, que promove, pelo Brasil, encontros offline – o próximo vai acontecer justamente em Belo Horizonte, no dia 24.

Início. O Body Positive pode ter sido uma consequência do movimento #nomakeup, iniciado no ano passado pela cantora norte-americana Alicia Keys. Por meio de um manifesto em suas redes sociais, a diva deixou claro que estava farta do discurso de padrão de beleza, a ponto de considerar que o recurso da maquiagem não é obrigação diária. “Todo dia, saía de casa preocupada se tinha me maquiado. Minha insegurança era baseada no que os outros pensavam de mim. Não quero mais me cobrir. Nem meu rosto, nem minha alma”, disse Alicia, que, na época, inspirou atrizes como Gwyneth Paltrow e Cameron Diaz a postarem selfies de cara limpa.

Para o coach e mestre em psicologia Otávio Grossi, há outra questão nas redes sociais que acabam atravancando a visão positiva do próprio corpo. “A sociedade vem tachando esses movimentos como se, por meio deles, as pessoas estivessem criando desculpas para não adotar hábitos saudáveis – mas isso é uma mentira. A autoaceitação passa pelo encontro de outro modelo de vida, um modelo não pautado pelos padrões, mas sim pelo bem-estar e pela qualidade de vida. Isso é uma construção da autoimagem da pessoa e precisa ser reforçada. Não que você não consiga chegar a viver na manutenção desses padrões”, defende.

Por meio da empatia, mulheres também se sentem convidadas a exaltar seus corpos, pele ou cabelos mesmo em meio a processos de mudanças estéticas – seja um emagrecimento ou uma transição capilar. Joana deixa claro que o próprio Body Positive centra seu foco na compreensão das limitações de cada um. “O movimento fala sobre aceitar o corpo como ele é, o que não implica se acomodar. É aceitar que ele está assim naquele momento. As mulheres podem mudar o que quiserem em seus corpos, buscando um olhar amoroso sobre ele, mesmo nos momentos mais difíceis. Você pode não amar o seu corpo nesse momento, mas entende, aceita essa condição – e não se odeia”, explica. “Acredito que, no futuro, a representatividade será vista de forma natural e não precisaremos brigar por isso”.

Nas redes sociais, a blogueira plus size Ju Romano é mais uma a colocar as discussões sobre o tema, desde 2008. “Esse propósito nunca mudou. A diferença é que, hoje, vejo que somos a maioria. O movimento ganhou força a partir do momento em que mulheres empoderadas começaram a dar as caras com seus corpos do jeito que são, falando para as outras: ‘Ei, está tudo bem ser quem você é, como você é. Eu sou como sou e sou muito bem-sucedida (em todos os aspectos da vida)... Você pode ser também!’”, explica ela.

“Sempre que publico qualquer coisa nas redes sociais, procuro prestar um serviço a quem estiver me acompanhando. No caso, sou formada em jornalismo, então, para mim, o compartilhamento de informações verdadeiras é uma prioridade”, esclarece Ju Romano. 

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