Foi há pouco mais de dois anos que a funcionária pública aposentada Kátia Oliveira, 62, resolveu assumir de vez as madeixas brancas. Assim, ela aumenta a lista de mulheres que colocam essa opção sob um prisma positivo, desconstruindo a imagem de desleixo a que eram relacionadas no passado.
Avessas à prática de tentar disfarçar os primeiros fios brancos, mulheres de várias idades e perfis têm feito essa nesta opção. Algumas delas inserem-se no patamar das celebridades – como Isis Apfel, Vera Holtz, Rita Lee, Maria Bethânia e Meryl Streep, para citar alguns exemplos. Bem-resolvidas, ostentam madeixas inspiradoras. No caso, Kátia quando ainda estava no processo de transição, que, vale dizer, pode ser demorado. E exigir paciência. “Na verdade, sinto que não fui eu, e sim o meu cabelo que pediu para ficar natural. Na hora em que percebi a proximidade dessa mudança, resolvi encarar todas as etapas do processo”, explica ela, que adotou um método. “Fui cortando aos poucos para que os fios brancos reinassem mais do que a antiga tintura e fiz cortes também mais ousados. Essa decisão me deixou mais confiante e segura”, garante.
Assim como Kátia, outras mulheres refutam veementemente a associação dos cabelos grisalhos a sinais de desleixo ou a um envelhecimento acelerado. Caso também da jornalista Caroline de Paula, 32, que começou a apresentar os primeiros fios brancos bem jovem, aos 18 anos. Há três anos, ela decidiu desencanar com a tintura, motivada principalmente pelo cansaço de voltar ao salão todo mês para o retoque da raiz. “Quando decidi parar de pintar, foi também para me livrar dessa prisão estética, principalmente a de ter que pintar o cabelo ‘obrigatoriamente’. Sempre curti muito o cabelo branco. Na minha opinião, não significa que estou velha, mas sim que ele é de outra cor. O platinado também não está na moda?”, brinca. Caroline conta que foi um cliente que viu o cabelo branco aparecer na raiz e sugeriu que ela assumisse os fios, opção também apoiada por seu namorado. No Instagram, a moça expõe suas impressões e incentiva quem planeja fazer o mesmo.
Aceitação. Mas, sim, a opinião alheia ainda é um dos maiores incômodos na vida de quem quer assumir os cabelos brancos. Mesmo com o incentivo de amigos, Caroline lembra que, no início do processo, não foram poucos os que chegaram a constrangê-la, associando a ausência de cor ao descuido ou ao envelhecimento precoce – por conta de sua pouca idade. “Levo tudo numa boa. Não me enxergo velha e sempre falo que a velhice está na cabeça das pessoas; vem de dentro”, rebate.
Em paz com a escolha, ela também enxerga o novo visual como um processo de aceitação interior e uma grande prática de desapego aos padrões de beleza impostos pela sociedade. “Por que esconder algo que é da minha natureza? Tenho que ser feliz com a minha essência. O cabelo me empoderou! Hoje, uso o que quero e de fato sou mais ousada. Até uso mais maquiagem e tenho mais liberdade no vestir”, frisa ela, que, além dessa dose extra de auto-confiança, já inspirou outras mulheres a assumir os fios brancos – caso, por exemplo, de sua irmã.
Transformação. O embranquecimento dos cabelos é, de fato, um processo natural do organismo. O dermatologista Alberto Cordeiro, especialista em cosmiatria da Horaios Estética, de São Paulo, diz que a idade em que surgem os primeiros fios brancos é bem variável. “Resultam do próprio envelhecimento do couro cabeludo. Com o passar dos anos, o estresse oxidativo vai aumentando a formação de radicais livres, fazendo com que o fio também envelheça, formando a canice, que é o termo técnico para cabelo branco”, explica.
A quantidade está relacionada também ao estilo de vida, o que justifica o fato de algumas mulheres possuírem mais cabelos brancos do que outras. “Toda a parte de qualidade de vida, como os cuidados diários, influenciam para o aumento dos fios brancos – caso de sono, alimentação, atividade física e estresse”, enumera. Uma curiosidade: os primeiros fios brancos costumam chamar a atenção também pela qualidade diante dos demais: “Eles tendem a ser mais grossos, menos flexíveis e mais ressecados que o fio normal. A estrutura física em si não se modifica, só há uma perda de pigmento”, salienta o dermatologista.
Por causa desse ressecamento natural, causado principalmente pela falta de melanina, a hidratação precisa ser reforçada. “Quem deseja deixar os fios grisalhos é aconselhado, desde o início da transição, a investir em cuidados como a hidratação e a nutrição dos fios, mas aconselhamos sempre a procurar a orientação de um profissional, para um tratamento mais personalizado”, explica Renata Souza, especialista em tratamentos capilares naturais do SpaDios.
Moda e beleza inspiram transição capilar
Mulheres maduras que deixaram as madeixas naturais têm figurado cada vez mais em publicações e desfiles de moda, incentivando para que outras a encarar essa etapa da vida com mais naturalidade. Recentemente, o modelo grisalho Jorge Gelati,52, fez bonito na passarela da Ellus, enquanto Vera Valdez, 81, queridinha de Coco Chanel e primeira modelo brasileira a fazer sucesso no exterior, desfilou na apresentação da última coleção da Renner. A tentativa está em sintonia com marcas e empresas, como a própria Renner, que abraçam a tendência de inserir pessoas reais em suas campanhas.
Para libertar-se das tinturas, Renata Souza, especialista em tratamentos capilares naturais do SpaDios, explica que é quase inevitável o contraste de cores no início do procedimento. “O início do processo de transição é, sim, difícil – porém é preciso enfrentá-lo, se o desejo for mesmo se libertar de vez das tinturas. O mais aconselhável é que cada um cuide dos fios desde o início e, para escapar de um possível desconforto na raiz, que adote o uso lenços e penteados que cubram esse início de crescimento”, aconselha.