Moda

Personagens contam fatos curiosos sobre suas peças mais significativas

Inspirados pela nova série da Netflix, 'Histórias para Vestir', mineiros abrem o armário e falam sobre roupas repletas de afeto


Publicado em 11 de abril de 2021 | 07:00
 
 
 
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O ato de se vestir pode ser aparentemente simples, mas cada peça está carregada de significados e histórias de um aspecto mais afetivo. É justamente o tema abordado na nova série documental da Netflix “Histórias para Vestir”, que coloca como personagem principal a peça e os motivos mais do que justificáveis para que ela ocupe um lugar especial e cativo no armário, além da simples usabilidade. 

Assim como mostra a série, convidamos alguns personagens para desvendar as histórias e os significados de algumas de suas peças de roupas mais representativas e suas memórias e lembranças.

Thaís Guerra, publicitária
Minha madrinha se casou em 1978 e usou esse vestido vermelho para a recepção do casamento após a cerimônia, um modelo feito por um costureiro francês chamado Fernando Bedet especialmente para ocasião. Uma vez ela estava fazendo uma limpa no armário dela, em 2019, encontrou esse vestido e disse que ele combinaria comigo. Ele tem umas manchinhas do tempo e eu nem ligo. E a primeira vez que eu usei foi justamente no aniversário dela, em julho daquele mesmo ano. Eu queria muito que ela me visse com ele. Toda vez que tenho um evento de família, que seja especial, eu gosto de usar esse vestido. Ele já ficou muito tempo guardado, então sempre uso em ocasiões importantes como o casamento da minha madrinha.
 

Odette Castro, crocheteira e contadora de casos
Quando marquei o meu casamento, em 1982, minha sogra me fez um pedido: “Posso desenhar o modelo do seu vestido de noiva?” Constrangida, eu disse que sim. Então ela se juntou com minha mãe e minha madrinha, e teceram 3.780 flores de crochê (com linha de costura) que foram bordadas no vestido de filó, feito pela estilista Marília Gonçalves. Quase 30 anos depois, em 2010, Laura, minha filha, marcou seu casamento, e eu lhe fiz um pedido: “Você pode se casar com meu vestido?”. Ela disse que sim, mas tirou as mangas compridas e fez um decote quadrado para aparecer a tatuagem nas costas. Marília Gonçalves fez como ela pediu, e Laura se casou com meu vestido sob olhares emocionados da minha mãe e da minha sogra e bênção da minha madrinha, que não morava mais por aqui. Anos depois, eu e Laura não estávamos mais casadas, mas o vestido continuava guardando suas histórias e não merecia ficar numa caixa no fundo do armário. Foi quando me lembrei de que só um estilista poderia ganhar este vestido: Luiz Cláudio Silva, do Apartamento 03. Eu disse “Faça com ele o que você sabe fazer com maestria, que é costurar com amor”. Luiz disse “sim”, e o vestido foi sua inspiração para um desfile do Minas Trend, em 2013. Eu assisti emocionada, certa de que amores não se acabam. Só se transformam.

Albino Papa, diretor de arte
Eu tenho um short branco da marca esportista Lacoste, que era do meu pai, Reinaldo Papa. Ele faleceu jovem, com 51 anos. Das poucas coisas que ele deixou ao morrer, eu queria somente esse short, dos anos 1970 e que foi a única herança que peguei dele. Eu não empresto, não dou para ninguém, mesmo ele cheio de manchas do tempo. O short também tem o cheiro do meu pai, que é de uma colônia que ele usava, a Acqua di Parma. Uma vez, quando morava em São Paulo, fui fazer uma aula no clube do Pacaembu e, quando eu cheguei todo de branco com o shortinho, o senhorzinho treinador disse: “Não vejo um vestido assim tem 30 anos!”.

Ana Elisa, artesã e estilista
Eu nunca soube o porquê de minha mãe ter guardado esta peça: minha camiseta da aula de artes na escola, em 1990, quando tinha 5 anos, e que foi bordada pela minha mãe. Eu sempre fui muito ligada às artes, era o que me fazia mais feliz, mas, para a minha família, isso não poderia nunca ser uma profissão, no máximo um hobby. Depois de me formar na faculdade de direito e fazer OAB, eu me senti muito frustrada, passei por muitas fases e fui cursar moda no Rio de Janeiro, escondido da minha mãe. Ela descobriu quando fui chamada para um concurso em que passei, e eu disse que não poderia assumir porque estava fazendo outra faculdade. A frase dela foi: “Poxa, minha filha, depois de tanto estudar, vai virar costureira?” Eu sabia que ela tinha uma questão com isso: ela era costureira e nunca se valorizou. Eu só consegui dizer: “Mãe, na faculdade mal aprendemos a costurar, quem me dera um dia me sentir uma artista, assim como você com certeza é”. E desse dia em diante eu me prometi fazer com que ela percebesse o valor que a arte tem. Um dia, uma prima minha recebeu um e-mail da Farm, marca em que eu trabalhava, e nele continham as dicas das estilistas, e lá estava eu. Acho que foi a primeira vez que minha mãe sentiu orgulho de mim nessa profissão e sei que isso fez diferença pra ela mesma. Então ela me mandou uma peça de roupa que guardou, que é justamente essa camiseta da aula de artes da escola. E ela só me disse que sabia que eu ia querer guardar essa camisa, porque era quando ela me via mais feliz.

Elisa Cordeiro, designer
Eu tenho uma relação muito íntima com Ouro Preto, desde muito jovem. É uma das cidades mais incríveis que já conheci. Uma vez fui pra lá, há seis anos atrás, e aproveitei para finalmente prototipar uma peça que estava desenhada há muito tempo na minha cabeça, que era um anel de madeira com prata e pedra pirita, que é uma pedra mineira e solar. Minha intenção era projetar cidades em anéis. A partir disso eu vi o quanto era potente esse trabalho para mim e projetei isso como uma linha de peças. Foi o começo da minha história.
 

Acontecimentos narrados pelas roupas
Partindo do princípio de que lembranças de acontecimentos frequentemente ser articulam com roupas favoritas, a escritora e ilustradora norte-americana Ilene Beckerman escreveu, em 1995, o livro “Love, Loss and What I More”, que, vale lembrar, chegou ao Brasil em 2012, com o título “Amor, Perdas e Meus Vestidos” (Rocco). A ideia é originalíssima: em pequenos textos, e com as suas próprias ilustrações, ela faz uma espécie de autobiografia no qual os principais acontecimentos são narrados por meio das roupas. O aniversário de 10 anos, por exemplo, é contado por meio do vestido de tafetá xadrez, e assim sucessivamente, chegando à vida adulta. Como no dia exato em que resolveu se separar do marido, contado por meio de uma indumentária pra lá de especial, que ela usava no dia: um vestido-envelope estampado, em jérsei, de Diane Von Furstenberg. “Era fácil de vestir e confortável”, anotou ela. Convenhamos, um contraponto e tanto à decisão que resolveu tomar naquela data. (Patrícia Cassese)

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