“Olha esse look, que incrível. Vai me dizer que você não abraçaria alguém vestido assim na balada?”, aponta Kdu dos Anjos, 28, gestor e idealizador do projeto social Lá da Favelinha, localizado na Vila Novo São Lucas, uma das oito que formam o aglomerado da Serra, na zona Sul de Belo Horizonte. Sim, de fato, o look era chocante. O vestido em questão foi confeccionado com tecido “peludo” e trazia uma amarração estratégica na cintura. A estampa em alto relevo foi feita com recortes de jeans que simulavam grafites, tudo arrematado por um babado rosa néon.
A peça – que originalmente era um simples pulôver de inverno – foi uma das tantas que foram ressignificadas e que, agora, compõem o acervo de preciosidades únicas da grife Remexe Favelinha, criada no aglomerado da Serra, em 2017. As roupas são criadas segundo as regras do movimento upcycling, que transforma, de forma consciente, peças usadas em itens fashion.
Antes de virar grife, porém, a Vila Nova São Lucas já realizava bazares de roupas usadas, recebidas, via doação, de confecções do Prado e de brechós de Belo Horizonte. “Com o lucro, a gente pagava os lanches que eram servidos durante oficinas como as de rap, artesanato e inglês, aqui, no centro cultural da comunidade”, conta Kdu, que criou o projeto em setembro de 2014.
Primeiros passos. Seria em meados de 2017, ainda, com a oficina de customização de roupas usadas, ministrada pelo Sebrae especialmente para um coletivo de moradores da região, que nasceria a marca Remexe Favelinha. A grife ganhou vida oficialmente em agosto daquele ano com o Favelinha Fashion Week: desfile de moda realizado pelas pessoas do aglomerado, com roupas produzidas pelo grupo após a capacitação. Já em 2018, a Remexe lançou a sua primeira coleção disponível para venda em todo o Brasil, em parceria com a marca Re-Roupa, de São Paulo.
“A gente faz tanta roupa, que é para todo mundo. Se você não gostar de alguma peça, com certeza outra pessoa vai curtir”, explica Kdu, sobre o conceito da marca.
Ao lado dele estão, atualmente, a jovem Isabella Rodsil e sua mãe, Miliane Rodrigues, além de Carla de Lá à frente do projeto. Com a renda da venda das peças, o destino é sempre assim: metade para a costureira que trabalhou nela, e a outra metade para investimentos no ateliê, como compra de material ou máquinas de costura, e outras despesas fixas.
Mesmo com o pequeno núcleo à frente da oficina da grife, Kdu garante que outros moradores também se envolvem no projeto. Foi assim que Isabella Rodsil – sobrenome artístico para Rodrigues e Silva – convenceu sua mãe, Miliane, a ser uma das costureiras da Remexe.
“Vim mesmo por ela. Antes, trabalhava em um ateliê de alta-costura, mas, agora, tenho uma liberdade maior para criar, sabe?” sorri Miliane. “Agora, ao olhar uma roupa inteira, não consigo não pensar de que forma uma parte dela pode ser reaproveitada em uma nova peça”, vislumbra.
Mais além. E é assim que a Remexe vai acontecendo. Na visita da reportagem ao ateliê, via-se peças como duas camisas jeans que, juntas, formavam uma saia longa. Ou a calça de moletom que, cortada de cabeça para baixo, virou um cropped, assim como rendas de vestido de festa adornando camisetas básicas. Quando prontas, as peças ganham a etiqueta Lá da Favelinha.
“Eu participava da oficina de rap, mas gosto mesmo é de customizar roupa”, assume Isabella, 16, que além de ser designer e executora das peças, também cuida da divulgação da marca nas redes sociais – e já foi modelo das próprias criações. “Fazer moda aqui é diferente”, enfatiza.
Kdu acrescenta: “Algumas pessoas ainda acham que aqui é só tiro, porrada e bomba”. Frisando o contingente de pessoas incríveis com que convive, Kdu garante: “É muito emocionante fazer moda aqui. A gente começa a sair das páginas policiais para mostrar que estamos criando conceito, e não remendando roupas”. Sim, ele já teve conhecidos que se envolveram com o tráfico de drogas, de onde tirou ainda mais vontade de influenciar outros moradores a fazer diferente.
Agora, a Remexe vive dias de expectativa com a nova coleção, batizada de “É Curva”, concretizada a partir das oficinas de criação, conceito e modelagem oferecidas pela universidade Fumec em parceria com o Sebrae MG. Após o suporte técnico, as peças foram desfiladas no evento de conclusão do curso de design de moda em dezembro último. “Eles trabalham de forma mais orgânica e têm uma visão própria para ressignificar a roupa”, elogia Rodrigo Cezário, que cuidou da direção geral e auxiliou as oficinas de planejamento da coleção. O editoral contou como modelos os jovens da comunidade que estão envolvidos no projeto Lá da Favelinha.
Grife vai desfilar em Londres
Há pouco mais de 15 dias, o centro cultural Lá da Favelinha passa por reforma e ampliação para atender os 50 mil moradores. Em poucos meses, o novo espaço vai receber também a nova sede do ateliê de costura da Remexe Favelinha e mais a loja Favelinha Shopping Center, destinada à venda das peças criadas. O feito só foi possível por meio de um financiamento coletivo – o Levante Favelinha. A campanha deu certo e foi realizada pela empresa de crowdfunding Evoé Cultural. Em breve, o local também vai abrigar a realização de oficinas, cursos, refeições coletivas e pequenos eventos.
Mas, antes de mesclar o ponto de referência no cenário do passinho do funk com oficina de rap e o ateliê de costura da Remexe, Kdu dos Anjos, juntamente a outras costureiras, se preparam também para mais uma novidade: vai desfilar em Londres no mês de outubro deste ano e levar os bastidores de como é fazer moda e ditar tendência na favela a patamares internacionais.
Futuro. O feito é uma parceria entre o Sebrae e o British Council (Conselho Britânico) e vai levar os membros da Remexe Favelinha para ministrar palestra sobre o processo de criação das coleções.
“Às vezes me perguntam se eu preciso trabalhar a autoestima das pessoas aqui na comunidade. Pelo contrário: precisamos ser mais humildes porque o nosso ego está lá em cima, ainda mais com a notícia dessa viagem a Londres”, brinca Kdu.
Não se sabe ainda ao certo se a Remexe vai preparar alguma coleção exclusiva ou inserir novas criações resultados do upcycling até o evento. A ideia, de acordo com Kdu, é fazer uma espécie de reunião do acervo pessoal das coleções já lançadas com o desfile Favelinha Fashion Week.
Além disso, há o projeto Garota Hacker, por meio do qual as costureiras do bairro vão aprender mais sobre tecnologia e, assim, mostrar o trabalho que desenvolvem numa faculdade de moda inglesa.
Onde comprar. Além das feiras e de eventos promovidos pelo Lá da Favelinha, em que as peças das coleções da Remexe Favelinha estão disponíveis, a venda também acontece virtualmente pelo site www.favelinhashoppingcenter.minestore.com.br e também pelo Instagram @remexefavelinha
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