Quando pensamos em autocuidado, nossa cabeça automaticamente nos transporta para uma série de afazeres, como tirar um tempo para descanso, fazer atividades físicas, tomar água, máscaras faciais, dormir bem e tranquilo por determinada quantidade de horas, fazer pausas essenciais durante o trabalho, frequentar a terapia… a lista é imensa, precisamos ser sinceros. E acaba que, para dar conta de tudo, começamos com uma competição acirrada contra nós mesmos a fim de completar as tarefas.
Vale destacar que o conceito de autocuidado foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e contempla uma atitude ativa e responsável de cada indivíduo diante da própria saúde, 24 horas por dia, sete dias por semana, por meio de hábitos saudáveis. Só no Instagram, a hashtag #autocuidado possui 11.118.407 publicações até o fechamento desta reportagem - muito provavelmente esse número deve ter aumentado. “E se o autocuidado pudesse ser mais simples do que esse checklist autoimposto?”, analisa a terapeuta e consultora de autoconhecimento Isis Paranhos. Para a especialista, o autocuidado está se tornando, de fato, uma relação de obrigações, impondo-se como um verdadeiro fardo em vez de um olhar cuidadoso para si mesmo. “A única coisa que importa é você escutar o seu corpo, o que faz sentido para você e o que te dê prazer naquele momento. Um dia pode ser fazer as unhas, outro dia pode ser ficar de pijama sem tomar banho, comendo brigadeiro de colher… e tá tudo bem”, pontua. “É como se tivesse propagado a ideia que existe uma receita de bolo que, se todo mundo seguir, pode ter certeza que vai dar certo. Mas se esqueceram de levar em conta a temperatura do forno e a qualidade dos ingredientes de cada um. É algo muito individual”, compara a terapeuta.
Foi assim o que aconteceu com a gestora de marketing Silvia Borela. Ela relata que durante a pandemia foi incorporando alguns protocolos na sua rotina, como cuidados faciais - o chamado skincare - mas, com a vida voltando nos trilhos, viu que nem sempre tudo que os especialistas e influenciadores indicam, como horas de descanso e tempo de lazer, funcionava na prática e para a vida dela. “Fui descobrindo que o autocuidado, psra mim, deve ser definido muito mais por parâmetros próprios do que pelos externos. É um processo muito pessoal, e que provavelmente vai se redefinindo com o tempo e com a vida mesmo”. Agora, com as metas do Ano Novo em mente, a gestora de marketing também reavalia o que deve ou não comportar em 2024. “Foi muito importante também estar aberta a essa reavaliação, para ter motivos reais para engajar nas estratégias de autocuidado, o que ajuda muito na adesão”, conta.
Outro fato está pela exposição exacerbada do termo “autocuidado” pelas redes sociais, o que acaba influenciando o que o outro deve - ou não - fazer com sugestões de rotina, que inclui desde cuidados de beleza a relaxamentos para assistir filmes. “Autocuidado é uma palavra que se popularizou muito na internet nos últimos anos. E o engraçado é que ela ficou em alta por algo super simples, como fazer skincare. Cuidar da sua pele é, sim, uma forma de autocuidado, mas observar sua saúde física, cuidar da mente, conhecer seus limites, dormir bem, beber água, aprender a dizer ‘não’ e entre outras ações que podem te fazer bem como um todo também é autocuidado”, escreveu Karla Lopes, criadora e diretora criativa da Lunnare, marca de produtos de bem-estar natural, no artigo “Como vender autocuidado se está todo mundo meio mal?” disponível no Linked-in aqui.
Cobrança
Quem concorda com as pontuações do artigo é a consultora de marketing Fabiana Soares. Ela relata que escrevia rotinas semanais de autocuidado e metas a serem compridas também diariamente, mas que começaram a atrapalhar a jornada. “Eu começava a me cobrar para fazer as coisas. O autocuidado é se acolher, se tratar bem e se tratar com amor. Quando você pega essa lista, se obriga a fazer isso à força, te obrigando e se sente culpada e mal depois por não dar conta, isso é zero autocuidado”, pontua Fabiana. “Quando eu chegava nesse ponto, isso me irritava. Era o efeito contrário. Você sabe que aquilo é importante para você, mas você não consegue naquele dia, porque está atarefado”, disse a consultora.
A solução, então, foi fazer as pazes com o termo e ressignificá-lo com um novo olhar. “Hoje, para mim, autocuidado é entender as necessidades principais de cada dia, acolher e não me cobrar nem me exigir”, disse. “É honrar as minhas necessidades e os meus desejos. Houve uma mudança de entendimento do que é autocuidado, sair desse lugar que era punitivo para ter as necessidades facilmente atendidas e os desejos espontaneamente realizados”, acredita.
Karla Lopes ainda escreve no mesmo artigo sobre a pressão de inserí-lo na rotina e o risco de ser um gatilho para problemas emocionais por conta do compartilhamento e pulverização do discurso e a vontade de se encaixar. “Estamos vendo por aí nas redes sociais uma onda de autocuidado tóxico, aquele conteúdo de bem-estar que faz você se sentir um lixo por querer se cuidar igual ao influenciador que você segue, mas sentir que não consegue fazer o suficiente pra ter a mesma rotina que ele”, alerta. “A minha ideia como comunicadora nas duas atuações é trazer identificação, alento e inspiração sem cobranças. O autocuidado que faz você se sentir pressionado e atrasado não cuida de verdade“, reflete.