Violência psicológica

Relação de Gui e Gabi, dentro do ‘BBB 20’, gera debate sobre ‘gaslighting’

Apontado como tóxico, namoro entre participantes do reality provoca reflexões; vítima de abuso psíquico e especialistas veem paralelos entre histórias de vida e cenas da atração


Publicado em 03 de março de 2020 | 03:00
 
 
 
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“De onde essa mina tirou esse voto? O que ela quis pagar também, de que ela está defendendo a Gabi?”, questiona Felipe Prior, participante da 20ª edição do “Big Brother Brasil” (BBB), em conversa com Guilherme Napolitano que, no domingo, foi indicado ao paredão pela líder da semana na casa, Ivy Moraes. Em sua justificativa, a mineira disse ter sido motivada por ações do modelo em relação à namorada, a cantora Gabi Martins. “Atitudes que, como mulher, me doeram muito”, situou.

O faro de Ivy para as más condutas do participante foi ratificado nas redes sociais: no Twitter, até a tarde de ontem, mais de 60 mil posts criticavam ocasiões em que Guilherme, por meio de um comportamento aparentemente manipulador, causou sofrimento psicológico e emocional à sua parceira. A mobilização dos usuários fez com que a hashtag #ForaGuilhermeAbusivo ficasse entre os tópicos mais populares no site.

Especialistas e mulheres vítimas de abusos psicológicos identificam uma correspondência entre o que viram no reality global e situações de gaslighting – um estrangeirismo usado para classificar situações em que “o agressor omite, distorce e cria informações fazendo com que a mulher duvide de si, de seus sentimentos, da sua capacidade de compreensão e até de sua sanidade mental”, explica a psicóloga Adriana Roque. “Normalmente, tudo isso é feito a partir de um discurso de cuidado, atenção e carinho para com a vítima”, completa.

O gaslighting pode incluir a distorção de falas e de fatos, além de a responsabilização da mulher por todos os conflitos. “Até quando se culpa, o agressor faz parecer que é dela a responsabilidade por suas ações”, explica Adriana, que é coach de mulheres. Para a profissional, o autoconhecimento é a melhor ferramenta para que as vítimas identifiquem quadros afins.

Vida real

A publicitária Joana*, 34, relata ter passado por experiências semelhantes – e vê paralelos de sua vivência com o que acontece no “BBB”. “Eu identifiquei que estava sofrendo gaslighting durante a terapia, mas minha primeira reação foi negar. Então, quando comecei a acreditar que estava em um processo de manipulação, já estava tão mergulhada nessa relação que não conseguia me desvencilhar. Foram mais de seis meses sofrendo coisas parecidas com o que está rolando no reality”, relembra.

“No meu caso e também no caso de muitas mulheres com quem convivo, quando nos damos conta, a negação é a primeira reação. Porque, afinal, já está se sentindo mal, está sendo subjugada em suas decisões... Daí, de repente, você percebe que tudo aquilo está se dando por meio da manipulação, e, então, você se culpa por ter permitido aquilo”, completa Joana, apontando para um ciclo em que a culpa não é apenas ponto de partida, mas funciona como um cerco, impedindo que a mulher se afaste do agressor.

À certa altura, quando a publicitária tentava terminar seu relacionamento com o agressor, o então namorado debulhava seu rosário de ameaças e buscava diminui-la. “Eu não queria estar fisicamente com ele”, lembra. “Ele reagia dizendo que, se eu não o queria, é porque estava louca. Que só ele seria capaz de me amar do jeito que sou”, aponta. No episódio mais grave, Joana pensou em pular da janela do apartamento, no quinto andar de um prédio. Ela não queria se matar, mas se afastar dele. E temia que, saindo pela porta, fosse seguida. “Hoje, a vontade que sinto é de entrar na casa (do “BBB”), pegar essa menina no colo, e dizer que ela pode sair dessa”, afirma.

*Nome fictício

Origem do termo

Incorporada ao português, gaslighting é um neologismo da língua inglesa que se origina de um filme de 1944. Trata-se de “Gaslight”, um terror psicológico em que um marido, aparentemente dócil, esforçasse para manipular sua mulher, buscando convencê-la de estar louca, a partir de sugestões sutis. Na produção, ele, por exemplo, diz que ela imagina que as luzes da casa piscam – o que ocorre de fato.

Programa traz pautas atuais 

Em sua edição de número 20, o “Big Brother Brasil”, mais uma vez, ganha relevo e é razão de embates – nas redes sociais ou nas mesas de bares. Desta vez, mais que mobilizados por afetos acerca de um participante, pautam as conversas, principalmente, temas ligados a abusos, físicos ou psicológicos, contra mulheres.

É sintomático que os dois principais candidatos a deixarem a casa no paredão triplo, que será decidido na noite de hoje, apareçam em empate técnico em diversas enquetes. Um deles, o modelo Guilherme Napolitano, é acusado pelo público da prática de gaslighting em relação à sua parceira, Gabi Martins. Já contra o ilusionista Pyong Lee pesam situações de assédio em uma festa na casa.

Embora lamente que cenas assim ocorram em um programa de televisão, a psicóloga Fábia Dayana, especializada em atendimento às mulheres, acredita ser “importante que os episódios apareçam”. Ao colocar os temas em pauta, afinal, o “BBB” parece levar parte de sua audiência a fazer aquilo que os detratores do reality show mais recomendaram ao largo desses 20 anos: ler e se interessar mais pelo antes desconhecido.

“A partir do que essa multidão está assistindo, conseguimos falar desses assuntos de maneira acessível, e cresce a curiosidade em pesquisar e entender melhor o que está acontecendo”, diz.

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