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Robótica marca a revolução na saúde

“Robô cirurgião, que já existe em Belo Horizonte, é um dos principais avanços da medicina mundial


Publicado em 08 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
 
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“De todas a inovações propostas pelo filme ‘De Volta para o Futuro’ (1985), a única coisa que ainda não inventamos é o teletransporte. O resto nós já temos”, disparou o anestesiologista Gustavo Tofani durante uma cirurgia feita pelo robô de nome Da Vinci, que chegou a Minas Gerais no ano passado. A expressão traz à tona como cada vez mais a tecnologia e a robótica têm ultrapassado limites na realização de procedimentos delicados e na substituição de tarefas que até então eram desenvolvidas pelo homem, inclusive na medicina.

O “robô cirurgião” já é considerado o principal avanço na medicina dos últimos anos e tem favorecido imensamente a atuação dos médicos. Chao Lung Wen, chefe da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que a cirurgia robótica não é automática como os equipamentos usados na indústria automobilística, por exemplo, na qual o robô faz a montagem por si só, não havendo a necessidade da intervenção humana.

“No nosso caso, quando falamos de um robô cirurgião, estamos trabalhando com a ideia de braços robóticos autônomos que estão sob o controle direto do médico-cirurgião. Ele não executa o procedimento sozinho, não é uma cirurgia comandada por inteligência artificial”, explica.

Esse tipo de maquinário, de acordo com Wen, está sendo mais utilizado quando o hospital investe em centros cirúrgicos inteligentes, equipados com todo um sistema autônomo que pode ser customizado, ou seja, que se adapta à altura mesa cirúrgica e a outros itens de acordo com o tipo de cirurgia.

Em Belo Horizonte, o equipamento foi trazido pelo Instituto Cirurgia Robótica Ciências Médicas, por meio de um financiamento de R$ 10 milhões feito pela Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma), e já realizou oito operações no Hospital Vila da Serra. Pelo menos outros dois robôs devem chegar ao Estado neste ano. O Biocor Instituto também já dispõe do equipamento.

O urologista e diretor técnico do Instituto Cirurgia Robótica José Eduardo Fernandes Távora conta que nos Estados Unidos esse tipo de procedimento começou em 2003. No Brasil, o primeiro robô chegou em 2008, a São Paulo, Estado que hoje conta com 12 dos 23 robôs de todo o país. “Esse tipo de tecnologia está chegando em todas as áreas, mas na cirurgia é a coisa mais moderna do século XXI. Veio para ficar, não tem mais volta. A tendência é que daqui a 20 ou 30 anos as cirurgias sejam todas feitas usando essa metodologia”, acredita Távora.

Além dos hospitais – e mais de 30 anos após o filme que marcou época profetizando o futuro –, esse tipo de inovação já chegou também aos equipamentos usados em exames e diagnósticos, segundo o professor da USP.

“Todos os exames laboratoriais que fazemos hoje em larga escala usam aparelhos com robótica. Sem as pipetas automáticas (utensílio semelhante a um conta-gotas), não conseguiríamos atender uma demanda de 50 mil exames por dia, por exemplo. O sequenciamento genético e toda a área de diagnóstico eficiente só foram viáveis por causa da robótica”, afirma Wen.

Distância. Para o cirurgião ginecológico Wilson Eustáquio Silva Jr., com todos esse avanços já é possível pensar em cirurgias à distância. “De Belo Horizonte, poderíamos operar um paciente no Rio de Janeiro. A telemedicina já está se iniciando no exterior. Durante um congresso em Lisboa, esse foi um dos assuntos debatidos”, comemora.

Na avaliação de Chao Lung Wen, antes que a telecirurgia se torne uma realidade é preciso criar melhorias. “As redes de transmissão de dados devem ser mais eficientes para evitar que o paciente sofra com ‘delay’. Qualquer procedimento com um atraso na transmissão maior do que meio segundo pode causar problemas graves. Além de criar sistemas de contingência, para evitar contratempos com a queda de energia ou de internet, por exemplo”, diz.

Para o professor, um dos próximos desafios é começar a criar rotinas para que o robô tenha capacidade de ajudar o médico a adotar reações imediatas; por exemplo, em caso de sangramentos, o robô faria uma intervenção automática para evitar o agravamento do problema.

Usando uma analogia com a indústria automobilística, segundo Wen, todo esse sistema está evoluindo a passos largos. “Primeiro começou a surgir os sensores de proximidade traseiros, hoje já existem carros que estacionam sozinhos com sensores na parte da frente e de atrás. A medicina vai caminhar pra isso”, projeta.

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Da Vinci tem excelentes resultados contra tumor

Eles carregam nomes de figuras que revolucionaram a humanidade, mas Sócrates e Da Vinci são dois modelos de robôs capazes de realizar intervenções cervicais, abdominais e torácicas, com o que há de mais inovador no campo da cirurgia minimamente invasiva. Com a tecnologia disponível em Belo Horizonte, desde setembro do ano passado, a reportagem de O TEMPO pôde acompanhar uma cirurgia de retirada da próstata, um dos procedimentos robóticos com melhores resultados dentre os de retirada de tumores.

A doença é o segundo tipo de câncer mais comum entre os homens, atrás apenas do câncer de pele não melanoma, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Somente em 2016, a estimativa atingiu a marca de mais de 61,2 mil novos casos.

O Da Vinci usado na capital é um aparelho fabricado pela empresa Intuitive Surgical, sediada na Califórnia, nos Estados Unidos, e pesa mais de 1 tonelada. O aparelho tem quatro braços articulados, uma unidade de imagem 3D e o console de onde o médico comanda os movimentos das pinças acopladas aos braços. Antes do procedimento de retirada da próstata, porém, o paciente é assistido por uma equipe multidisciplinar responsável também pelos preparativos do robô.

Esse preparo feito pelos médicos inclui toda a parte das incisões, semelhantes às de uma cirurgia laparoscópica – realizada com pequenos furos – por onde, em seguida, passam as pinças. “É como se o médico operasse dentro de uma caixa de sapato. Faz-se os buraquinhos e a dilatação para ampliar a cavidade, em seguida é colocada uma ótica para se enxergar lá dentro. Os outros braços são as pinças, que vão operar nessa cavidade”, explica o anestesiologista Gustavo Tofani.

Depois, o robô é posicionado e, então, um dos médicos, sentado no console, comanda todos os movimentos do equipamento, usando uma espécie de joystick. Ao mesmo tempo, um monitor mostra imagens tridimensionais até 12 vezes maiores do que as vistas a olho nu, de forma que o sistema reproduz todas as características de uma operação aberta convencional.

“Aumenta a precisão dos movimentos, porque a mão humana não consegue fazer os movimentos em 360º que o robô faz. As pinças são muito delicadas, e a pontinha aparece magnificada (aumentada) em dez vezes. Além disso, a imagem tridimensional facilita a visão”, completa o urologista José Eduardo Távora.

Enquanto na cirurgia aberta o procedimento levaria duas horas, na robótica o tempo diminui em uma hora. “Além disso, a coluna agradece, pois o médico fica sentado. O paciente não sangra, não tem estresse, e aí ele volta para as atividade mais rápido”, diz.

Com menos de um mês após a operação, a reportagem conversou com o paciente da cirurgia acompanhada, o administrador Egmar Gonçalves, 62. “Eu ia fazer a cirurgia tradicional, mas vi uma reportagem na televisão e acabei optando pela robótica. Na minha recuperação não senti dor nenhuma. Já estou na ativa”, comemorou.

Outra vantagem, segundo o cirurgião Wilson Eustáquio Silva Jr., é que o robô trabalha ligado a duas redes de Wi-Fi para que a operação seja monitorada em tempo real pela empresa fabricante. “As pinças têm um limite de dez cirurgias. Assim que acaba a décima, travam. É um procedimento de segurança para evitar que sejam reaproveitadas”, diz.

Para Távora, a próxima inovação deve ser um robô em que os quatro braços entrem apenas por um orifício e um equipamento com sensação tátil. (LM)


Técnica ainda encontra resistência

]Enquanto o retorno dos pacientes têm sido positivo, segundo o cirurgião ginecológico Wilson Eustáquio, no próprio meio médico a técnica ainda não é unanimidade. “Alguns cirurgiões nos procuram para conhecer mais a robótica, mas também tem ainda uma turma com um certo preconceito. Toda implantação é difícil e tem barreiras. Quando a videolaparoscopia começou, as pessoas achavam loucura, e hoje todo mundo faz. Com a robótica é a mesma coisa, tem gente que nunca fez e critica”, diz.

Apesar da revolução, cirurgias robóticas apresentam riscos. Conforme relatório publicado em 2013 no “Journal for Quality Healthcare”, entre janeiro de 2000 e agosto de 2012 milhares de acidentes foram notificados à Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, em inglês) dos EUA, incluindo 174 lesões graves e 71 mortes com o Da Vinci.

No Brasil, outro empecilho ainda é o custo, pois o uso do robô só é feito pela rede particular. Enquanto a prostatectomia por cirurgia aberta custa R$ 15 mil, a laparoscópica custa R$ 30 mil, e a robótica, R$ 45 mil. “Estamos chamando os convênios para conversar”, revelou o médico José Eduardo Távora. (LM)


Negociações com planos avançam

Por enquanto, os procedimentos iguais aos realizados pelo robô Da Vinci são feitos somente pela rede particular, mas as negociações com os planos de saúde já estão avançadas. Em nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirmou que diversas operadoras no país já dispõem, em suas redes própria e credenciada, de recursos robóticos para o atendimento de seus beneficiários, inclusive do robô Da Vinci. “A maior parte das inovações tecnológicas incorporadas à medicina hospitalar é oriunda do orçamento das operadoras, montante que corresponde, segundo informações da associação do setor, a mais de 90% do total de seu faturamento, possibilitando a aquisição desses equipamentos, principalmente por parte dos hospitais mais modernos”, diz o texto. (LM)

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