As consequências do tempo excessivo na frente de telas podem ir muito além da dificuldade de se enxergar ou de se focar objetos. As alterações visuais têm a capacidade de influenciar a vida das crianças em vários aspectos.
De acordo com a pediatra Cláudia Machado, presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade Mineira de Pediatria e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a visão é o sentido mais importante para o desenvolvimento físico e cognitivo da criança durante a primeira infância. “Gestos e condutas são aprendidos quando elas observam as pessoas ao seu redor. Pensando nisso, pais, pediatras e professores devem ficar atentos ao comportamento delas, pois um prejuízo no desenvolvimento visual pode ter consequências negativas para o resto da vida”, alerta.
Cláudia explica que os três primeiros meses de vida, quando a visão começa a ser moldada, são considerados o período mais importante para esse processo. Passada essa fase, a criança atinge a visão de um adulto quando está entre os 2 e os 3 anos. Já dos 7 aos 9 anos, o desenvolvimento visual está completo. “Atividades como atenção, memorização e socialização acontecem por meio de estímulos sensoriais, principalmente o visual. Para desenvolver a atenção, a criança precisa ver o objeto e aprender a se concentrar nele. Para a memorização, ela vai usar a concentração visual sobre o objeto e guardar as informações sobre ele. Quanto à socialização, antes de aprender a falar, ela vai usar o olhar sobre objetos e pessoas para se comunicar”, esclarece.
Ela afirma que distúrbios na visão apresentam maiores riscos para o desenvolvimento da criança na primeira e na segunda fase da infância. “Quando uma criança, desde muito nova, tem contato em excesso com celular, tablet ou computador, ela se acostuma a ter respostas imediatas por causa dos comandos utilizados nesses aparelhos, seja com jogos ou vídeos. A tendência, então, é que ela passe a ter um comportamento analítico imediatista das coisas e das pessoas. Mas nós sabemos que a maioria das situações na vida requer tempo, o que vai de encontro a esse efeito”, ressalta.
Impactos. Ainda como consequências negativas, a pediatra pontua que, quando os problemas oftalmológicos não são corrigidos, o rendimento escolar é prejudicado e, muitas vezes, surgem queixas de dor de cabeça e dispersão. Há repercussões também no comportamento: a miopia, quando não tratada, pode estar associada a uma personalidade introvertida. Hipermetropia e astigmatismo também podem levar a cefaleia, dispersão e pouca disposição para a leitura.
Segundo o oftalmologista Luiz Molinari, não existe um consenso sobre quando a criança deve ser avaliada preventivamente quanto à saúde ocular, mas ele aconselha que seja a partir dos 2 anos. “É quando os principais erros refrativos podem começar a aparecer, principalmente se a criança tem histórico familiar que favoreça esse quadro e/ou abusa na utilização de tecnologias”, alerta.
Quanto à frequência da visita ao oftalmologista, o médico sugere que a avaliação seja feita pelo menos uma vez por ano ou se a criança reclamar de algum sintoma comum aos problemas de visão.
“Isso ajuda a detectar precocemente erros refrativos, estrabismo e doenças oculares capazes de prejudicar o desenvolvimento visual da criança. O exame no consultório é objetivo, e as crianças não precisam necessariamente falar para serem avaliadas. Para cada idade, existem tabelas apropriadas que levamos em consideração na hora de examiná-las. São situações que podem ser prevenidas ou controladas”, finaliza.
Minientrevista
Débora Pinheiro
Oftalmologista pediátrica médica do hospital das clínicas
Há outros motivos para o aumento do número de crianças que usam óculos? Felizmente, sim. Acredito que um dos principais motivos seja a maior conscientização dos pais sobre a importância do exame oftalmológico completo como parte da rotina pediátrica, desde o primeiro ano de vida, movimento estimulado principalmente por pediatras, professores e pela própria mídia. Muitos diagnósticos estão sendo feitos, desde erros refracionais mais simples, com prescrição de óculos e/ou lentes, até doenças oculares mais sérias, com indicação de procedimentos cirúrgicos.
Há diferença de impacto entre uma criança e um adulto quando eles olham para telas em excesso? Sim. As crianças sofrem uma pior influência nos olhos porque ainda estão em fase de desenvolvimento. Dessa forma, seus olhos ainda podem ser “modificados” por estímulos nocivos, principalmente quando se trata do crescimento e da mudança da forma dos olhos, que podem determinar o surgimento e a progressão da miopia.
Qual seria o maior impacto do aumento dos casos de miopia na saúde ocular da população? A miopia aumenta a chance de doenças oculares que podem evoluir para a perda visual significativa e até para a cegueira, como o glaucoma, a catarata e as doenças graves da retina. Como a tendência dela é quase sempre de aumento, as crianças míopes de hoje serão os adultos míopes do futuro, e grande parte deles vai atingir graus muito elevados e, consequentemente, terá maior risco de complicações.