Algumas doenças e traumas cranioencefálicos podem mudar por completo a vida das pessoas que sofreram a lesão cerebral. De acordo com a região da massa cinzenta danificada, a personalidade se torna completamente diferente do que era antes de sofrer o traumatismo. Um exemplo é a rara síndrome de Klüver-Bucy – quando o problema atinge o lobo frontal – , que se caracteriza pela hipersexualidade e por outros desequilíbrios comportamentais.

Esse pode ser o caso do ajudante geral Diego Novais, 27, condenado a dois anos de prisão em regime fechado depois de ter atacado e ejaculado em pelo menos 17 mulheres dentro de ônibus em São Paulo. Depois de preso, o jovem alegou que os abusos começaram após ele retornar de um coma gerado por um acidente.

O coordenador do Departamento de Traumatismo Cranioencefálico da Academia Brasileira de Neurologia, Renato Anghinah, explica que os quadros de lesão encefálica adquirida podem ter inúmeras causas. “Por exemplo, encefalite derivada de meningite, infecção no cérebro, tumores, traumas, acidentes vasculares cerebrais e outros”, diz.

De acordo com o médico, nem todos esses problemas levam a alterações comportamentais. “Muitos pacientes saem disso com alteração cognitiva, motora, mas eventualmente também mudança comportamental, geralmente por causa da lesão no lobo frontal”, afirma.

Segundo Anghinah, essa é a região do cérebro responsável por modular a crítica sobre determinadas situações, entre elas as de perigo. “Uma criança tem essa região do cérebro ainda menos desenvolvida”, conta (leia o infográfico).

Um caso parecido ao de Diego Novais foi registrado e documentado em artigo publicado na revista “Neurocase”, em 2009, pelo neurologista inglês Oliver Sacks e pelos coautores Julie e Orrin Devinsky. O paciente identificado apenas como Kevin começou a consumir freneticamente pornografia infantil, depois de ter parte do seu cérebro retirada em uma cirurgia para tratar a epilepsia. De acordo com os autores, os primeiros sintomas apareceram aproximadamente um mês após o procedimento. “Meu apetite por comida e sexo aumentou dramaticamente. Eu tive mudanças de humor maiores. Eu queria sexo constantemente, todo dia”, relata o paciente em um trecho do artigo. Kevin chegou a ser condenado à pena máxima de 20 anos, mas, depois de confirmada a síndrome de Klüver-Bucy, teve a punição reduzida para 25 meses de confinamento em casa e cinco anos sob supervisão, punição mínima.

 

‘Ele me ligava em casa e até no trabalho”

O assédio foi por telefone. Ele me ligou diversas vezes no celular, na minha casa e até no meu trabalho. Falava sempre as mesmas coisas. Que me conhecia, falava o nome das escolas em que eu estudei”, lembra a confeiteira Rayana Oliveira, 29.

O relato dela é apenas entre vários outros num grupo do Facebook descrevendo a situação. Com os compartilhamentos, as mulheres acabaram descobrindo que o assediador é um rapaz que teve encefalite provocada por herpes. “Ele está em tratamento com neurologista, psicólogo e psiquiatra, mas, pela lesão no cérebro, ficou com comportamento compulsivo. Tentamos fazer com que ele se controle e não incomode as pessoas, mas é superdifícil”, contou a tia do rapaz no grupo.

Porém, segundo Rayana, a família deveria tomar outras providências. “Esse tipo de assédio dá uma sensação de medo, desespero, solidão. Nos sentimos desamparadas”, diz.