Droga

Redução de danos ajuda a vencer vício

Quando a simples abstinência deu lugar a uma abordagem alternativa, 89% dos usuários reduziram consumo de crack, segundo pesquisa britânica publicada em 2017


Publicado em 18 de junho de 2017 | 03:00
 
 
 
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Durante muitos anos, os dependentes químicos foram convencidos de que a única opção de tratamento para o vício era a abstinência, geralmente associada a internações. Mais flexível, outra política, chamada “redução de danos”, é hoje uma das principais tendências mundiais no tratamento da dependência química.

Essa abordagem busca a redução gradativa dos prejuízos provocados pelas drogas, mesmo que substituindo uma substância por outra menos prejudicial à saúde. Um exemplo é a maconha, que, apesar de ser considerada por muitos “porta de entrada” para outras drogas mais nocivas, nesse método pode ser utilizada como “porta de saída” para auxiliar, por exemplo, dependentes de crack.

Depois de acompanhar 50 dependentes que relataram usar maconha para atenuar a fissura, como é chamado o forte desejo de usar a droga, o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Atenção a Dependentes Químicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), observou que 68% deles conseguiram abandonar o vício em crack e, depois, espontaneamente, a maconha.

De acordo com o especialista, essa é uma opção à tradicional política higienista de retirar as pessoas da sociedade, como prioriza o prefeito João Doria (PSDB) em suas ações na Cracolândia, em São Paulo. Em operação policial no mês passado, ao menos 38 pessoas foram presas. A prefeitura tentou, sem sucesso, autorização judicial para internar os usuários à força, uma medida amplamente criticada por especialistas.

“A internação deve ser exceção, e não regra. Em uma situação artificial, é fácil ficar em abstinência. O difícil é quando a pessoa está na vida dela, com dificuldades e problemas”, argumenta o psiquiatra. Para ele, o paciente precisa de autonomia. “Eu trato dependentes há 28 anos. Se um deles me procura querendo ficar abstinente, eu vou trabalhar nessa linha, pois é ele que vai dizer qual a melhor estratégia. Mas estatísticas mostram que só 30% dos dependentes conseguem. De cada dez, só três vão alcançar a abstinência. Com os outros, preciso de outras estratégias”, diz.

A política de redução de danos pode ser considerada um primeiro passo. “É muito frequente começar com ela e depois o paciente terminar abstinente”, afirma Xavier.

Um trabalho de 2017 do professor Michael-John Milloy, da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, revisou três estudos que acompanharam a trajetória de 300 usuários de crack – 122 deles fumavam maconha como forma de conter o desejo por crack. Milloy concluiu que, depois de 30 meses aplicando essa estratégia, as chances de o usuário reduzir o consumo de crack eram 89% maiores.

Em Pernambuco, o Programa Atitude, criado em 2011 para buscar melhorar a qualidade de vida de viciados em crack também obteve bons resultados. Um estudo feito em 2015 com 5.714 indivíduos mostrou que 93% se identificaram inicialmente como usuários ativos. Após o engajamento no programa, esse número caiu para 64%, com 36% dos participantes deixando de usar a droga. Em paralelo, cerca de 91,1% responderam que sua saúde melhorou após ingressar no programa.

Histórico. A política de redução de danos surgiu na Inglaterra na década de 20. Durante algum tempo, despertava medo por conta das divergências históricas entre as políticas sobre drogas oriundas do campo da segurança e da saúde pública. No Brasil, seu surgimento coincidiu com a epidemia da Aids da década de 80, quando usuários de drogas injetáveis da cidade de Santos receberam seringas estéreis com o objetivo de conter o HIV. Hoje, é uma política de saúde pública reconhecida pelo Ministério da Saúde e protegida por legislação.

Para o coordenador executivo do Programa Institucional Álcool, Crack da Fiocruz, Francisco Netto, a política de redução de danos mudou a visão que imperava de que os usuários de drogas eram criminosos. “Ela não vê como caminho a criminalização dos usuários e não condiciona o acesso ao cuidado à abstinência, pois entende que é necessário garantir acesso a direitos e saúde a todas as pessoas, inclusive aquelas que não conseguem parar de usar drogas de imediato”, explica.
O psicólogo Bruno Logan, apresentador do canal RD com Logan no YouTube, aponta que nem todos usuários têm problemas com as drogas. “E para quem tem problema, a internação só é indicada para menos de 5% dos casos”, diz. No Brasil, porém, o total de internações por uso de drogas supera o de alcoolismo.


Minientrevista

Paulo César Teixeira
Ex-usuário e motorista
54 anos

Por quanto tempo você usou drogas?

Eu usei drogas durante 16 anos e por dez anos eu morei na Cracolândia, em São Paulo, porque não queria usar drogas dentro de casa. Eu usava principalmente o crack e a cocaína. Em 2014 eu sai e fui fazer um tratamento ambulatorial. Estou limpo há três anos e quatro meses.

Como foi sua experiência com a redução de danos?

Eu participei de ações da ONG É de Lei e também fui beneficiado pelo programa De Braços Abertos, agora extinto pelo prefeito João Dória. Neles fui acolhido, recebi oportunidade de trabalho, uma remuneração diária de R$ 15, tratamento de saúde, hospedagem para dormir, ou seja, um atendimento mais humano. Acredito que tudo começa com a redução de danos, pois só a partir do momento que você começa a resgatar a sua dignidade é que você começa a contemplar uma recuperação.

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