Em Minas Gerais, diferentes projetos e organizações já se articulam para aproveitar essa possível abertura da Anvisa para desenvolver pesquisas e cultivar a cannabis medicinal no Estado. Em Viçosa, na Zona da Mata, o coordenador do laboratório de manejo de recursos genéticos da Universidade Federal de Viçosa, Derly José Henriques, orientou um trabalho de mapeamento para identificar boas áreas de cultivo para cannabis no Estado. “São regiões com boas quantidades de húmus, temperatura e tipo de solo. Esse três fatores são muito importantes para a quantidade e a composição do óleo a ser produzido”, explica.
O próximo passo, diz Henriques, é tentar nova aprovação do projeto na Anvisa. “Vamos pedir a liberação da construção de um local para pesquisa nessas regiões. O objetivo é avaliar os genótipos de cannabis no Brasil e o desempenho deles, inclusive em termos de crescimento, produtividade e composição de óleos. Queremos iniciar um programa de melhoramento visando produzir plantas que gerem óleos em concentrações específicas para os diferentes pacientes”, afirma.
Em Divinópolis, na região Centro-Oeste, um grupo de estudos de cannabis do campi da Universidade Federal de São João del-Rei na cidade (CCO-UFSJ), foi o primeiro a possuir autorização do governo, em 2018, para o cultivo in vitro, produção e análise da cannabis e seus derivados para fins medicinais. Considerado inovador, esse modelo de cultivo criado pelos professores e alunos da UFSJ resulta em altos teores de canabidiol, um dos mais importantes princípios ativos da planta, sem a utilização da agricultura tradicional. Os resultados poderiam contribuir para o desenvolvimento futuro de medicamentos para doenças degenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson.
No entanto, todo esse esforço corre o risco de se perder frente aos cortes de recursos das universidades federais. Diante desse cenário, os pesquisadores apelaram para uma plataforma online de arrecadação de recursos. O objetivo é arrecadar R$ 40 mil, mas, até agora, as doações somam apenas R$ 1.355. “Esperamos que a decisão da Anvisa facilite o acesso aos pacientes, uma vez que o processo de importação é muito demorado e burocrático”, diz a cientista do grupo Vanessa Stein.
O advogado Marcelo Albuquerque Meira atende cerca de 300 pacientes em Belo Horizonte. Ele articula a criação de uma empresa de consultoria para facilitar as intermediações entre associações, médicos, pacientes e ainda investir em pesquisas. Segundo ele, no Brasil existem cerca de 40 a 50 autorizações judiciais para autocultivo, mas a maioria não sabe onde buscar ajuda. “Tem mãe que vai na boca de fumo comprar maconha para fazer no próprio fogão o extrato para o filho. Isso não pode ficar assim. Um laboratório será inaugurado em dois meses”, diz.
Associação de pacientes vai à Justiça para plantar
Associações de pacientes também ficaram insatisfeitas com pontos das propostas da Anvisa, que não preveem plantio associativo feito pelos próprio associados. Por isso, a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME) entrou na Justiça para poder cultivar a planta e produzir medicamentos à base da planta. Iniciada em Minas Gerais e com sede em Belo Horizonte, hoje a associação atua com mais de 300 pacientes de oito Estados e do Distrito Federal. A associação tem local para cultivo e beneficiamento da planta, caso seja autorizada a fazer o plantio, mas prefere não divulgá-lo por questão de segurança.
Juliana Paolinelli, 39, é vice-presidente da associação e conhece de perto a dificuldade para realizar o tratamento com cannabis medicinal no Brasil. Ela própria utiliza um óleo à base da planta para amenizar as dores crônicas decorrentes de uma ptose vertebral (quando as vértebras se deslocam). “Mas ele não é importado, porque não tenho condição de arcar, é óleo nacional”, conta.
Maurício Sullivan, advogado da AMA+ME, ressalta que, apesar de ser uma prática ilícita, muitas pessoas recorrem à produção própria de óleos à base de cannabis, justamente por causa do preço elevado dos remédios estrangeiros autorizados pela Anvisa. “A legislação os trata como traficantes comuns, existe dificuldade no trato com essas pessoas. E sei que nem sempre é um produto de qualidade, porque às vezes elas não têm o conhecimento técnico adequado”.
A associação pretende fazer todo o processo de produção dos medicamentos, desde o plantio à distribuição, de modo similar ao que é realizado pela Associação Brasileira de Cannabis (Abrace Esperança), da Paraíba, hoje a única entidade autorizada a realizar o plantio, a partir de uma decisão judicial. Pelo menos outras duas, a Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), do Rio de Janeiro, e a Aliança Verde, de Brasília, também tentam plantar por meio de ações na Justiça, que estão fora do controle da Anvisa.