Um Equipamento de Proteção Individual (EPI) esquecido, aquela pressa desnecessária para terminar uma tarefa, uma norma de segurança desrespeitada. E é assim que um descuido pode virar um acidente de trabalho. De 2012 a 2024, foram cerca de 8,8 milhões de registros no Brasil, com 31.981 mortes. Isso significa que, a cada três horas e 33 minutos, alguém perdeu a vida enquanto trabalhava. Os dados, que consideram apenas contratos com carteira assinada, são do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab) e acendem um alerta: é urgente falar sobre cuidado e prevenção.
Foi a partir do incômodo causado por essas estatísticas que nasceu a campanha Um Dia a Mais, pensada pelos sócios do Siclope, um software de gestão de processos e rotina de segurança do trabalho, meio ambiente e qualidade. O projeto, criado para conscientizar a sociedade sobre os impactos da insegurança no trabalho, entra nesta segunda-feira (14). E, em vez de uma linguagem técnica para explicar normas e regulamentações, a ferramenta usada para sensibilizar será a música.
“O que me incomodou foi perceber como números tão brutais sobre acidentes de trabalho continuam invisíveis fora da bolha técnica. A maioria dos brasileiros sequer sabe quantas pessoas morrem nesse contexto. Então me perguntei: como fazer mais gente olhar pra isso? O que ainda consegue unir milhares de pessoas em torno de um mesmo sentimento? E a ideia nasceu ali, quando eu pensei que, se a dor por trás desses números virasse canção, talvez conseguisse tocar onde a estatística não alcança”, explica o diretor de marketing e comercial do Siclope, Bruno do Val, autor da composição.
No clipe que divulga a campanha, o personagem Edilson, que perdeu a vida após uma falha de segurança, lamenta o tempo que não terá com sua esposa Helena e seu filho João.
“A campanha foi idealizada para emocionar as pessoas e despertar um olhar mais humano sobre um tema que precisa ir muito além da técnica. Ela é feita de esperança, amor, respeito e empatia, pilares que, quando cultivados, são capazes de mover pessoas, organizações e a sociedade em direção a um caminho mais seguro e mais consciente”, explica o CEO do Siclope, Edmar Rezende.
Qualquer empresa ou pessoa física pode aderir gratuitamente e usar o conteúdo para campanhas de prevenção de acidentes.
Enquanto Rezende apresentava a proposta às empresas, muitos diretores se sensibilizaram com o potencial da música como instrumento de conscientização. Esta é a percepção de Eliseu Marcos Videira, coordenador de segurança do trabalho do grupo Solví, uma empresa com 13 mil colaboradores no Brasil, no Peru e na Argentina e que oferece soluções para destinação de resíduos, valorização energética e engenharia ambiental.
“Nós já fazemos inspeções constantes, capacitações, palestras e diálogos para falar sobre riscos e normas de segurança. Mas com certeza a música reforça a conscientização e leva a pessoa a uma reflexão sobre a chance de ter mais um dia. Em agosto, teremos a nossa Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Sipat) e vamos apresentá-la em todas as nossas unidades”, afirma Videira.
Contar histórias conscientiza pela identificação
Douglas da Guarda tinha apenas 14 anos quando perdeu a mão em um acidente de trabalho em uma indústria de papel em Divinópolis, região Centro-Oeste de Minas Gerais. “Naquela época, menor de idade podia trabalhar de carteira assinada, e não se falava tanto em normas de segurança. Era 24 de julho de 1992 e me pediram para trabalhar em uma máquina que eu não tinha costume. Eu não tinha treinamento e não estava usando nenhum EPI. Minha mão foi sugada. Mas, embora eu tenha uma deficiência, eu tive a sorte de ter mais um dia”, relembra Douglas.
Na verdade, ele teve mais do que apenas um dia. Fez curso de segurança do trabalho, virou palestrante na área, casou-se com a Cristiane e é pai da Maria Flor, de 4 anos, e do Davi, de 10. Ao longo da vida e da sua experiência, foi percebendo que investir em conscientização é tão importante como investir em maquinário.
“Mas o testemunho tem um poder ainda mais forte para a conscientização. Eu vejo isso quando eu conto a minha história e percebo o impacto que ela provoca nas pessoas. Então, quando uma campanha como esta do Um Dia a Mais, através da música, apresenta a história de uma família que não vai mais ver o pai, torna mais fácil convencer as pessoas da importância do comportamento seguro, tonra mais fácil provocar reflexões", compartilha.
Rodrigo Vaz é auditor-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) há 18 anos. “Eu chorei vendo essa campanha porque há pouco tempo eu acompanhei um caso parecido. A viúva chorava muito ao contar o dia a dia do marido, que morreu em um acidente de trabalho. Ela dizia: ‘perdi meu chão’. Então eu acredito que, ao trazer a realidade de muitas famílias contando uma história a partir do vídeo e da música, essa campanha vai ter um alcance diferenciado. Precisamos usar novas formas de sensibilizar a sociedade que não sejam somente a relação entre empregador e trabalhador”, ressalta o auditor-fiscal.