Otacílio Soares assumiu a presidência da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, em Lisboa, Portugal, por um mandato de dois anos.
Vindo do Piauí com os pais para Belo Horizonte com 1 ano de idade, Otacílio também preside o conselho da Targa 5 Advisors, em Genebra, na Suíça, e é sócio com outros nove brasileiros da vinícola Domínio do Açor, no Dão, em Portugal.
Economista, Otacílio teve corretora no Brasil, trabalhou no banco Le Crédit Commercial de France (CCF), em Belo Horizonte, que foi comprado pelo HSBC, depois surgiu o convite para assumir a diretoria do Private Bank do HSBC, em Genebra, na Suíça.
Após 25 anos de trajetória nos bancos CCF e HSBC, foi para a XP sendo o responsável pela internacionalização da companhia na Europa com escritórios em Genebra, em Londres e em Portugal.
Na presidência da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, um dos objetivos de Otacílio é transformar o site da entidade num portal.
“Nós estamos criando no nosso portal um banco de currículo e um banco de empregos. Então no início do ano (de 2024) nós vamos ter isso. As empresas associadas que precisarem de funcionários vão colocar lá e qualquer pessoa no mundo vai poder acessar o nosso portal”, informa Otacílio, sobre uma das novas funções do portal da câmara.
Os outros objetivos do seu mandato são ligados à arbitragem e ligados a ajudar Portugal a ter uma linha de ESG, que as empresas se alinhem aos princípios ambientais, sociais e de governança.
“O grande desafio nosso é facilitar para que as empresas de médio porte e eventualmente pequeno porte brasileiras tenham acesso ao mercado europeu usando, aproveitando das boas condições que Portugal oferece. E fazer com que as empresas portuguesas que queiram ter acesso a esse mercado brasileiro de 220 milhões de habitantes possam conseguir as melhores condições”, avalia o dirigente.
A entidade, que está no mercado há 75 anos, tem cerca de 200 associados.
Na entrevista, Otacílio fala ainda sobre o mercado de ativos fora do Brasil, investimentos, cenário internacional e ambiente de negócios.
O empresário atua também fortemente na filantropia no Brasil e Suíça.
Em relação a novos negócios, Otacílio e outros nove sócios brasileiros resolveram investir numa vinícola que denominaram Domínio do Açor, na região do Dão, em Portugal, onde já se faz vinho há mais de 200 anos.
A produção anual é de 100 mil garrafas para mercados variados: Brasil, Portugal, Japão, Reino Unido e Estados Unidos.
Além da área de quase 50 hectares, os sócios compraram uma unidade industrial que tem a capacidade instalada de fazer 1,6 milhão de litros.
Além disso, contrataram o mais renomado profissional de solos do mundo, Pedro Parra, para fazer uma análise detalhada da propriedade que foi toda escaneada.
O plano inclui a verticalização do negócio com a montagem de uma distribuidora de vinhos que, além de vender os vinhos da Domínio do Açor em Portugal, ela importa vinhos de grandes produtores de qualidade: da França, Bordeaux, Borgonha, Alsácia, da Alemanha, da Itália, Toscana.
Na entrevista, Otacílio dá um conselho vital e que sempre permeou suas decisões: “Olha, a gente sempre começa pelo primeiro passo. E é importante que o primeiro passo seja do tamanho da sua perna”.
Veja a entrevista na íntegra
A seguir, a entrevista na íntegra:
Você veio com a sua família para Belo Horizonte, com um ano de idade. Seu pai e sua mãe são do Norte do Brasil?
Sim, meu pai (Otacílio) do Piauí e minha mãe (Alkysa) do Pará.
Você tem mais irmãos?
Eu, do primeiro casamento do meu pai e da minha mãe, não. E do segundo casamento eu tenho uma irmã.
E aí, como foi essa sua jornada aqui em Belo Horizonte? Você participou também de clubes, presidência de clubes, de câmaras, de comércio também, não é? Você sempre teve essa vocação, não é?
Eu sou uma pessoa, digamos, animada. Então, quando eu gosto de algo, eu faço com intensidade. Desde o colégio, eu sempre fui animado, eu estudei no São Tomás, depois no Santo Antônio e quando adolescente eu tive a oportunidade, por gostar muito de cachorro, de ser diretor do Kennel Clube. E daí do Kennel Clube eu fui convidado para fazer parte da comissão jovem do PIC, do Pampulha Iate Clube, na época o meu amigo Félix Moutinho era o presidente e queria incrementar a participação dos jovens na agremiação. Então a gente juntou um grupo muito legal, muito interessante e aí a gente fez a boate do PIC na época.
Foi um estouro a boate, não é?
E aí, nessa ocasião, me tornei o diretor da boate, e era animadíssimo!
Como era linda aquela boate, não é? O piso de vidro, era uma coisa inovadora em Belo Horizonte.
E a gente começou de um negócio muito simples, depois foi aprimorando. Literalmente era um salão de festa, depois a gente fez a boate mesmo, lugar fechado, foi uma beleza.
Bons tempos...
Bons tempos, boas músicas, boas companhias, boas experiências. E aí depois fui convidado e aceitei ser vice-presidente do PIC. Mais ou menos na mesma época, o meu amigo e saudoso Guilherme Emrich me chamou para ser diretor da Câmara Internacional de Comércio do Brasil, que é uma câmara que ele tinha montado aqui em Minas Gerais. Então ele chamou a mim e o Marcelo Guimarães também, que é de Belo Horizonte, grande amigo, para ser os diretores jovens. Isso que a gente tinha o quê? Dezessete, 18 anos.
Sempre esse networking, não é? Aumentando cada vez mais. E como que foi essa sua trajetória na área financeira? Você é economista e sempre trabalhou nessa área de private bank, sempre aí em grandes negócios.
Olha, a gente sempre começa pelo primeiro passo. E é importante que o primeiro passo seja do tamanho da sua perna.
Exatamente.
E eu sempre procuro dar o passo do tamanho da minha perna. O que não quer dizer que eu não possa acelerar, mas a perna é do mesmo tamanho. Eu comecei a trabalhar com 15 anos de idade no mercado financeiro.
Qual foi o seu primeiro emprego?
Eu trabalhava numa corretora que o meu pai comprou uma participação para eu poder trabalhar, porque eu queria na realidade trabalhar com ele. Naquela época ele tinha empresa de mineração, de diamante e topázio imperial, mas é um mercado, um segmento muito delicado, muito perigoso em todos os sentidos, e ele achava que não era algo para mim.
Não queria você nessa área?
Não, não queria. E eu compreendo, e aceitei.
Ele quis te proteger, não é?
Sim, sim. Filho único.
Aí era o xodó.
E ele então como sabia que eu sempre gostei de fazer coisas, empreender etc., comprou uma participação nessa corretora e eu com 15 anos ia lá trabalhar toda sexta-feira à tarde. Então entre os 15 e os 18, toda sexta-feira eu ia lá para trabalhar para entender o que era o open market, o que era câmbio, o que era bolsa de valores, o que era comércio exterior, o que eram as aplicações de renda fixa, CDBs e por aí, exatamente.
E aí você se apaixonou pela atividade.
E quando eu entrei na faculdade, com os meus 18 anos, aí eu comecei a trabalhar todos os dias. Então eu ia para a faculdade de manhã, trabalhava, chegava 11h, 11h e pouco no trabalho, trabalhava à tarde para entender o que era a bolsa de valores, o que era o mercado de títulos de renda fixa, o que era o mercado de câmbio. E num período de inflação alta, foi um período muito interessante do ponto de vista de experiência de um período de dificuldade que o Brasil passou e que conseguiu superar. Ainda tem muita coisa para fazer, mas ainda bem que está conseguindo superar.
Pelo menos a gente tem uma moeda, estável, não é? Já está aí há um tempo.
E quando eu fui para faculdade de economia, aí eu trabalhava todos os dias, então ia para a faculdade de manhã cedo, 11h acabava a aula, eu ia trabalhar, 13h ia almoçar, 14h voltava a trabalhar e sete e pouco da noite voltava para faculdade para fazer outras matérias.
E foi nessa toada assim, não é?
E foi nessa toada. Aí chegou um ponto que eu achei conveniente ter a minha própria corretora. Aí montei com mais dois amigos uma corretora própria e foi num período ainda mais peculiar da história brasileira, foi quando o Brasil entrou em default.
Nossa... Default é a falta de capacidade de pagar, não é? A sua dívida, as suas obrigações.
Exatamente. Mas você sabe que a gente tem que saber fazer do limão uma limonada.
Precisa, não é? Tem que continuar a viver, né?
Então nós fizemos do limão a limonada, nos especializamos no mercado de ouro e algumas empresas importantes precisavam de divisas nas suas subsidiárias. Então a gente fazia a operação, comprava ouro de outros bancos, outras instituições, mandava para o Banco Central, que por sua vez mandava, disponibilizava a casa da moeda, por sua vez refundia esse ouro, transformava em bulhão, que é uma barra de 400 onças, aproximadamente 12 quilos, e aí o Brasil conseguia divisas para as empresas poderem cumprir suas obrigações no exterior. Então foi um aprendizado muito, muito, muito legal. Esse período passou e eu recebi um convite de um banco internacional, que era o Le Crédit Commercial de France, que estava chegando em Belo Horizonte. Me chamaram para trabalhar, eu falei, olha, eu acho que eu tenho que ter uma experiência em uma organização grande, com normas rígidas, e para aprender. Falei, não, acho que vale a pena eu aprender. Então, desfiz a sociedade, numa boa, com os meus sócios, e fui trabalhar no CCF, e lá eu passei por praticamente todas as áreas comerciais.
Teve toda a experiência.
Desde tesouraria..., e depois comercial de pessoa jurídica, aí tinha corporate, middle market, fiquei diretor do private, depois diretor da seguradora, fundo de pensão e por aí vai. E aí fiquei diretor comercial. Minas Gerais, Norte, Nordeste, Centro-Oeste do país.
Aí você começou a andar o Brasil.
Exatamente.
E essa sua trilha internacional, Otacílio, como é que ela surgiu? Como é que você foi parar na Suíça?
Não existe coincidência, existe foco, determinação e muito trabalho. E aí somando isso você consegue o que você quer. Naquela ocasião, alguns anos antes, o então banco CCF foi comprado pelo HSBC, que era o maior banco do mundo. E no HSBC eu fui convidado para ser o diretor do Private Bank. Então eu era o responsável do Private Bank, aí que eu viajava mesmo, viajava o Brasil todo. Desde a área do agronegócio, interior do Mato Grosso.
Nossa, você foi aos grotões?
Sim, mas tinha que estar onde o dinheiro estava. E eu sempre gostei de conversar com o cliente no olho a olho, que isso faz a diferença.
Funciona, não é?
Funciona, mineiramente funciona. E aí, nasceu meu filho e recebi o convite para assumir a diretoria na sede do Private Bank do HSBC, que é em Genebra, na Suíça. Aí eu virei para minha esposa e falei: “Adriana, eu tenho a impressão de que para o futuro do nosso filho, Bruno, seria interessante ter uma experiência internacional numa cidade como Genebra, que é reconhecida pela finesse da educação”.
É o que tem de melhor, né?
Aí ela falou: “É, realmente.” E aí aceitei, fui. Fui primeiro sozinho para ver como é que é e tal. Prudentemente, lembrando aquele princípio de sempre dar o passo do tamanho da sua perna, para entender. E logo depois eu vi que valia a pena e ela foi e desenvolvi uma carreira muito feliz.
E aí, Otacílio, você com essa carreira, você também chegou a Portugal, né? Como é que foi até chegar aí agora à presidência da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira?
É uma viagem. É uma viagem, e vou ser rápido, porque é uma viagem longa. Ela é cheia de bons momentos, muito mais bons momentos do que maus momentos.
Isso é tão bom, não é? Esses desafios.
Sim, e superados. Então, eu fui diretor do HSBC lá, tive experiências ótimas.
Você ficou quantos anos no HSBC?
Considerando HSBC e CCF foram 25 anos.
Nossa, muito tempo.
É uma boda de prata.
É, é um casamento.
É, foi um feliz casamento. Começou muito bem e acabou muito bem.
Isso é importante.
A gente tem que saber fazer com que as coisas comecem e terminam bem.
Saber a hora de sair também.
E foi por isso que eu percebi que o banco não tinha interesse em Américas e muito menos em Private Banking. O banco era o maior banco do mundo, com forte atuação na Ásia, tanto é que originalmente HSBC era Hong Kong Shanghai Banking Corporation, ou seja, desde o século 19 foi criado em Hong Kong pelos ingleses. E eu fui convidado pelo Henrique Meirelles, que tinha sido diretor do Banco Central do Brasil, antes tinha sido presidente de um banco muito prestigiado, que era o Banco Boston no Brasil, foi presidente global do Banco Boston nos Estados Unidos, e quando o Banco Boston foi vendido, ele tratou de outros assuntos, e um dos assuntos era um Multi Family Office, em Genebra. Então me chamou e falei: “Perfeitamente, vamos trabalhar juntos, em conjunto.”
Foi o seu caminho?
É, e fui muito feliz trabalhando com ele, com uma equipe muito boa. E até hoje alguns membros dessa equipe trabalham comigo na Targa 5 Advisors, ou seja, a questão de saber como lidar com as pessoas para que elas possam somar para você e você soma para elas.
É, dar o melhor de você e saber encontrar o melhor delas.
É algo mútuo.
E na Targa 5 Advisors é um trabalho também muito interessante, não é?
Mas antes da Targa ainda tem uma outra coisa. Quando eu estava trabalhando com o Henrique (Meirelles), vocês devem se lembrar que teve um determinado período do governo Dilma que se cogitava muito dele voltar para a política, dele voltar até como ministro da economia na ocasião.
Por conta de toda a experiência que ele tinha?
É, aí, finanças com política não combina muito bem. E, por uma feliz coincidência (que não existe coincidência), a XP estava começando os primeiros passos a se internacionalizar. E o Henrique tinha um bom relacionamento lá e indicou o meu nome para montar a equipe, trabalhar em conjunto para fazer essa internacionalização na Europa, na XP. E foi também uma experiência muito proveitosa em todos os sentidos e montamos a estrutura inicialmente em Genebra, em Londres, e por último logo antes da pandemia em Portugal, que aí entra a questão de Portugal. Eu já tinha apartamento lá para passar final de semana, que é muito animado. Genebra é uma cidade linda, cidade ótima, mas é um pouco pacata. Então depois de morar lá 14, 15 anos assim, você fala: “Bom, para onde mais a gente pode ir? Passar o final de semana em Milão, passar o final de semana em Paris?”
E é tudo tão perto.
Mas aí tinha uma oportunidade boa com potencial de valorização boa, então comprei um apartamento num bom bairro em Lisboa. Então eu ia final de semana lá e tal. E a minha mulher demonstrou interesse em morar lá. Falei, então vamos. E aí montamos o escritório lá.
Tem essa questão da língua, da cultura, o mineiro se dá muito bem lá, você já falou isso.
Sim, sim. A cultura mineira e a cultura portuguesa são parecidas. A prudência mineira é parecida com a prudência portuguesa, a seriedade mineira é parecida com a seriedade portuguesa. Tem bons pontos em comum, inclusive a culinária. Ambas são ótimas.
A fartura lá (em Portugal), a gente nem aguenta comer aquilo tudo que eles colocam na mesa.
Exatamente. E ainda sobre Portugal, com a questão da pandemia, a gente percebeu que não precisava ter um escritório na Europa. Não precisava. Tudo que poderia ser feito pela Europa, poderia ser feito direito pelo Brasil, ou eventualmente até pelo escritório de Miami.
Acabaram aquelas amarras?
De que tudo tem que ser físico...
Físico, nada, videoconferência, isso virou dia a dia, né? Então, eu desde o início desse período era sócio da XP e não precisou mais ter os escritórios, a gente fechou, foi feito uma estrutura de management buyout e nessa reestruturação eu tenho um relacionamento excelente com a direção da XP e vendi as minhas ações ano passado, ano retrasado, mas de maneira muito, muito combinada, precisava de vender e foi feito.
Foi para um outro caminho?
É.
Seguiu o que você queria fazer também.
E entrei na Targa 5 Advisors como presidente do conselho e estão fazendo um trabalho muito bom.
A Targa não é banco, não é corretora, é uma gestora independente. O que faz o cliente, o investidor ir para a Targa? Como é essa dinâmica?
A Targa existe há 10 anos e é o conceito de multi family office, que é exatamente o mesmo conceito, a mesma filosofia de procurar fazer o melhor para o cliente. E a mesma filosofia que a gente implantou no multi family office internacional da XP.
A XP sempre teve isso, né? De trabalhar para o cliente, não é para o acionista.
O foco é: se você não tem cliente, você não tem nem acionista. Então o principal é criar a proximidade do cliente, entender a necessidade dele, adaptar os produtos do mercado financeiro ao que o cliente necessita efetivamente.
Não é tentar empurrar goela abaixo...
Não... E o nível de cliente que nós temos, nem se quisesse, não são de empurrar.
É um ticket maior...
É um ticket bom, mas são pessoas que não tem tempo de tratar do seu próprio dinheiro, das suas reservas financeiras. Eles normalmente têm tempo de tratar dos seus negócios, das suas atividades reais.
Que é o core business deles.
Isso. E aí a nossa responsabilidade é fazer com que o interesse dele nos negócios financeiros estejam alinhados. Então, primeiro isso, de proximidade, de entendimento. Segundo, e principalmente com os mineiros que sempre gostam de ser cuidadosos nos custos.
É tudo ali no fio do bigode, né?
Isso, e faz conta, então nós temos negociações com os principais bancos do mundo, seja dos Estados Unidos, seja da Europa, ou mesmo da Ásia, em que a gente consegue condições comerciais melhores do que se o cliente fosse diretamente lá. Porque a gente gera para o banco uma economia de escala, porque ele não precisa ter investimentos adicionais em gerente, em administrativo, em área física etc.
Prospecção de novos clientes.
E aí isso é terceirizado, quase como se fossem terceirizando o trabalho do banco. E isso gera uma economia para o banco que repassa para nós.
Ele remunera de forma que vocês estão fazendo um bom trabalho.
Então, e a gente repassa essa economia para o cliente. Então é literalmente ganha-ganha. Ganha proximidade, ganha condições comerciais melhores e o mais importante, como nós temos acordos com vários bancos importantes, nós aproveitamos as equipes de investimento desses bancos que nos dão as principais ideias das tendências e procurar conseguir melhores produtos, melhores ativos para os nossos clientes. Então temos bancos que tem mais de mil analistas, eu não preciso de mil analistas, eu preciso de quatro, cinco que vão pegar as ideias desses principais bancos, aglutiná-las e de acordo com os macro perfis, se é conservador, se é moderado, se é agressivo, por exemplo, desenhar e apresentar para o cliente, “olha, esse produto aqui é mais adequado para você, vamos fazer essa troca ou não, vamos manter” e a gente procura, monta uma estratégia e costuma seguir até o final. É raro quando a gente tem que fazer um ajuste muito drástico, porque a gente estuda muito bem o perfil do cliente e as tendências do mercado e a gente ajusta e segue de mão dada com o cliente.
Isso que é o importante.
E a responsabilidade de mão dada.
Assumir todas as questões...
E a questão de proximidade, que uma das... desde a minha época de HSBC, fazia umas pesquisas globais, o que é que os clientes mais reclamam num banco? É de não ter com quem falar, ou de ligar e não ter retorno.
É, falar com o robô, falar com o gerente que não está interessado.
Não é o nosso caso.
Então é uma grife, não é? Vocês são uma butique?
É, é uma butique, mas uma butique que funciona. Porque tem butique que tenta funcionar, mas não funciona.
Otacílio, a Targa tem ativos sob custódia?
Sim, são volumes, alguns bilhões de dólares.
E o tipo de cliente é o quê? É mineiro, é suíço, é estrangeiro, de todo lugar? Como que tem sido aí essa participação?
Prioritariamente são brasileiros, residentes fiscais no Brasil, ou residentes fiscais em outros países, e alguns do Oriente Médio.
São pessoas que querem investir fora do país deles?
Sim, que procuram fazer uma diversificação que nada mais é que diluir risco e procurar ter melhor retorno com menos risco.
O mundo está bom para investir, mesmo com esse ambiente de guerras que a gente tem atualmente?
Eu posso dizer que sempre tem alguém comprando e sempre tem alguém vendendo. Não é fácil acertar. Se você conseguir acertar 70%, está muito bom. E a prudência nos recomenda que a diversificação no longo prazo é o que dá mais resultado. A diversificação vai desde classe de ativos, moedas e países. Então é essa linha que a gente segue. Então se está ruim hoje, depois vai estar bom. Aliás, até falo, esse mês está muito bom.
Olha que interessante isso, né?
E provavelmente nós vamos ter um final de ano bom e aparentemente ano que vem vai ser melhor do que esse.
Mesmo com o mundo em guerra, mesmo com a inflação nos países que continua. China crescendo menos, Estados Unidos crescendo menos.
Mas isso já está tudo precificado.
O mercado já entendeu, já fez as contas ali e vamos para a frente.
Exatamente.
Otacílio, e aí você também agora caminha nessa direção de assumir a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, aliás uma Câmara histórica, com 75 anos. É um cargo estratégico, de relações internacionais?
É muita responsabilidade, que eu assumo e trato com muito gosto e com coração. E não me atrapalha no decorrer dos meus negócios. Eu sei separar muito bem a hora de tratar cada assunto.
Você estava me falando, você passa uma semana, vai para Genebra, depois tem a outra semana em Portugal, aí vem ao Brasil a cada dois, três meses. Quer dizer, é uma agenda atribulada, mas dá para se diversificar tudo aí?
Sim, dá. Com boa vontade dá. Uma coisa que eu aprendi há muitos anos, é: quanto mais atividade a pessoa tem, melhor é para você pedir alguma coisa para essa pessoa, porque ela consegue tempo para resolver.
Que legal isso! Muito boa essa matemática aí.
E muito me orgulha ter uma boa equipe na direção da Câmara Internacional de Comércio, inclusive um mineiro como vice-presidente, que eu convidei. Tem um mineiro, o Maurício (de Oliveira Campos Júnior) é vice-presidente da Câmara, é um amigo.
Um dos maiores criminalistas do país, referência nacional e está lá com você?
Exatamente, e gosta muito de Portugal.
Tem que participar? Estar sempre em Portugal também? E isso é importante ter braços, pessoas de confiança.
E bem-intencionadas que podem agir, porque às vezes tem bem-intencionadas que não agem nada. Mas eu fico muito satisfeito, nós temos uma equipe muito boa na câmera.
Eu vi vários vídeos lá no site, viu Otacílio? Está muito bom, o pessoal muito preparado, muita técnica.
E nós vamos fazer do site se transformar num portal. Esse é um dos meus três objetivos da nossa presidência.
Quais são esses objetivos?
Um desses é esse, o outro são ligados à arbitragem e ligados a ajudar Portugal a ter uma linha de ESG, que as empresas se alinhem aos princípios ambientais, sociais e de governança.
E que estão sendo cada vez mais cobrados, não é, Otacílio? Eu tenho conversado com CEOs de diversas áreas da economia, de segmentos muito diferentes. Todos eles dizem que quando vão vender o produto o cliente exige, “mas qual é a sua campanha de neutralização de carbono? Em quantos anos você espera neutralizar ou diminuir as emissões”? Está tendo uma cobrança enorme no mercado em relação a isso?
Esse é um dos pontos, mas é bem mais amplo. Mas é uma realidade e a Europa está na vanguarda desse assunto, nós vamos ter uma Cimeira em alguns meses, um encontro global para tratar desses assuntos. Mas na parte de ESG, a gente tem feito uma parceria com o governo português que nos solicitou para ajudar na identificação das empresas associadas que possam já começar a se alinhar nos princípios de ESG. Existe uma diretriz europeia que todas as grandes empresas têm que estar alinhadas nesses princípios. Só que para estarem alinhadas, toda cadeia produtiva também tem que estar alinhada. E isso já é para 2027.
Estamos aí, né, na porta.
Então, é para ontem. Então nós até fizemos recentemente um evento com representantes do governo, representantes de uma das Big Four de auditoria, com representantes da academia, para a gente discutir - e logicamente representantes de grandes e médias empresas -, como organizar isso.
É possível então, né?
Se não começar, fica impossível. Mas tem que começar.
Vai só adiando a discussão.
É complexa, é, mas é preciso ter essa discussão. Precisa ter a discussão e a ação. E tem que ter bom senso. Não pode ser... “Ah, é assim e pronto”. Não, tem um período para se ajustar.
Porque começa a ficar muito caro também, né?
A arte é demonstrar que isso não é despesa, é investimento e você pode ganhar mercados tendo alinhamento com esses princípios. Então esse é que é o ponto que nós estamos seguindo para junto com o governo português ajudar as empresas a implementarem esses princípios.
Porque as empresas brasileiras que estão lá em Portugal, que são 100% brasileiras, mas a partir do momento que elas estão em Portugal, elas também são 100% portuguesas e com um mercado infinito europeu, com certificação europeia e tudo, e atentam também nesse bojo de vantagens?
Sim, sim. Para as empresas grandes isso já é mais fácil. O grande desafio nosso é facilitar para que as empresas de médio porte e eventualmente pequeno porte brasileiras tenham acesso ao mercado europeu usando, aproveitando das boas condições que Portugal oferece. E fazer com que as empresas portuguesas que queiram ter acesso a esse mercado brasileiro de 220 milhões de habitantes possam conseguir as melhores condições. Então a nossa arte é fazer esse trabalho e estamos sendo bem-sucedidos. Apesar de eu ter assumido a câmara esse ano, a gente já conseguiu coisas que eu não imaginava que ia conseguir tão rapidamente.
O que, por exemplo, você pode citar que já foi uma conquista inimaginável?
Prática. De duas, três empresas de porte investirem volumes bem interessantes em Portugal e duas, três empresas portuguesas investirem no Brasil nesse período que é importante para o Brasil também ter investimento externo. Então, de prático mesmo. Tem muito mais coisa que foi feito, mas de prático nessa linha.
Que é um investimento que vai gerar emprego, renda, e cadeia de fornecedores, então isso aí é o trabalho de uma Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira. Otacílio, em Portugal tem o hub de inovação no Fundão. Tem as agritechs com o agronegócio cada vez maior, cada vez com mais força. Como tem sido isso para as empresas brasileiras que querem investir em Portugal? Tem muita burocracia, questão de financiamento, uma pequena e média empresa, como é que tem sido esse trabalho na Câmara?
Nada é fácil, mas se não começar, aí que não se consegue. Existe uma proximidade cultural entre Brasil e Portugal que é inexorado. Essa proximidade cultural, que não quer dizer que seja a mesma cultura, facilita uma série de pontos, mas não existe só o Fundão, existem vários pontos de incentivo para empresas brasileiras. O Sesc e Senai têm um escritório em Portugal que ajuda nisso. O porto digital em Recife tem um escritório, tem um hub em Aveiro. Do lado de Lisboa tem o Eiras que é uma cidade que tem também um hub importante dessa parte de tecnologia. O principal Web Summit do mundo é em Lisboa. E, vamos falar de língua, se você fizer um programa em português, você pode vender tanto no Brasil quanto em Portugal, ou em outros países da língua portuguesa. A diferença é pequena e os ajustes são fáceis de serem feitos, na parte de linguagem. Existem incentivos da comunidade europeia para geração de emprego. Então são incentivos que vão desde recursos a fundo perdido - se você recebe um dinheiro, você coloca um valor, recebe até mais do que o valor que você investiu, se o projeto for bom, se for um segmento, por exemplo, ligado à exportação, ligado à geração de emprego, ligado à tecnologia, então a sua taxa interna de retorno, quando se analisa essa possibilidade, melhora consideravelmente. Então existem linhas de financiamento com taxas de juros ou zero ou muito baixas e até mesmo recursos a fundo perdido.
E as empresas podem procurar a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira para intermediar?
A Câmara não intermedia, a Câmara assessora, a Câmara para os associados dá o suporte, explica qual é o caminho das pedras.
E vocês estão com quantos associados?
Nós temos próximos de 200.
Você quer aumentar essa base?
Sim.
São empresas portuguesas, brasileiras?
Primordialmente empresas portuguesas, algumas portuguesas de brasileiros e algumas de brasileiros, brasileiros.
A era Lula vai incrementar os negócios, vai melhorar esse ambiente de negócios entre as empresas, entre os países Portugal e Brasil?
Eu vou repetir o que o Presidente da República quando esteve em Portugal falou, que é o foco dele desenvolver o relacionamento com Portugal. Eu entendi muito bem a mensagem e estamos fazendo todo o possível para que as relações, não apenas do ponto de vista comercial, mas também do ponto de vista cultural, sejam alinhadas e cada vez mais próximas. Do ponto de vista cultural, eu te digo que pelo menos uma vez por mês vai um artista de destaque a Portugal, um artista brasileiro de destaque a Portugal, pelo menos uma vez por mês. Mas só isso não é suficiente, existe um ponto que merece ser considerado que é a cidadania da língua e que só existe nos países da língua portuguesa.
Como é que isso funciona?
Ah! Muito interessante. E tem até um visto que foi dado o nome de “Visto da Cidadania da Língua”. Hoje, se você quer ir a Portugal trabalhar naquele país, e você é nascido num dos países da comunidade dos países da língua portuguesa, você recebe um visto de um ano para procurar emprego.
Nossa, isso é uma tranquilidade para a cabeça da pessoa.
Portugal precisa de 50 mil pessoas novas a cada ano lá. Só nesse período de verão havia um déficit de cerca de 10 mil pessoas para trabalhar no setor de hotelaria e restauração. Restaurantes e hotéis. E os brasileiros são muito bem-vindos, que no geral são simpáticos, no geral tem um bom trato, no geral tem paciência. Então, se você fala português e é de um dos países da comunidade, dos países da língua portuguesa...
E o inglês?
Todo mundo fala inglês. Lá todo mundo fala inglês, e bem.
Mas o brasileiro está numa economia que não é baseada no inglês, não é?
Não.
Dá para chegar lá mesmo assim e trabalhar?
Sim, emprego tem. Desde que a pessoa tenha: Primeiro, vontade de trabalhar. E é trabalhar. Não é oito horas assim... Vai ser um pouco mais de oito horas. Eventualmente vai ter a sua hora extra etc., mas é trabalhar, tem que se virar.
A Câmara tem tido uma demanda grande das empresas para que ajude nisso?
Nós estamos criando no portal um banco de currículo e um banco de empregos. Então no início do ano nós vamos ter isso.
Em 2024?
É. As empresas associadas que precisarem de funcionários vão colocar lá e qualquer pessoa no mundo vai poder acessar o nosso portal.
Para poder encontrar emprego.
Encontrar o empregado ou encontrar o emprego. E com a figura desse visto, fica mais fácil, porque você tem um ano para procurar emprego. Mas se você já tiver alguma coisa na mão...
É, vai muito mais rápido, né?
E não fica ilegal.
É, que é o mais importante. Não ficar ilegal, não ter esse problema, esse medo de ser encontrado, ser deportado.
É muito triste. Nós temos cerca de 500 mil brasileiros morando em Portugal - oficiais.
Atualmente, oficiais?
Quinhentos mil brasileiros.
E esse número só tende a crescer, né?
Equivale a 5% da população de Portugal. Dizem que esse número é maior. Mas eu só tenho os dados oficiais. Dizem que pode chegar até 700 mil ou 800 mil. Mas 500 [mil] eu acredito.
Otacílio, para quem quer ir para lá, uma empresa pequena, média, tem alguns setores que são mais promissores, que as empresas devem ter mais esse foco?
Eu vou ser muito prático. Portugal tem 10 milhões de habitantes. É uma economia que não é muito grande. A cidade de São Paulo é algumas vezes maior, tem um PIB maior do que o país inteiro. Portugal exporta para o Brasil (números redondos, tá?) US$ 400 milhões por ano. O Brasil exporta a Portugal US$ 4 bilhões por ano e é o 27º maior importador de produtos brasileiros. Para ser bem-sucedido em Portugal, primeiro, em termos de segmento: setor de hotelaria e restauração que é os nossos restaurantes. Com o desenvolvimento do turismo no país, cada dia você vai ter uma especialização e vai aprimorando os restaurantes, vai aprimorando os hotéis, vai aumentando o ticket de atualidade dos turistas. Então esse é um setor interessante, tanto para investimento, quanto para arranjar emprego. Outros setores para investimento: setores ligados à tecnologia que envolvam exportação. Esse tem inclusive muitas vantagens, do ponto de vista de recursos da União Europeia para que seja desenvolvido o negócio. E outros setores da economia portuguesa que também seja direcionado à exportação. Portugal produz muito bem: vinho, azeite, aliás...
(Azeite) é o produto que a gente mais compra de lá, né?
Exatamente. Calçados... É interessante. Tem vários calçados que são vendidos na Itália, e que originalmente foram... o fabrico inicial foi feito em Portugal. E o setor têxtil também tem relevância na região norte de Portugal.
Eu tenho roupa de lá desde o final da década de 90. Nunca estragou, está intacto. Tem durabilidade, qualidade.
Então, dei exemplo de produtos que podem... são interessantes para Portugal, para exportar, e que podem receber investimentos de brasileiros para desenvolver.
Seu mandato, você fica até quando?
Dois anos.
Depois você pode continuar?
Posso, mas eu faço questão que haja uma rotatividade.
Oxigenação.
Eu acho que você se manter numa posição por muitos anos, numa organização, não é tão saudável. Uma organização, uma entidade como a Câmara.
Você está certo. É isso mesmo.
Então acho que cada um faz o que pode, no período que pode. E eu estou fazendo e vou continuar fazendo, dando o melhor de mim mesmo.
E o legado seu é esse, é o da sustentabilidade, é de trabalhar, é essa pauta do ESG nas empresas?
Isso, a questão de ter um portal que tenha, por exemplo, a questão do serviço também, a parte de informação, as estatísticas brasileiras, as estatísticas portuguesas. E quem está fazendo o portal é um brasileiro de Belo Horizonte.
Otacílio, eu queria falar um pouco agora ainda sobre a filantropia. Eu acho que a gente tem que falar cada vez mais sobre esse assunto, incentivar cada vez mais as empresas, os empresários a assumirem essa pauta.
É fácil, prático e é uma realidade. Mas isso pode levar a uma situação que nós no Brasil e em outros países, em que a gente tem que viver numa bolha. E não são só países da América Latina, América do Sul, América Central, da África, mas que você fica refém da sociedade numa situação dessa. Então se cada um fizer um pouquinho, nem que seja falar um “bom dia” para um terceiro, já é alguma coisa, pode melhorar o ânimo dessa pessoa, o humor.
E você faz projetos no Brasil e na Suíça?
E em Portugal. Eu procuro ajudar. E isso vem muito até da educação que a gente recebeu dos pais e da escola. Então eu estudei no colégio São Tomás e no colégio Santo Antônio, que é um colégio franciscano que ambos ensinam os princípios cristãos. Então sempre tive isso em mente. E existem, por exemplo, no Brasil, que eu procuro ajudar com mais proximidade. Aqui em Belo Horizonte tem o Sistema Divina Providência, que é da São Vicente de Paula, o trabalho que eles fazem, o trabalho que o Jairo... E ele agora está deixando esse legado, que eu duvido que ele largue fácil, para o Alexandre, que é sobrinho dele, que é uma figura excepcional também, e que está assumindo formalmente essa responsabilidade. Então, o trabalho com crianças, de educação, de dar suporte às pessoas mais idosas, é algo assim que dá orgulho de participar. E uma coisa que eu acho que as pessoas poderiam fazer com que os seus filhos também participassem, nem que seja vendo.
É como começar desde pequeno, não é?
É, “olha, existe isso, são desigualdades, vamos ver quanto a gente pode”.
Será que qualidade de vida que a gente vai ter daqui a pouco no Brasil, né?
Então, um exemplo desse... Tem um outro exemplo muito bonito que a minha amiga Bernadete faz na Associação Mineira de Reabilitação. Que é algo muito meritório. Tem um outro em Recife, que a família Brennand faz lá em Jaboatão dos Guararapes, que chama “Área Arte”, através do balé, fazer com que as crianças possam desenvolver sua arte. E lá, além da dança...
Cerâmica, né?
É. Até que lá eles fazem mais a parte de aula de línguas, de inglês e computação. Então isso é meritório.
Você tem algum projeto próprio que você pensa em fazer ou já atua?
Olha, a gente tem que ter... na minha experiência, se a gente tiver a humildade de saber que tem gente que faz muito melhor e apoiar, dá mais resultado.
Na Suíça, vocês fazem também? Tem projeto social?
Na Suíça é muito interessante. Por incrível que pareça, existem muitos refugiados na Suíça. Muitos, muitos.
A gente tem uma ideia de que não é um país que precisa de projeto social. E pelo contrário, né?
Precisa também. A Suíça é um bicho diferente dentro da Europa. Mas especificamente na Suíça, eu procuro dar suporte à casa que dá abrigo aos refugiados. É num bairro um pouco depois de onde eu morava, quase na fronteira com a França, o que não quer dizer que seja longe, pelo contrário, 15 minutos de carro de onde eu morava. E a gente procurou ajudar bastante as crianças que vinham do norte da África. Lá não passa fome, mas precisa de alguma coisa, pessoas que deem aulas de francês, que ajudem a socializar, para que eles depois não fiquem nos seus guetos. Procurar arranjar emprego para as pessoas.
Tem aqueles confrontos que a gente está vendo cada vez mais.
É, para evitar. Lá ainda não existe e está longe de acontecer, mas é porque é feito o trabalho antecipando e evitando. Eu tenho um mote que é o seguinte: eu evito problema para não ter que resolver problema.
É muito melhor, não é? Você se antecipar a qualquer causa, né?
Então isso lá, os refugiados, fez um trabalho com outra organização que eu faço parte da direção e que com muito orgulho eu fui presidente na Suíça por dois mandatos, que é o YPO, que é o Young Presidents’ Organization, uma organização internacional que tem pouco mais de 20 mil pessoas e que são empresários que tem como objetivo trocar experiências trocar as suas experiências e poderem conseguir se superar cada vez mais. E essas empresas, desses membros do YPO, se fossem todas num único país, seria o quarto PIB maior do mundo. E essa organização é muito forte inclusive no Brasil e tem em Minas Gerais pessoas ótimas. Aliás os meus sócios da Domínio do Açor, praticamente todos são do YPO.
Otacílio, falando em Domínio do Açor, quero que você fale também sobre esse seu novo projeto com esses outros nove sócios, todos do Brasil, de entrar na indústria do vinho a partir de Portugal, numa região como o Dão, e vocês criaram essa vinícola lá, uma terra maravilhosa, que tem ruínas celtas, romanos, tem floresta. Que ideia foi essa de vocês entrarem nessa área?
O projeto inicial era de ser na Toscana.
Que já é um mercado já bem amadurecido.
Bem amadurecido, mas aí como você muito bem falou, já é bem amadurecido e com ticket de entrada bem mais alto. E aí teve a feliz coincidência de eu mudar para Portugal. E uma outra feliz coincidência do primo de um dos nossos sócios, que é o Guilherme Corrêa, que foi o melhor sommelier do Brasil, é uma das pessoas que mais entende de vinho do Brasil, e eu diria que mesmo da Europa das quais entende de vinho, de também estar morando lá. E aí a gente começou a pesquisa, eu visitei mais de 30 vinícolas até chegar definitivamente a confirmação de que seria na região do Dão, e seria essa que a gente comprou. Lá já se faz vinho há mais de 200 anos, não é novidade. E a gente conseguiu escolher uma área que tem um terroir espetacular.
É a mineralidade do granito?
Sim, sim, sim, é um espetáculo. E a propriedade é magnífica. Como você mesmo falou, nós temos lá um caminho romano, uma área que os romanos é que fizeram lá, o caminho, tem lá as pedras, você percebe pelo corte que foram feitas pelos romanos, mas nós estamos falando de coisas da época de Cristo. Tem uma outra área que é de antes de Cristo, que é um bosque de carvalho que dentro tem aqueles dólmens, aqueles bancos de pedra em que os celtas sentavam e faziam as suas atividades religiosas lá - dentro de um bosque. Tem uma fonte romana dos primeiros anos do cristianismo, fonte de água. Tem uma ruína de um antigo paço - paço era um hotel que as pessoas que iam do norte de Portugal ao sul e vice-versa pousavam lá, do século 14, isso nós estamos falando de 1.300 e alguma coisa.
Nossa, é muita importância histórica que tem, não é?
É um sítio histórico praticamente. E some-se a isso a qualidade das uvas que saem de lá. A gente investiu bastante em melhorar o trato das videiras. A gente contratou o mais renomado profissional de solos do mundo, que é o Pedro Parra, para fazer uma análise detalhada. Para você ter uma ideia, a propriedade foi toda escaneada.
Escaneada?
É, mas não é só escaneada não. Escaneada a três metros de profundidade. Para a gente entender até mesmo a capacidade de entrada das raízes das videiras. De conseguir ter os minerais, conseguir ter acesso à umidade, é um negócio... e agora nós estamos investindo mais ainda num sistema de podas com o maior profissional do mundo das podas, que poda por exemplo até Château d’Yquem que é podado pela equipe dele.
Ou seja, é para fazer um vinho que atende ao gosto mais exigente.
Sim, a primeira safra (a nossa) saiu esse ano. Nós vendemos tudo em dois meses. Tivemos que separar um pouquinho para vir para o Brasil, que vai chegar agora pra semana. E o mercado português assimilou tudo junto com o mercado japonês. Não sobrou nem para o Reino Unido nem para os Estados Unidos, que a gente está para a próxima safra, que vai sair ano que vem, aí a gente já vai separar para os Estados Unidos, para o Reino Unido, mas foi isso.
Ou seja, já deu para perceber como que vai ser o mercado, a demanda para a próxima safra? Como é que vocês vão fazer, com o volume de produção, área plantada, quais são os números aí que você pode passar desse projeto?
É, vou dar um exemplo para vocês. Nós recentemente compramos uma unidade industrial, literalmente, uma unidade industrial ao lado da nossa propriedade, que tem a capacidade de fazer 1,6 milhão de litros. Aí eu falo assim: “bom, mas você não faz 1,6 milhão de litros”. Não. Nós compramos porque é do lado da nossa propriedade e com bastante área para a gente. Quando e se puder, mantendo a qualidade, que é o principal, ir aos poucos crescendo.
São quantas garrafas?
Cem mil garrafas.
Em qual área plantada?
A propriedade não chega a 50 hectares. É, mas não é tudo plantado, porque tem bosque, tem olival, aliás fazemos um azeite da primeiríssima. Tem pomar...
Que vocês vão manter essas áreas, né?
Sim, sim, sim. E tem área nova que nós estamos plantando. Agora em janeiro, nós vamos plantar mais uma área. Que a gente já conseguiu as autorizações. E não é só chegar e ir plantando, não. Tem autorização.
Tem todo um processo?
Cem mil garrafas, para essa safra temos que ter umas 125, 130 mil garrafas.
Isso em 2024?
Não, a colheita de 2023. Foi muito boa, em qualidade e em quantidade.
Ah, a vindima, né?
A vindima.
Você foi lá, acompanhou?
Também, também.
E o investimento é alto, Otacílio? Tem que fazer um investimento constante na produção? Você estava falando que tem o marketing, tem a distribuição. Tem que verticalizar o negócio para você ter um controle total?
Nós assim fizemos. Porque um negócio de vinho não é um negócio tão simples. Primeiro negócio, eu vou dividir um negócio em três negócios: Um é fazenda, que é agricultura. Tem mão de obra para isso - especializada. E um detalhe, a nossa mão de obra é própria.
Vocês não contratam...
Por ora, não. Só durante a colheita que precisa, porque... precisa de mais gente. Mas tudo estritamente contratado por período específico. Não é o que chama aqui boia-fria. Não, é contratado mesmo. Lá não tem carteira assinada, lá é contrato. Contratado com todas as questões sociais pagas. Nós não precisamos, nós não queremos e nós não podemos fazer nada errado. Não faz nenhum sentido isso. A gente segue estritamente o que determina a legislação. Então é fazenda, com todas as agruras, de clima etc., e com toda a parte boa também. O segundo é a indústria. Fazer vinho é uma atividade industrial.
É o mercado, é a produção, é a qualidade.
Sim, sim, sim. Você tem que acompanhar minunciosamente os detalhes, não é...
É a padronização, você tem que manter. É muito complexo.
E o terceiro é a comercialização. E dentro dessa linha a gente resolveu também fazer do limão uma limonada. Nós resolvemos montar uma distribuidora de vinhos que, além de vender os nossos vinhos em Portugal, ela importa vinhos de grandes produtores de qualidade: Da França, Bordeaux, Borgonha, Alsácia, da Alemanha, da Itália, Toscana, produtores de altíssima qualidade para os melhores restaurantes de Portugal. Como você muito bem falou, existem milhões de turistas que vão anualmente a Portugal, números da ordem de 35 milhões. E eles quando vão ao restaurante, eles querem [no] primeiro dia tomar um vinho português, no segundo dia tomar um vinho português, mas no terceiro eles querem tomar o seu da Borgonha, o seu do Bordeaux, o seu italiano, e aí que entra o nosso negócio. A gente, pela expertise da equipe que nós temos, dois profissionais de altíssimo gabarito que trabalham conosco, que é o Igor e o Guilherme, conseguem identificar esses produtores, fazem as visitas, a gente consegue ter a exclusividade em Portugal.
Que é um produto diferenciado, não é, Otacílio?
É, são produtos diferenciados.
E são sempre vinhos com um ticket também maior, ticket médio, é um público também que vocês acompanham nessa linha de exigência?
É, são produtos de um ticket, no geral, um ticket maior, porque em Portugal você tem vinho de 3 €, 5 €, 9 €, 12 €.
Tem de tudo, né? Tem de 50 €.
São vinhos mais de 20 e poucos euros até 1.000 e alguma coisa.
E na Domínio do Açor são quantos vinhos no portfólio, na família?
Olha, nós fazemos os vinhos... Nós não nos restringimos: “Não, tem que fazer um vinho, dois vinhos, três vinhos, quatro vinhos”. Porque como a gente chegou a um ponto de minúcia, de ter a terra escaneada. Então lá tem três áreas dentro da propriedade. Uma é o que a gente chama de Village, a outra é Cru e a outra é Grand Cru. Ou seja, uma terra é excepcional, a outra terra é muito boa e a outra terra é boa. Então a gente consegue determinar, de uma fileira de videiras: “Olha, até essa planta aqui é Grand Cru. Dessa planta até essa outra é Village. Dessa outra é Cru”. Então a gente vinifica em separado, por uva e por pedaço de terra. Porque no primeiro ano a gente fez só por uva. No segundo ano a gente já fez dividindo por terra. E nesse ano agora de 2023, é que nós vamos fazer com todo o esplendor, fazendo essas vinificações de 500 litros, 200 litros, 1.000 litros, 5.000 litros, todas sempre separado e depois os nossos enólogos e os nossos assessores, junto com o nosso sócio que gostamos de vir entender alguma coisinha, vão fazer a escolha de quais os cortes que podem melhorar e ser mais adequado para o nosso cliente.
Não tem tempo, não tem prazo. E o interessante no caso de vocês, vocês não vivem do negócio, então vocês vão esperar o negócio maturar do jeito que vocês quiserem? A qualidade que vocês querem, não é o que o mercado está por urgência.
Não, nem isso. E o mercado do nosso produto não tem urgência. Então já começa por isso. E outra coisa, eu faço conta. E eu sou caixa. Então todos os dias em torno de 11 h da noite, é o horário de eu fazer a revisão do que entrou, o que saiu, e quais são os pagamentos que tem que ser feitos. Então, dentro do nosso planejamento, a gente é muito cuidadoso e a gente não rasga dinheiro. Isso pode ter certeza. Nenhum de nós rasga dinheiro.
Você me disse que tem três certificações, que são poucas pessoas que tem, que você conhece com essas três juntas, isso também faz diferença no negócio, não faz?
Faz, e não apenas eu... Nós temos, um dos nossos sócios tem uma certificação de sommelier (W72) que é um negócio assim... e aliás a partir desse sócio é que o negócio caminhou, porque ele que realmente: “Vamos, vamos, vamos”. Então ele me convenceu aí, foi quem me convenceu.
A abrirem a algibeira, né?
É, abrir a algibeira, exatamente, foi ele que me convenceu. É um grande amigo, uma pessoa excepcional, um pai de família 200%, um empresário destemido, mas ao mesmo tempo sabe dar o passo do tamanho da perna. Ainda bem que a perna dele é grande.
Aí vai, né?
E vai, e vai. Mas ele é W72. O Guilherme, que é o nosso consultor do Domínio do Açor, e o responsável da área comercial junto com o Igor na Temple Wines, que é a distribuidora de vinhos, ele é W73, que é a maior classificação que existe na área de sommelier do mundo.
Faixa preta.
Ele é faixa preta décimo dan. E o outro, que é o Igor, é formado na Universidade Adelaide, formado em enologia. Então a gente tem uma equipe...
Vocês estão bem-preparados para isso, né?
É, os nossos sommeliers têm experiência internacional, de ter trabalhado na Austrália, de ter trabalhado na Suíça, de ter trabalhado na França, de ter trabalhado na Itália.
Tudo referência.
Então isso vai somando para nós.
Vai dando um valor agregado que é incrível no mercado, né?
A gente faz questão que a gente tenha uma equipe que trabalha e vista a camisa. Não é um colaborador só, um funcionário, não.
É, vai lá, bate o cartão e vai embora.
Não, não. São pessoas que atuam mesmo. A gente vai fazer festa de Natal, vai dar presente para os filhos, para criar um elo, um vínculo. E além de falar em vínculo, que você estava perguntando dessa parte social, a gente procura ajudar também os religiosos que têm estrutura também em Portugal, tem aqui no Brasil, tem na Argentina e eles tem até especialidade na área de refugiados, ajudaram muito o Brasil na questão dos venezuelanos lá em Roraima e tal. Tem ajudado lá em Moçambique, em Angola, tem muito refugiado lá naquela região e a gente tem percebido que falta um treinamento para as pessoas também lá. Não é porque lá é país de primeiro mundo que... Então muita coisa não se aproveita, na área de frutas perde muita coisa. Então a gente conseguiu comprar algumas máquinas que secam a fruta e aí... batata, laranja, o que seja, banana, laranja... então você seca e isso gera renda para as pessoas, para depois venderem depois, né?
Elas conseguem continuar com a produção e levam para a frente o negócio, né?
É, então isso ajuda. E a gente tem todo o suporte, que lá não é prefeito, lá chama Presidente da Câmara. Então tanto o Presidente da Câmara da nossa cidade lá, que também não é cidade, tem um...Chama Oliveira do Conde, outra cidade maior, Carregal do Sal, todos eles estão gostando muito da forma que a gente está atuando. Porque é para fazer com que a comunidade cresça, possa gerar emprego, gerar riqueza. E uma coisa linda que tem, e isso é coincidência mesmo, existe uma praça Brasil-Portugal em Oliveira do Conde, dos anos 60, que foi criada nos anos 60. Olha que coisa interessante.
Há quanto tempo já.
Pois é, nos anos 60, 70 passados, foi criada a Praça Brasil-Portugal. E é a walking distance da nossa propriedade. E tem uma coisa também interessante, também do lado da cidade, a propriedade é no centro da cidade. Literalmente no centro da cidade. Tem um negócio, tem um pelourinho.
Ah, gente lá também tem?
Também tinha um pelourinho lá. Não é igual a Salvador, mas lá também... Aliás, até lembra Salvador a cidade. Tem mais ou menos as características.
O Otacílio é muito conhecido entre os amigos como Tatá. Essa rede de amigos que você tem, toda essa convivência. E de manter isso tão forte em todos os lugares. Eu quero te agradecer essa entrevista, essa aula de tudo aqui que você falou.
Bondade, eu que fico honrado.
Muito obrigada por todos esses assuntos aí, e levando o nome de Minas, levando o nome do Brasil para cada vez mais projetos, incentivando as pessoas, fazendo com que elas também participem cada vez mais de novos projetos.
Pois é, com zelo, carinho a gente consegue.
Dá para fazer um monte de coisas, porque você podia ter ficado aí na sua área tranquilamente, não precisava se arvorar em vários outros projetos como você fez. Mas é isso aí, é através do exemplo, tem que fazer isso.
E a gente que tem filho tem a responsabilidade de dar o exemplo. E eu procuro dar muitos bons exemplos ao meu filho. E exemplo de outros também, não é só exemplo do pai não. O pai não é perfeito, mas eu procuro pegar os exemplos de vários bons amigos para que sirva para a educação, a formação do nosso filho.