O sagaz deputado pernambucano Roberto Freire tem afirmado que nos últimos anos nasceu no Brasil uma outra classe de pessoa de direito, além das pessoas jurídicas e das pessoas físicas: são as pessoas cítricas. Refere-se Roberto Freire a um grupo crescente no Brasil, que em outros tempos se chamou de testas-de-ferro. Abrandado, está agora nominado como laranjas.

Trata-se do tipo que faz passar pelas suas contas bancárias, pelas suas malas ou mesmo pelas suas cuecas, dependendo de volumes e da elegância do parceiro, somas em dinheiro ou a titularidade de patrimônios, impossíveis aritmeticamente de estar na contabilidade formal de empresas ou nas declarações do Imposto de Renda. São valores ganhos em operações de injustificável e duvidosa origem, que, se convencionalmente registradas, poderiam evidenciar favorecimentos, paga de decisões, sonegação de impostos, venda de alvarás, êxito na disputa de licitações públicas para fornecimento de coisas, de pareceres, de trens de ferro, linhas e locomotivas.

Pagam ainda votos nos parlamentos municipais, estaduais, na Câmara dos Deputados e no Senado da República, remuneram opções e projetos, muitos até apresentados como políticas públicas. Assim como a biogenética fez nas frutas, o jogo de interesses os produz e os distribui durante todo o ano: o laranja é uma espécie fértil. Nos últimos dias, a inquietação gerada pela discussão provocada pela OAB nacional e em marcha no STF para proibir a doação de recursos por empresas como contribuição às campanhas eleitorais acirrou o debate sobre o perfil da próxima eleição, em 2014.

Valoriza a discussão o fato de que todos os dias a imprensa tem denunciado falcatruas as mais diversas, atuais e de mandatos passados, fazendo crer, muitas vezes, que os apenados no processo do mensalão, cotejados com agentes de escândalos denunciados mais recentemente possam ser classificados quase como colegiais. Estranha disputa e que tem provocado lances incríveis, dos principais marqueteiros de campanha e até mesmo dos candidatos das próximas eleições, que trabalham ações para driblar as esperadas reações de repúdio do eleitorado. O debate não é de programas, propostas e de ideias, mas do que cada grupo fez de pior com o poder que o povo lhes outorgou.

A presidente Dilma, por exemplo, em fala recente que lhe é atribuída, já se adiantou a dizer que o mensalão mineiro é uma fraude medíocre na disputa com o mensalão nacional, quando se discutirem as estratégias para aplacar a reação que o povo certamente levará para as ruas e para as urnas, no próximo ano. Sua excelência quer mais. Para brigar com o desgaste gerado pelo mensalão, melhor seria o escândalo do metrô de São Paulo. Nele, há gente mais graúda e está no Estado de onde o PSDB e as oposições têm base forte para turbinar a candidatura tucana à presidência.

Não se fala em varrer do país a corrupção. Esse é apenas um sentimento ingênuo da população, que viu políticos, empresários e banqueiros serem guardados na Papuda. A corrupção está enraizada, firme e perene, infelizmente, presente em todas as relações de poder. Hoje, com a norma em vigor, na qual as empresas declaram suas doações às campanhas ainda se pode saber de onde vêm os principais recursos que as fomentam. Se forem proibidas pelo entendimento do STF, esperemos: o laranjal vai produzir. Esse é o jogo que sempre se jogou. Por que nos iludirmos?